Avistei o pico da montanha onde estava escondida a sala dos tesouros perdidos 8 dias depois de deixarmos o lar de Daren. A floresta era um sussurro de escuridão ao nosso redor. Não sabia dizer quem de nós dois estava mais exausto de toda a caminhada, com as noites mal dormidas e a pouca comida. Mas tínhamos chegado ao destino final, mais cedo do que eu esperava.
—Acha que tem armadilhas lá dentro? —Fedra indagou, tremendo contra o vento cortante que nos atingiu quando começamos a subir a montanha, seguindo em direção a entrada de uma caverna que era mostrada no mapa.
—Não sei. Talvez, sim. Talvez, não. —Encarei o pico da montanha, que parecia ser devorado por nuvens negras, mas eram apenas corvos voando em círculos, como se não tivessem outro lugar pra ir. —Por que a morte colocaria armadilhas, se já estamos todos presos no inferno?
—Mas não somos almas. Ela não pode nos controlar. —Fedra olhou pra mim. A sombra de algo frio e pesado nos olhos. —Enquanto formos donos da nossa alma, podemos rezar pela deusa da vida que ela continuará olhando pra nós.
—Ela não tem poder sobre o inferno, Fedra. —Afirmei, porque tudo que eu fiz todos esses anos foi rezar para a deusa da vida. Para um sinal de que eu não deveria desistir. Para uma ajuda para deixar aquele lugar.
—Ela tem poder sobre os vivos, Harper. —Fedra sussurrou, com a voz se perdendo no meio da noite, quando passou por mim e seguiu o caminho na minha frente. —Podemos estar no inferno, mas ainda pertencêssemos a ela.
Segui Fedra sem dizer nada sobre aquilo, me limitando a pensar no que aquilo poderia significar. Se ainda estávamos vivos, ainda podíamos lutar para conseguir mais do que tínhamos. Eu não queria poder como a maioria das pessoas. Eu queria uma vida fora desde lugar, porque ela havia sido roubada de mim pelos meus pais. Não tive direito de escolha da outra vez. Mas terei agora.
[...]
Acendi uma tocha assim que entramos na caverna, assustando alguns morcegos que estavam dormindo ali. Fedra abaixou a cabeça quando eles passaram voando sobre nós dois, voando para a escuridão do inferno lá fora. Fedra se aproximou de mim, com os ombros rígidos, como se sentisse a mesma sensação estranha que eu.
Com a tocha em uma mão e uma faca na outra, segui pela caverna com Fedra atrás de mim. A chama da tocha se mantinha firme e sem oscilação, como se não houvesse qualquer corrente de ar ali. Quando chegamos a uma bifurcação, escolhi um dos lados sem pensar, me arrependendo no momento que ouvi um rosnado vir dar escuridão.
Fedra se encolheu atrás de mim, agarrando uma das minhas facas. Apontei a tocha para frente, me assustando quando um lobo negro saltou da escuridão, com os olhos cravados em Fedra e eu. Apontei a faca para ele, tentando o manter longe com o fogo. O lobo imenso nos encarou por um longo segundo, com os dentes a mostra, sujos de sangue, então saltou para a caverna atrás de nós e desapareceu na escuridão na direção da saída da caverna.
—Ele estava...
—Se alimentando. —Falei, umedecendo os lábios com a língua quando eles ficaram subitamente secos, sentindo a ansiedade borbulhar das minhas veias, com receio do que encontraria mais pra frente, quando puxei Fedra para que prosseguíssemos.
Não encontramos qualquer criatura morta pelo caminho, além dos rastros do lobo negro pelo chão. Quanto mais fundo na caverna entrávamos, mais estreita ela ia ficando, até a luz da tocha ser ofuscada pelo brilho de algo no final do túnel. A larguei no chão, puxando outra faca, enquanto caminhava em direção ao que eu pude reconhecer ser o final do túnel.
Meus pés deslizaram na terra quando o chão terminou em uma enorme queda, revelando um salão enorme, com pilastras de pedra, que se erguiam do chão até o topo da caverna, que parecia formar milhares de estalactites rochosas. Abaixo daquilo, ocupando todo o salão, haviam milhares de objetos perdidos, que foram e ainda são importantes para alguém no mundo dos vivos, iluminados por uma imensa fogueira que surgia de um monte rochoso no centro do salão.
—Esse lugar é... —Fedra pareceu sem palavras, observando a pilha de tesouros. Milhares deles, todos perdidos naquele lugar. —Queria que Sebastian estivesse aqui pra ver isso.
