Capítulo 51: Você não é um guerreiro.

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Segui as marcas de sangue pelo chão, seguindo pelos corredores, ouvindo o som do caos atrás de mim aumentar. Tinha certeza se Hunter já havia conseguido entrar aqui e não tinha certeza até onde Daren estava autorizado a agir. Mas aqui era sua casa. Ele poderia distraí-lo por tempo o suficiente para que eu fugisse, se eu conseguisse encontrar Fedra e Sebastian.

Continuar a correr, atravessando algumas portas e descendo algumas escadas, antes de empurrar duas portas de madeira enorme, chegando até a cozinha. O lugar parecia um labirinto de armários, mesas, cadeiras. Com facas, ervas, vidros de conserva pendurados por todos os lados, como um tipo de decoração. Todos que estavam ali viraram a cabeça para me encarar, antes de apontarem na direção que eles deveriam ter ido, todos ao mesmo tempo.

Quase ri daquilo, mas estava ocupado demais voltando a correr. Não era nenhuma surpresa pra mim que ninguém gostasse deles por ali, nem mesmo os outros criados de Daren. Passei pelos corredores da cozinha, desviando de quem estava no caminho, antes de atravessar a porta e chegar a um corredor parcialmente escuro. A entrada de uma caverna.

O sangue latejou na minha cabeça, porque tinha a sensação que sabia para onde aquele túnel daria e tinha medo de estar certo. Apertei aquelas facas nas minhas mãos e corri, contando cada tocha por onde passava, procurando os rastros de sangue pelo chão. Quando os encontrei, acelerei a corrida, até parar em frente a uma longa porta de madeira, com o desenho daquele javali com a faca sobre o crânio. Cada parte do meu corpo se acendendo como se soubesse o que eu precisaria enfrentar lá dentro.

Esfreguei a mão na testa para afastar o suor, empurrando a porta pesada, ouvindo-a ranger. Então pisei nos degraus do outro lado, observando o mercado que se abriu na minha frente. O lugar parecia ser no meio de uma floresta, mas em vez de árvores, haviam estátuas cinzentas daqueles que morreram e vieram parar no inferno. As construções eram espalhadas, como uma rua de um vilarejo. Um comércio. Cada parede erguida com ossos de todos os tipos e de todas as criaturas que poderia imaginar.

O mercado de sangue se estendia pela escuridão até eu não conseguir vê-lo mais. Haviam carroças atravessando o chão negro. Seres gritando e tentando vender todo o tipo de coisa. Sangue, almas aprisionadas em vidros, armas e até mesmo corpos inteiros e em pedaços. A visão era de embrulhar o estômago, principalmente por todos os seres diferentes que perambulavam por ali, esperando uma única oportunidade para matar e conseguir te vender.

—Harper! —Olhei para o longe, para uma das partes mais escuras do mercado, vendo a sombra dos cabelos roxos de Fedra desaparecerem no meio da névoa negra que se erguia sobre o mercado. Tudo ali era apagado e frio, então não era difícil encontrá-la, quando seu cabelo era a única coisa bonita daquele lugar.

Disparei pelas ruas do mercado de sangue, desviando dos seres que tentavam se aproximar de mim, apontando a faca para outros que ousavam tentar me segurar. Mas eles pareciam mais interessados em observar minha corrida atrás de Fedra, que estava sendo arrastada por uma figura masculina que eu conhecia muito bem.

—Gostaria de comprar uma alma, senhor? —Desviei de alguém que usava uma capa, que estava me estendendo um pote de vidro com uma alma aprisionada dentro. A alma de um homem, cinzenta e desesperado, porque ele batia os braços contra o vidro implorando por ajuda.

Segui em frente, empurrando as mãos de uma bruxa quando ela me tocou, antes de desviar do que parecia ser um ninho de alguma criatura, que alguém havia roubado e agora vendia os ovos intactos. Vi a sombra dos cabelos de Fedra sumirem na lateral de uma daquelas construções de ossos, usando todo meu fôlego para correr mais rápido e a alcançar.

Quando virei na esquina da construção, meus olhos encontraram os de Fedra. Ela gritou meu nome, se debatendo contra os braços firmes que a agarravam e a puxavam. Ergui a mão e lancei a faca, vendo-a se abaixar no mesmo instante. A faca se cravou contra o ombro do macho, que a deixou desabar no chão, antes de arrancar a faca e a apontar para mim quando me aproximei.

