Capítulo 37: Ele tinha voltado para o navio.

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Sadie estava me aguardando do lado de fora do quarto quando saí, ainda pensando no beijo de Fedra e no quão confuso e acelerado meu coração estava naquele momento, como se Fedra fosse o suficiente para faze-lo bater de verdade, como se eu estivesse vivo e não preso no mundo das almas.

—Não precisa se preocupar com ela. —Sadie murmurou, me fazendo comprimir os lábios, porque não queria falar qualquer coisa com ela naquele momento. —Ela vai ficar aqui no navio, em completa segurança. Deve se preocupar com você mesmo, porque lá fora é uma terra sem lei e se não encontrar a sereia...

A deixei falando sozinha ao me apressar em direção ao deck superior do navio, ouvindo Sadie estalar a língua em descontentamento, como se ignorá-la fosse uma ofensa enorme. Eu não me importava de qualquer forma, Só queria que ela me deixasse em paz, porque precisava me concentrar, mesmo que fosse impossível depois daquele ultimo segundo no quarto.

Hunter estava esperando perto da rampa de descida do navio, dando ordens aos seus homens que iriam descer e também aqueles que ficariam no navio. Khan me lançou um olhar afiado quando me juntei a eles, ignorando sua presença da mesma forma que fiz com Sadie. Hunter não demorou a notar minha presença, me olhando por um segundo longo e tenso ao citar a sereia.

Enquanto ele falava olhei para o horizonte, observando as montanhas que formavam o vale, além da pequena faixa de mata após a praia onde estávamos atracados. A escuridão devorava e escondia todas as coisas que espreitavam lá embaixo, aguardando o momento certo para nos pegar e nos matar. Tentei não pensar muito nisso, porque se sobrevivesse, teria que enfrentar as florestas do território de Jonas, onde havia coisas igualmente perigosas.

—Espero que saiba pra onde está nos levando, Harper. —Hunter se aproximou de mim, analisando as facas presas na minha cintura. —E espero sair de lá com a sereia, então faça sua parte com perfeição e será bem recompensando, tanto quanto já foi.

—É só dar as ordens para descermos do navio. —Afirmei, umedecendo os lábios com a língua ao continuar observado o que havia naquela floresta, mesmo que eu não pudesse ver de fato. —Temos uma longa caminhada até as montanhas do vale. Melhor não perdermos mais tempo.

Ele assentiu pra mim, parecendo avaliar minha resposta com cuidado. Mas segui em direção a rampa para descer, seguindo seus homens, que empunhavam espadas e arcos, enquanto eu permanecia apenas com aquelas facas. Mantive minhas mãos longe delas quando pisei na areia da praia, sentindo meus pés afundarem um pouco, enquanto olhava para o navio por cima do ombro.

Fedra tinha acabado de surgir lá em cima, tocando o parapeito do navio com as mãos delicadas, enquanto me observava com uma expressão tão preocupada, que era capaz de rachar meu coração ao meio. Seus olhos permaneceram em mim quando comecei a seguir o grupo para dentro da floresta, e senti a atenção dela em mim mesmo quando não podia mais me ver, como se meu coração sentisse, bem lá no fundo, aquela faísca de calor e cuidado.

[...]

A floresta estava estranhamente silenciosa ao meu redor. Nem mesmo nossos passos pelo chão lamacento era ouvido. Os homens tinham parado de conversar no instante que entramos na floresta, como se algo ali os deixasse tensos. Como se o silencio fosse motivo o suficiente para mantê-los vivos por mais alguns metros. Já havíamos percorrido um longo caminho na direção das montanhas. Na direção que eu apontei que deveríamos ir.

Hunter não hesitou em mandar os homens pra cá, sem fazer ideia de que tudo era uma grande mentira. Não fazia ideia de pra onde estávamos indo, mas sabia o que precisava fazer. Hunter deixou claro que todos ali precisavam tomar cuidado com a floresta, porque sempre tinha alguma coisa a espreita, esperando o momento certo para atacar. Uma única gota de sangue sendo suficiente para chamar algumas das priores criaturas que existiam ali.

