Capítulo 77: Chamas negras.

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A estrela pareceu abalada quando Daren carregou a mulher até a mesa de pedra, a prendendo em correntes ao lado de Harper. Ela já tinha visto muitas coisas relacionadas a magia, já que literalmente era feita dela. Mas nunca tinha estado tão perto de um demônio para saber o que ele poderia fazer com seus poderes.

—O que está fazendo? O que você... —Ele enfiou algo na garganta dela, a impedindo de continuar a falar. Daren terminou de prender seus tornozelos, pensando que gostaria muito que Harper pudesse ver o desespero da mãe naquele momento.

—Minha mãe disse que a alma do seu filho valia por um milhão de almas. —Daren estalou a língua, inclinando o rosto para perto do rosto dela, se deliciando com o assombro que via lá. Mesmo sendo um demônio, ele não era adorador da crueldade. Mas para algumas pessoas ele sempre abria uma exceção. —Acho que a sua não vale nada. Mas vai me servir.

—O que vai fazer? —Faellynn indagou, engolindo em seco quando Daren dobrou as mangas da camisa que usava, puxando uma faca e cortando o pulso, deixando o sangue escorrer como água.

—Preciso que segure a cabeça dele. —Daren exclamou, sem ter a intenção de explicar qualquer coisa a ela. A estrela tinha feito a escolha de ir até ali, então iria ver tudo com os próprios olhos.

Um cálice surgiu nas mãos de Daren e ele o encheu até a metade com seu sangue. Quando afastou o pulso do objeto, levou o braço até a boca e lambeu o corte, fazendo-o desparecer. Então se aproximou da mãe de Harper, rindo quando ela se debateu quando ele agarrou seu pulso e puxou a faca de novo.

—Não faça essa cara. Eu deixei você viver tempo demais até. Imagino que destino tenham almas como a sua, que vendem os próprios filhos para demônios. —Daren sibilou, cortando o pulso dela. A estrela desviou os olhos quando a mulher tentou gritar, assombrada demais com a calma que o demônio fazia tudo aquilo.

Ele terminou de encher o cálice com o sangue dela, misturando o com o seu. Então murmurou uma série de palavras em uma língua muito antiga que a estrela não conhecia, fazendo o sangue borbulhar ali, como se estivesse fervendo. A magia se concentrou naquela sala, vibrando e escorrendo pelas paredes como veneno, sentindo o chamado.

—Incline a cabeça dele e abra sua boca. —Daren mandou, antes de voltar a murmurar naquela língua muito antiga, que nem mesmo sua mãe ousava proferir.

Daren arrancou aquela faca do peito dele, jogando-a no chão. A lâmina atingiu o chão com tanta força que se estilhaçou com a força da magia que impregnava aquele lugar. A estrela podia senti-la tocando sua pele. Rastejando pelo seu sangue, como se quisesse entrar dentro dela.

Mas seus olhos estavam fixos no demônio, que virava aquele cálice nos lábios abertos de Harper, fazendo-o beber tudo. A estrela quase podia ver a magia entrando no corpo de Harper com aquele gesto, como se o demônio estivesse permitindo que a magia fizesse isso. Ele a afastou com um movimento fluido de mão, assustando-a com o contato repentino.

Mas a estrela mesmo se afastou depois, cambaleando para trás até suas asas baterem contra a parede. As chamas das tochas ao redor se tornaram negras, como as íris dos olhos de Daren. Faelynn não podia ver, mas a magia fluía das mãos do demônio, lançando-se ao redor daquela mesa de pedra onde Harper e sua mãe estavam. A humana tentou gritar quando a magia a tocou, puxando de dentro dela aquele resquício de vida que mantinha sua alma segura.

Daren já havia roubado almas antes. Ele era um demônio que tinha fome disso. Fome de qualquer coisa que pudesse lhe deixar mais poderoso. Mas as almas eram sempre pra ele e não para outro. Mas ali estava ele, roubando aquela alma. Não precisava de toda ela, mas daquela pequena parte pulsante que mantinha a humana viva. A magia agarrou aquilo, arrancando do corpo dela, antes de mergulhar no peito de Harper.

Harper tinha dado seu sangue de boa vontade para o amigo duas vezes. Isso fazia parte da sua alma se ligar a de Daren, dando a ele a oportunidade de controla-lo, mesmo que esse controle fosse muito pequeno. O demônio nunca tinha se aproveitado desse poder que estava nas suas mãos desde que bebeu aquele sangue, quando fez seus acordos com ele. Mas ali, ele agarrou aquele fiapo da alma de Harper que pertencia a ele e o forçou a tomar aquela vida que ele estava lhe oferecendo.

As chamas negras aumentaram sobre as tochas, surgindo também das bordas da mesa de pedra, ao redor de Harper e sua mãe. O corpo da humana já estava imóvel, com os olhos vazios e sem qualquer brilho. Quando as chamas a tocaram, ela se desfez em uma tempestade violenta de cinzas. A estrela se encolheu contra a parede ao presenciar aquilo, sentindo a pele se irritar contra o calor, assim como sua própria magia pulsar dentro do seu sangue, como se respondesse a de Daren.

Longe dali, a deusa da vida tentava não interferir, sabendo que já havia feito demais. Não se orgulhava de ver a vida de alguém sendo roubada daquela forma, como aconteceu com Reyna Harper. Mas a deusa da vida aprendeu cedo demais de que algumas almas não merecem ser salvas, enquanto outras deveriam ser reverenciadas. Ela aprendeu a lidar com a dor e, principalmente, com as próprias escolhas quando resolvia interferir.

A cor dos olhos de Daren retornou ao seu estado natural, enquanto as chamas negras desapareciam das suas mãos, assim como as das tochas voltava ao seu tom vermelho vivo. A estrela suspirou quando percebeu que havia terminado, observando as chamas negras que ainda queimavam na pedra ao redor de Harper, diminuírem até desaparecerem por completo.

Ela fez menção de se aproximar, mas Daren estendeu a mão para para-la, sentindo o poder ainda escorrendo por aquela mesa de pedra. A deusa da vida se empertigou no lugar em que observava tudo, tentada a desviar os olhos daquela masmorra. Mas não conseguiu, sentindo uma pontada de medo pelo que havia feito, quando os olhos de Harper se abriram.


Continua...

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