—Olá, pai. —Falei, puxando outra faca da minha cintura, deixando as duas mãos armadas, enquanto olhava para o homem que me vendeu quando eu era apenas uma criança. Ele mostrou os dentes pra mim, como se estivesse enojado, levando a outra mão para o ombro que sangrava.

—Eu deveria ter matado você quando era só um pirralho nojento. —Rosnou, e eu esperei pelo impacto daquelas palavras no meu coração. Mas ele não veio, porque eu não me importava com ele a muito tempo e minha atenção era toda de Fedra. Ela ainda estava no chão, olhando pra mim com uma expressão assustada.

—E você também deveria ter mantido suas mãos nojentas longe dela, porque agora eu vou arrancá-las fora. —Sibilei, antes de partir pra cima dele.

Desviei da mão dele quando ele tentou me acertar, sentindo a faca passar a centímetros do meu peito. O ataquei também, vendo o desviar da minha faca, antes de acertar um soco no meu rosto. Cambaleei para trás, desviando da faca nas mãos dele, antes de virar o corpo e o atacar com as duas mãos. Ele desviou da primeira faca nas minhas mãos, mas não foi rápido o suficiente para desviar da outra, que cortou seu peito, rasgando sua roupa.

—O que acha que está fazendo? —Ele tentou me atacar, acertando meu rosto em cheio. Minha bochecha ardeu quando a lâmina cortou minha pele. —Você não é um dos campeões. Você não é um guerreiro. Nem sabe lutar de verdade.

—Muito menos você. —Afirmei, indo pra cima dele de novo, desviando da sua faca, antes de lhe dar uma rasteira. Ele quase foi para o chão, mas o agarrei pela camisa rasgada, enfiado a faca no peito dele ao puxa-lo pra cima de mim. O ar escapou pelos lábios dele, enquanto a faca caia da sua mão. —Mas eu pelo menos vou viver para conseguir sair do inferno.

Puxei a faca de volta e o deixei desabar no chão, levando a mão ao peito, enquanto o sangue se espalhava pelas roupas de forma muito rápida. Escutei o vento uivar ao redor das estátuas e das construções de  ossos, além dos corvos que começaram a cantar ao fundo. Não demoraria muito para não restar absolutamente nada do corpo dele ali. Tudo seria roubado e tudo seria vendido.

Encarei o rosto dele, vendo seus olhos queimando sobre o meu. As feições parecidas comigo, mesmo que por dentro fôssemos completamente diferentes. Seu rosto foi ficando pálido, até um último suspiro escapar pela sua boca. Esperei tempo o suficiente para ter certeza de que ele estava morto. Agora ele jamais sairia do inferno, porque estava morto e preso aqui para sempre. Sua alma agora pertencia a morte.

Desviei do corpo dele, indo até onde Fedra estava tentando se levantar. A puxei pra cima, escutando ela soltar um gemido de dor. Afastei o corpo dela o suficiente, vendo-a pressionando as costelas, onde uma mancha marcava o tecido do vestido. O rastro de sangue pelo caminho tinha sido dela o tempo todo.

Fedra envolveu as mãos no meu ombro, afundando o rosto no meu peito, com o corpo inteiro trêmula. A abracei com cuidado, tentando não machucá-la. Cada batida do meu coração se igualando a respiração dela quando encostei meus lábios na sua testa. A energia da corrida ainda estava queimando no meu corpo, me deixando a beira do colapso.

—Tudo bem? —Afastei o rosto dela, quase ficando sem fôlego com a expressão agradecida no rosto dela quando balançou a cabeça que sim. Agarrei sua nuca, afundando meus lábios nos dela, mergulhando minha língua dentro da sua boca, tentando tirar tudo que conseguia dela naquele instante. —Onde está Sebastian?

—Ela levou... —Fedra suspirou contra minha boca, antes de exibir uma expressão assustada. —Sua mãe o levou. Eles nos pegaram do nada, Harper. Sebastian tentou se transformar, mas ela conseguiu o pegar mesmo assim.

—Pra onde ela foi? —Indaguei, sentindo algo afiado perfurar meu coração, com o medo do que aquilo poderia significar.

—Eu não sei. Eles se separaram. Eu não consegui fazer nada. —Afirmou, enquanto eu fechava meus olhos com força, querendo encontrá-la a enfiar uma faca no seu coração também. —Harper...

—Vou achá-lo. Não importa aonde ela foi, eu vou achá-lo. —Prometi, mesmo que minha própria voz estivesse repleta de incerteza.



Continua...

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