Capítulo 7: Serpente.

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Hunter parecia um predador louco para agarrar uma presa quando me ouviu perguntar aquilo. Ele deixou a garrafa de lado, assim como o saquinho de moedas, se inclinando tanto na minha direção que pude sentir o cheiro de madeira velha misturada com álcool que vinha dele.

—Você por acaso encontrou uma pena, Harper? —Indagou, os olhos brilhando em algo sombrio e eu sabia que ele roubaria a pena de mim se pudesse.

—Não. Apenas ouvi alguns boatos e queria saber por quê elas são tão valiosas assim. —Falei, dando de ombros como se aquela fosse uma curiosidade rasa e sem importância. Esperava que o mago e principalmente a vampira ao lado dele, não tivesse notado o acelerar do meu coração ao saber que ela poderia comprar minha liberdade. —Foi bom fazer negócios com você, Hunter. Te vejo na próxima semana.

Fiquei de pé, sentindo os olhos dele seguirem minhas costas enquanto eu ia até a rampa para descer do navio. Sadie me seguiu, com movimentos elegantes e calmos até eu estar sobre o chão rochoso, encarando um ponto no chão quando percebi algo assim que desci do navio.

—Vincula sua alma a outra.

—O que? —Não olhei para Sadie ao ouvi-la. Continuei encarando aquele ponto mais escuro no chão.

—A pena de um corvo pode vincular sua alma a outra. —Afirmou, e dessa vez eu me virei para encara-la, vendo o brilho intenso presente nos olhos azuis. —Como se vocês fossem um só. Se um morre, o outro também morre, como se possuíssem uma única almas.

Ela não esperou que eu respondesse, subindo de volta para o navio e puxando aquela rampa. Fiquei parado observando aquele navio se afastar pela imensidão negra do céu, ou o que deveria ser ele. Quando já não conseguia mais ver o navio no ar, voltei para dentro, me enfiando naquela caverna imunda onde eu dormia, como Hunter mesmo me lembrou.

[...]

Todos os escravos estavam dormindo. Pelo menos aqueles que dividiam a caverna comigo. Aproveitei isso para guardar minhas moedas de hoje, antes de sair vagando pela escuridão atrás das moedas dos outros escravos. As horas após a visita do Colecionador era o melhor momento para roubar os escravos, quando eles estavam menos cuidadosos e com mais moedas.

Encontrei três sacos de moedas escondidos em baixo de baús e dentro das botas de alguns. Eles iriam aprender a esconder melhor as moedas que conseguiam. Não me senti nem um pouco mal por rouba-los. Se não fosse eles, seria eu. Escondi tudo que consegui nas minhas coisas. Já tinha uma boa quantia, mas as coisas mudaram agora que a morte resolveu brincar com os vivos aqui dentro.

Segui para a caverna de banho. Já havia me limpado e estava pronto para dormir, mas precisava resolver uma coisa que estava martelando na minha cabeça desde que desci daquele navio horas atrás. Me escorei na parede seca, longe daquelas onde a água escorria. Não demorou para eu ouvir o som do motivo de eu ter ido até ali.

Olhei para a entrada da caverna ao meu lado, comprimindo os lábios quando a serpente passou pela entrada, rastejando no chão. Ela virou a cabeça na minha direção, a língua cortando o ar a cada segundo. Estalei a língua em frustração e então irrompi na direção dela, pisando na ponta da sua calda de escamas negras.

Com um arquejo de dor, Sebastian estava ali, de costas no chão onde antes estava a serpente, me encarando com os olhos arregalados. Soltei uma respiração quando percebi que estava certo, me abaixando para agarra-lo e então prensa-lo contra a parede. Ele não disse nada quando fiz isso, mas vi a hesitação e o medo em seus olhos.

—Você não é humano! —Sibilei, mantendo os pés dele longe do chão enquanto o segurava contra a parede. —Tenho certeza que os guardas não roubam jovens yatoris por ai.

—Eles não sabem, obviamente. —Sebastian murmurou, soltando uma respiração pesada.

—Mas vão descobrir, se continuar se transformando por ai o tempo todo. —Eu inclinei meu rosto para perto do dele. —Isso se Nilus já não souber, já que você provavelmente fede a magia pra ele.

—O peregrino? —Ele enrugou os lábios com uma expressão desagradável. —Ele não tem como sentir minha magia.

Eu olhei para os braços dele que se agarravam a minha jaqueta, vendo a pulseira que provavelmente escondia sua magia. Yatoris não eram apenas metamorfos, mas sim usavam magia para se transformarem em determinados animais. Alguns seres não gostam nem um pouco deles.

Soltei ele no chão, dando um passo para trás e abaixando o olhar quando o garoto ficou muito menor do que eu. Balancei a cabeça negativamente, sabendo que ele estaria morto assim que descobrissem o que ele era. Eles aceitavam apenas humanos como escravos e duvidava muito que Sebastian não seria pego. Se eu levei dois dias para perceber, não demoraria para os outros fazerem o mesmo.

—Saia daqui enquanto pode, Sebastian. Ou nunca mais se transforme em uma serpente. —Falei, sabendo que deveria entrega-lo, já que no final poderia sobrar pra mim. Mas ele ainda era uma criança e eu precisava ter algum senso de moral. Por menor que fosse. —Vão mata-lo se descobrirem.

—Eles não vão descobrir. —Ele agarrou meu braço quando fiz menção de me afastar. Fiquei rígido, porque da última vez que ele fez isso eu fui chicoteado por horas seguidas. Sebastian pareceu se lembrar também, porque me soltou quando olhei. —Desculpe por ter metido você em problemas da outra vez. Não era a minha intenção.

—Apenas volte para a cela. —Falei, seguindo adiante, ouvindo a respiração desregular dele.

—Eu posso ajuda-lo. —Afirmou, arrancando uma risada baixa de mim. —Eu vi onde guarda suas coisas. Sei que encontrou uma pena e ouvi o que aquele mago disse. —Parei de andar, sentindo meu sangue ficar tão gelado que parecia que eu estava sendo congelado de dentro pra fora. —Harper, eu posso ajuda-lo.

—Como, exatamente, você pode me ajudar? —Me virei pra ele, com cada palavra saindo tão dura quanto antes. Eu o entregaria e então mudaria o meu esconderijo. Não podia deixar que ninguém soubesse. Que ele tivesse a chance de contar a alguém antes que eu tirasse as moedas e a pena de lá.

—Escute, não vou contar a ninguém. —Afirmou, parecendo estar em uma onda de coragem ao olhar pra mim. —Quero ajuda-lo a vencer os desafios. Eu posso ajuda-lo, Harper. —Ele se aproximou até parar na minha frente, os olhos enormes e hesitantes. —Eu me transformo em uma serpente. Pequeno e posso ser até mesmo silencioso. Posso conseguir informações dos sangue nobre pra você. Posso ajuda-lo a descobrir se existe mesmo uma sereia naquela prisão.


Continua...

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