Capítulo 78: Uma serpente e uma sereia.

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Tinha a sensação de que alguma coisa estava errada. Minha uma lembrança era de ver Fedra correndo na minha direção, antes de uma dor profunda e visceral percorrer meu corpo e tudo desaparecer. Mas agora eu estava encarando um teto rochoso, sentindo minhas mãos e minhas pernas presas em correntes. Um gosto amargo percorria minha garganta, me deixando enjoado.

—Harper? —Daren chamou, com um tom de voz que soou muito hesitante, enquanto eu piscava várias vezes, sentindo meu corpo enrijecer.

—O que aconteceu? —Questionei, puxando meus braços com força, sentindo a ansiedade explodir nas minhas veias quando as correntes arranharam a minha pele. —Por que eu estou acorrentado? Cadê a Fedra e o Sebastian?

—Harper, se acalme. Você não pode perder o controle. Eu não sei o que... —Daren parou de falar, surgindo no meu campo de visão, enquanto eu puxava aquelas correntes com força, querendo desesperadamente me soltar. —Você se lembra do que fez, não é? Tirou a própria vida para que Fedra e Sebastian pudessem sair do inferno. Deu certo, Harper. Os dois estão seguros fora do inferno, no mundo dos vivos. Estão com o irmão de Sebastian.

—Por que eu estou acorrentado? —Exclamei, sentindo a raiva queimando nas minhas veias quanto mais puxava aquelas correntes e elas machucavam meus pulsos. —Por que eu não estou morto?

—Porque eu te trouxe de volta. —Daren respondeu, muito lentamente, enquanto eu parava de me mover quando absorvi o que ele tinha falado.

Encarei aquele lugar onde eu estava. A mesa de pedra embaixo de mim estava fria, arranhando a minha pele, enquanto a parede rochosa circular me lembrava das cavernas do castelo de Jonas. Faelynn estava ali, atrás de Daren, em uma distância segura de nós dois, como se estivesse com medo que algo acontecesse.

—Você fez o que? —Sibilei, lançando a Daren um olhar mortal e sabia que se estivesse solto, teria pulado em cima dele para tentar matá-lo.

—Eu te trouxe de volta, Harper. Usei aquela ligação entre nós dois, minha magia e... sua mãe. —Daren hesitou antes de falar dela, como se soubesse que aquilo poderia piorar tudo. —Roubei a alma da sua mãe e a usei para traze-lo de volta.

—Não... —Puxei o ar com força, sentindo um arrepio de horror atravessar meu corpo, porque não era aquilo que eu queria. Não foi aquilo que eu tinha desejado. —Eu tinha aceitado a morte. Por que você fez isso? Por que me trouxe de volta, pra ficar preso nesse lugar sozinho?

—Você desejava viver acima de qualquer outra coisa. Eu pensei que...

—Deveria ter me deixado morto! —Exclamei, sentindo meu peito subir e descer com forma, enquanto a raiva e a frustração corriam meu sangue. —Deveria ter simplesmente jogado meu corpo em algum lugar e me esquecido.

—Não seja um ingrato. —Daren rosnou pra mim, parecendo perder a paciência. —Eu fiz isso porque achei que fosse o que você querer, já que sempre lutou tanto pela sua vida. Fiz isso porque achei que era certo. Porque não podia deixar minha mãe vencer. E isso pode me custar muito caro, além de ter sérias consequências. —Daren se inclinou para perto de mim, bufando em desdém. —Você me passou para trás algumas vezes. Leve isso como o troco.

—Seu demônio maldito! —Sibilei, sentindo algo poderoso escorrer pelo meu sangue, enquanto encarava Daren com raiva. Mais raiva do que eu jamais havia sentido. —E pretende me deixar acorrentado aqui como um monstro agora?

—Harper, ele só estava tentando ajudar. —Faelynn sussurrou, se assustando quando se aproximou da mesa de pedra onde eu estava. Daren a empurrou para longe. Para trás dele.

Abaixei meus olhos para as minhas mãos, sentindo o ar escapar dos meus lábios quando vi as garras animalescas que despontavam da onde deveriam ser meus dedos. Horror atravessou meu corpo, enquanto eu forçava aquelas coisas pra dentro.

—O que você fez comigo? No que diabos você me transformou? —Questionei, olhando para Daren, vendo a expressão de pesar no rosto dele, como se ele imaginasse que aquilo fosse acontecer, mas esperasse que não.

—Só demônios roubam almas, Harper. —Daren deu alguns passos para trás, gesticulando para que Faelynn saísse dali. —E infelizmente esse era o único jeito de traze-lo de volta.

[...]

Não sei por quanto tempo fiquei acorrentado naquela mesa, até Daren achar que eu já estava controlado o suficiente. Passei as horas sozinho pensando nas consequências que aquilo poderiam trazer pra mim. Eu não era mais eu mesmo. Alguma coisa espreitava a minha pele. Eu podia ouvir a criatura me chamando. Querendo sair.

Minha raiva tinha ido embora, restando apenas uma sensação completa de vazio. Eu tinha ido tão longe pela minha vida, que agora tinha me tornado um monstro por causa dela. Não podia culpar Daren, mesmo que já tivesse feito isso. Se tivesse no lugar dele, teria feito a mesma coisa. Só que agora algo estava escondido dentro de mim, junto com a sede de poder.

Abri meus olhos, soltando um suspiro ao tirar a cabeça de dentro da água. Aqueles aposentos pareciam estranhos sem Fedra e Sebastian ali. Parecia frio e vazio. Quando sai de dentro da banheira, ainda nu, encarei meu reflexo na água, vendo todas aquelas tatuagens que se misturavam com minhas cicatrizes, além dos olhos de tom vermelho. Eu quase não me reconhecia, porque sentia que algo estava diferente dentro de mim.

—Harper? —Escutei a voz de Margery, a peregrina que costumava fazer tatuagens em mim. Me sequei rapidamente, colocando uma calça, saindo do cômodo adjacente onde ficava a banheira, a encontrando perto da cama. —Daren me disse que queria me ver. Trouxe o necessário pra fazer uma tatuagem. Já decidiu o que quer?

—Sou igual a ele? —Questionei, vendo-a continuar ajeitando as coisas sobre a mesa que havia ali. Que uma vez me sentei para comer junto com Sebastian.

Margery não olhou pra mim, mas eu sabia que ela havia entendido minha pergunta. Ela era uma peregrina. Podia sentir a magia de qualquer forma ou intensidade. Poderia reconhece-la se quisesse. Sabia que sua espécie era poderosa de uma forma que eu não sabia o quanto.

—Não, não é. Você é um demônio, mas não é igual aos outros, porque não nasceu da morte, foi criado através dos poderes dela. —Margary finalmente olhou pra mim, enquanto eu sentia algo rastejando pela minha pele. —Mas a morte não pode fazer nada contra você. Não pode te matar. Porque o poder dela corre nas suas veias, assim como corre nas veias dos filhos dela. Mas...

—Mas o que? —Indaguei, vendo-a hesitar em continuar, como se estivesse pensando no que dizer.

—Tem outra coisa dentro de você. Uma coisa que não sinto em Daren ou nos outros demônios. Uma coisa pura, que eu nunca tinha sentido antes. —Ela olhou pra mim, erguendo as sobrancelhas. —Não sei o que é, mas é poderoso. —Afirmou, olhando para meu peito nu, provavelmente procurando um espaço livre para tatuagens. —Então, o que vai querer?

—Uma serpente e uma sereia.


Continua...

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