Mantive os olhos em Hunter e Sadie lá na frente, enquanto Khan estava indo por último no grupo. A floresta ao meu redor exibia tons diferentes de verde e azul cintilante, como se tudo ali estivesse mais vivo do que aparentava estar. Tinha a leve sensação de que até mesmo as árvores podiam ouvir ali, levando tudo pelas suas raizes até a morte. Ou os corvos, silenciosos nas árvores, que mesmo sem vê-los eu sabia que estavam ali, eram os olhos e ouvidos dela.

Fiquei em silêncio o caminho todo até as montanhas, puxando uma das facas da cintura quando senti que estava na hora de agir. O chão lamacento já estava dando lugar a pedras longas que se misturavam com as árvores e arbustos, além do som de água corrente começar a ecoar baixinho e abafado pela floresta.

—Tem uma ponte logo à frente! —Sadie exclamou, com sua voz viajando pela floresta, junto com uma brisa pesada que balançou seus cabelos loiros.

Apertei o cabo da faca, observando a ponte que surgiu entre as árvores, passando por cima de uma água com correnteza forte. A ponte era feita de madeira, além de possuir um arco de trepadeiras e cipós na entrada, que seguia até a saída do outro lado do rio. Sadie o atravessou primeiro, sendo seguida por alguns homens e então Hunter, acenando para que todos passassem.

Observei cada um deles passando pela ponte estreita lentamente, enquanto ficava ao lado da ponte, com os pés rente a primeira madeira. Enquanto cada homem passava, tomando cuidado com cada passo pelo caminho, já que a ponte balançava sobre os pesos deles, usei a faca na minha mão para cortar disfarçadamente um dos cipós que a seguravam no alto, longe da água. Cortei dois deles, indo para o terceiro.

Mantive minha atenção nos homens que passavam pela ponte e no balançar que ela fazia, cada vez com mais intensidade, como se estivesse apenas esperando minha vez de passar. Podia ouvir o som da lamina cortando, até o terceiro cipó se romper quando um dos homens indicou que era a minha vez de passar.

Assenti e escondi a faca na minha calça, antes de pisar com força na entrada da ponte, ouvindo-a estralar. Os homens que ainda passavam por ela hesitaram, enquanto eu dava um passo para trás e me segurava em uma árvore, vendo a atenção de todos na ponte, no instante que o peso dos homens foi o suficiente para fazer o restante das trepadeiras e dos cipós se arrebentarem.

Eles tentaram correr quando a ponte se desmanchou, gritando alto o suficiente para assustar os corvos que nos observavam pelas sombras. Hunter começou a berrar ordens, quando alguns dos homens caíram dentro da água. Cordas foram lançadas na direção deles na tentativa de os tirar da água.

Todos pareciam ocupados demais com a tentava de tirá-los de lá e de achar outra maneira do restante de nós atravessar. Todos estavam dispersos demais para perceber as ondas que surgiram mais à frente no rio, de uma coloração verde na cauda idêntica de uma sereia. Dei um passo para longe da beirada, sabendo que as coisas estavam prestes a ficar feias por ali.

Foram segundos até que os homens começassem a gritar quando a primeira sersi apareceu, agarrando um deles e o puxando para o fundo, antes de uma mancha vermelho viva subir na água onde ele estava segundo antes. O outro estava tentando escalar para sair do rio, contando com a ajuda de uma corda. Mas uma Sersi saltou da água e o agarrou, puxando-o para baixo da água.

Dei outro passo para trás, percebendo que o caos estava instalado ali, porque nenhum deles notou quando comecei a me afastar lentamente, escutando-os gritarem com os que haviam caído, tentando salvá-los daquelas criaturas mágicas que adoravam matar qualquer coisa que se movesse na água.

Hunter berrava ordens, enquanto os homens jogavam mais e mais cordas. Flechas eram lançadas na direção das Sersis, mas eu já estava longe demais para ver se eles estavam as acertando. Quando estava escondido nas sombras das árvores, percebendo que de fato ninguém havia notado, virei e disparei pelo caminho que havíamos percorrido para chegar até ali

Queria desesperadamente chegar ao navio o mais rápido possível, porque não havia me dado conta de que Khan não estava mais ali, entre os que caíram na água e entre os que tentavam ajudar. Não sabia quando ele tinha desaparecido, porque estava ocupado demais dentro da minha própria cabeça, tentando não errar. Mas tinha certeza de onde Khan tinha ido.

Ele tinha voltado para o navio.


Continua...

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