Capítulo 76: A morte recompensa os justos.

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A notícia de que Fox Harper havia morrido não demorou a se espalhar pelo inferno, como sangue na água. Os corvos fizeram um ótimo trabalho em espalhar a história de Harper, que foi ganhando contornos diferentes a cada ser que resolvia a contar novamente. E todas elas terminavam da mesma forma, a história de Fox Harper chegou ao fim quando ele desistiu da própria vida pelo bem daqueles que amava. Amor, que todos no inferno consideravam tolice.

Mas a verdadeira história de Fox Harper ainda não tinha ganhado seu ponto final. O demônio carregava seu corpo pelos corredores da sua morada, levando-o para uma escadaria sombria que levava ao subterrâneo do inferno, onde a magia pulsava com força o suficiente para ser sentida dentro dos ossos de quem pisava lá.

—Fedra e Sebastian estão mesmo seguros? Sabe que Harper jamais o perdoaria se soubesse que os dois estão em perigo, mesmo depois de ele se sacrificar. —A estrela afirmou, segundo Daren pelas escadarias, com uma expressão severa.

Havia ficado em estado de choque quando viu o corpo de Harper. Quando percebeu que ele estava sem vida. E quando o demônio a mandou ficar longe, porque não iria querer ver o que ia acontecer, a estrela se recusou, lançando a Daren um
olhar que certamente seria capaz de transformá-lo em pedra se ele tentasse a afastar de novo.

—Você ouviu o que eu disse a Lancey, antes de ele ir embora. —Daren olhou para a estrela se perguntando como ela ainda estava viva naquele lugar, sendo tão impertinente. —Por que eu mentiria?

—Para poupa-lo do sofrimento. —A estrela deu de ombros, fazendo uma careta quando o cheio de sangue, mofo e morte subiu pelas suas narinas, e seu corpo estremeceu com a sensação pesada da magia, como se ela estivesse esmagando seus ossos.

—Eu sou um demônio, Faelynn. Não costumo poupar as pessoas do sofrimento. —Exclamou, rangendo os dentes em frustração, porque só queria que a estrela fosse embora.

O que ele iria fazer era contra as leis da própria magia. Mas ele era tão obstinado que mesmo quebrando leis tão antigas quanto a sua existência, ele não iria parar. Sua mãe não iria desejar apenas trancafia-lo. Ela iria desejar remover cada gota de sanidade dele, até reduzi-lo a ossos.

—Os dois estão seguros. O irmão de Yaz vai protegê-los. Tenho certeza que o yatori vai valorizar o sacrifício que Harper fez pelo irmão dele. —Daren sussurrou, parando um segundo e olhando para Harper, que ele agora carregava como um saco no seu ombro.

Poderia ser mais gentil com o amigo, ele sabia. Mas estava com pressa. Achava que a mãe não demoraria para ir buscar o corpo de Harper. Ela gostava que colecionar cadáveres daqueles que lhe causaram problemas. E havia afirmado com todas as letras que a alma dele valia por um milhão de almas.

Mas a estrela ainda estava vindo atrás dele. Ela era impetuosa. Uma alma que jamais deveria ter sido aprisionada no inferno. Daren sabia muitas coisas sobre as estrelas. Elas eram abençoadas pela deusa da vida, então era surpreende que uma delas estivesse ali naquele momento. E a presença dela o deixava a criatura dentro dele inquieta, desde o instante em que a viu.

—Vou fazer algo que pode ter sérias consequências, Faelynn. Pode deixar não só minha mãe furiosa, mas os outros deuses. —Daren olhou para a estrela, se perguntando se Harper tinha alguma noção do que estava fazendo quando a tirou das mãos de Hunter. Mas ele achava que não. Harper não era do tipo que pensava nas consequências. Ele ia lá e fazia. —A magia aqui é mais forte e mais sombria do que aquela que rasteja lá em cima. Se alguma coisa der errado, não quero que esteja por perto. Pode ser perigoso.

—Pensei que não costumasse poupar as pessoas do sofrimento. —Afirmou, lançando a Daren um olhar frio, antes de passar por ele e seguir na frente.

O demônio praguejou algumas xingamentos. Xingando até mesmo Harper por ter trazido aquela criatura corajosa até ali e o deixado com ele. Mas já era tarde demais para questionar. Daren seguiu para as masmorras, onde costumava prender a si mesmo quando não conseguia controlar a criatura dentro dele.

A sala pareceu reconhecer sua presença quando Faelynn empurrou as duas portas de madeira pesada. As tochas se acendendo com um sopro, revelando a sala circular onde uma grande mesa de pedra estava posicionada no centro de tudo. Daren levou o corpo de Harper até ela, enquanto a estrela observava os arranhões nas paredes, feitos pelas garras do pesadelo que espreitava a pele de Daren.

Ele aprendeu a controlar a si mesmo com o tempo, mesmo que tenha mentido para Harper quando disse que tinha total controle da sua consciência quando deixava a criatura aparecer. Mas o yatori estava quase morrendo. Ele precisava da sua outra forma para acessar sua magia mais pura e fazer o feitiço com a pena do corvo funcionar mais rápido. Tinha dado certo, em parte, se Harper não tivesse lhe entregado o sangue errado.

—O que está fazendo? —Faelynn indagou, parecendo se assustar ao ver Daren prender as mãos de Harper com correntes pesadas e grossas, que fediam a encantamentos, e depois fazer o mesmo com seus tornozelos.

—Cuidado para que ele não machuque a si mesmo e a nós dois. —Daren lançou a ela um olhar cruel, já que ela havia decido ficar ali. Teimosa, ele pensava. Teimosa de uma forma que fazia aquela criatura dentro dele ronronar.

Daren deixou a magia da morte fluir sobre seu sangue e ossos, sentindo a força dela naquele lugar, mais intensa que o normal. Estalou os dedos, vendo quando os corvos surgiram como uma sombra, deixando o corpo de Reyna Harper cair sobre os pés dele. Tinha dito a Harper que não tocaria nela até o amigo decidir o que gostaria de fazer com a mãe, depois de ela armar contra ele. Mas Harper nunca cumpria o que dizia, então Daren se via no direito de não cumprir também.

A mulher olhou ao redor assustada, sem entender o que estava acontecendo. Tinha ficado aprisionada em uma cela, como um animal, apenas remoendo o ódio que estava sentindo. Mas quando se levantou sobre os olhos do demônio, se preparando para rosnar insultos a ele, ficou paralisada ao reconhecer o corpo do filho, morto, acorrentado sobre a mesa de pedra.

—A morte recompensa os justos. —Sussurrou, se deliciando com a morte do próprio filho, de uma forma que deixou tanto o demônio como a estrela enojados.

—Eu não comemoraria se fosse você. —Daren a agarrou pelo pescoço, abrindo um sorriso sombrio para a humana. —Não depois que eu roubar sua alma.


Continua...

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