A olhei, odiando o impacto que aquelas palavras causaram dentro de mim. Por um segundo, tudo que eu e Fedra fizemos foi encarar aquele lugar, pensando em quantos sonhos, maldições e desejos haviam sido sugados pra esse fim de mundo. Com a mão segurando a de Fedra, guiei nós dois pelo espaço de terra que se tornava uma escada, nos levando direto até os tesouros lá embaixo.
—Agora precisamos encontrá-lo. —Sussurrei, pisando nos tesouros assim que desci o último degrau, tomando cuidando para não escorregar naqueles objetos.
Fedra começou a olhar ao redor, soltando minha mão. Nos dois nos afastamos um pouco, observando as pilhas de tesouros, pegando alguns e os jogando de volta no chão quando percebíamos que não era o que estávamos procurando. O salão era imenso, então poderíamos demorar horas até que Fedra finamente sentisse que havia encontrado a relíquia certa.
—Quando vai me contar os motivos dela? —Indaguei, vendo Fedra hesitar por um segundo, jogando um cálice de volta para o chão, fazendo um barulho estranho ecoar pelas paredes. Quase desejei não ter feito aquela pergunta, porque sabia o quão ruim era ser pressionado a contar coisas pessoais quando preferia as manter guardadas.
—Você já ouviu falar sobre os amantes da morte? —Fedra me encarou por cima do ombro, provavelmente notando a careta presente no meu rosto. —Como uma deusa sentenciada a vida eterna, até que outro tome seu lugar, é quase impossível que ela tenha um relacionamento fixo. Então ela está sempre rodeada de amantes, que duram algumas décadas ou séculos.
—Por isso existem tantos demônios por aí. —Soltei, lembrando de Daren, vendo Fedra assentir com a cabeça.
—Normalmente é a morte que os recusa depois que se cansa deles. Imagino que para alguém com milênios de vida, ficar com alguém por mais de um século se torne entediante a partir de um momento. As vezes, tenho a certeza de que ela não pode amar. —Fedra prosseguiu, ainda observando os tesouros sobre seus pés, pegando alguns e ignorando outros. —Meu pai era seu amante. Por 60 anos ele se deitou com ela, até que conheceu a minha mãe e passou a recusar todas as investidas da morte. Imagino que pra alguém com senso de grandeza como ela, ser recusada por alguém por uma outra fêmea sem qualquer poder seja humilhante.
—O que aconteceu? —Indaguei, ignorando tudo ao redor para focar em Fedra, quando ela soltou um suspiro pesado, olhando ao redor como se não suportasse me encarar.
—Ela foi atrás dele e o obrigou a voltar pra ela. Meu pai só aceitou se ela prometesse jamais tocar na minha mãe. Ela aceitou e seguiu a promessa até que meu pai morreu. —Fedra olhou pra mim por cima do ombro, com um sorriso triste nos lábios. —Ela foi atrás da minha mãe assim que se apossou da alma do meu pai. Sabia sobre minha existência. Soube no momento que minha mãe ficou grávida. É difícil esconder alguma coisa de alguém quando todos os corvos ao redor são seus olhos e ouvidos. Pensei que ela iria nos matar, mas ela apenas me arrancou daquele lugar.
—Deu você de presente para Jonas, como sua amante. —Falei, tão baixo que quase não ouvi minha própria voz. —Ela pensou que você teria o mesmo destino do seu pai. Viveria assim até morrer. E sua mãe... sua mãe ficaria viva para ver isso acontecer. Então por que ela colocou você nesses jogos? Por que liberta-la?
—É liberdade estar sendo caçada por todos a sua volta? —Fedra ergueu uma das sobrancelhas, soltando uma risada amarga. —Ela não está me libertando, ela está brincando comigo.
—Ela não vai devolvê-la para Jonas depois que... —Parei de falar, me dando conta de que ela poderia mesmo fazer aquilo. Ela realmente faria. Não importa se eu libertar Fedra e permitir que ela volte a se tornar uma sereia. Nada disso irá importar se a morte não desejar.
—Não quero voltar pra casa, Harper. —Fedra sussurrou, com os olhos brilhando em lágrimas. —Quero apenas saber se minha mãe ainda está lá. Quero apenas que ela saiba que estou bem. Porque sei que assim que você vencer isso, serei levada pela morte de novo. Não existe outro futuro pra mim.
Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Bosque dos Sonhos Mortos
FantasyMergulhe no Mundo das Almas Fox Harper é apenas um dos tantos escravos humanos que vivem nos territórios de Adya, a deusa da morte. Tendo o corpo coberto de cicatrizes, vivendo entre raças poderosas e mortais, ele sabe muito bem que o inferno não é...