Capítulo 1 - Doutora Kornkamon

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POV Mon

Audiência N° 17065

Réu: Thahan Phasuk

Acusação: Assassinato

A audiência já se estendia por algumas horas, sendo ouvidas as testemunhas de defesa e acusação. A defesa já tinha exposto seus argumentos e agora era o momento que eu interpelaria o acusado. Olhei discretamente para o júri e nenhuma indicação de certeza em seus rostos, isso era bom. Após a autorização do Juiz, iniciei o interrogatório:

- Boa tarde senhor Thahan Phasuk, meu nome é doutora Kornkamon. Preciso lhe fazer algumas perguntas, mas não se preocupe, não iremos nos estender mais do que o necessário, sei que deve estar exausto - disse ao réu com uma expressão de compreensão por tudo que ele passava.

Para recapitularmos, consta nos autos que o senhor entrou na casa da vítima e proferiu 12 facadas o atingindo o tórax e abdômen, isso está correto?

- Sim senhora - disse o réu de cabeça baixa e esfregando as mãos em sinal de nervosismo.

- E pode nos explicar mais uma vez o que o motivou a fazer isso?

O réu visivelmente perturbado por ter que mais uma vez contar a mesma história falou:

- Bem, eu e o senhor Saetan nunca fomos amigos e tivemos algumas discussões, todos sabem. Ele era o síndico do prédio e às vezes não gostava do barulho do meu som, dos meus amigos, essas coisas.

- Sim, entendo, continue - disse ouvindo pacientemente e com atenção.

- Ele tinha fama de mexer com as meninas mais jovens do bairro e eu tenho uma filha de dezesseis anos... bem, um dia cheguei em casa e minha filha não estava. Achei somente um bilhete na mesa onde ela contou que o senhor Saetan tentou assediá-la e ela apavorada fugiu para a casa da tia.

- Entendo. Isso deve ter deixado o senhor muito bravo correto? - perguntei ao réu. 

- Ah, doutora, eu perdi completamente a cabeça! A minha menina! Como ele pode tentar... Sim, eu fiquei transtornado, peguei uma facão e fui até a casa dele. O resto todos já sabem - disse o homem ainda olhando para baixo.

- Vossa Excelência, peço licença para apresentar a prova N°2. O bilhete que o réu recebeu da filha. Gostaria que ele lesse em voz alta para o júri.

- Objeção! Qual o sentido de fazer o réu passar por tudo isso mais uma vez, sendo que ele já assumiu a sua culpa? - fala o advogado de defesa.

- Vossa Excelência, garanto que a leitura deste bilhete vai dar um rumo diferente à audiência - falei num tom incisivo, porém sem me exaltar.

 - Negado. Pode continuar doutora- diz o Juiz.

O réu segura o bilhete embalado em um plástico transparente e suas mãos tremem. Gotas de suor se formam em sua testa e depois de respirar fundo, se concentra e fala:

"Papai, o senhor Saetan veio aqui em casa com a desculpa de ver um vazamento de gás e entou me agarrar. Ameacei chamar a polícia e ele foi embora, mas eu não vou ficar mais aqui, estou com medo, vou para a casa da titia. Um beijo".

- Certo, certo. Que coisa triste isso. Agora Vossa Excelência, gostaria que outra pessoa lesse esse mesmo bilhete em voz alta.

- Objeção! - grita a defesa.

- Doutora Kornkamon, onde quer chegar com isso, outra leitura do mesmo bilhete? - pergunta o Juiz.

- Vossa Excelência, quero chegar a verdade dos fatos, por favor. Vossa Excelência pode ler primeiro e depois eu mesma leio em voz alta.

- Negado - O juiz responde à objeção da defesa e pega o bilhete dizendo a Mon: Espero que a doutora não faça eu me arrepender.

O juiz lê todo o bilhete duas vezes, dá um longo suspiro e me entrega o mesmo autorizando a leitura em voz alta. Me direcionei para o corpo de jurados e disse:

- Quando pegamos um caso desse porte, com tantas facadas mesmo a vítima já estando morta, fatalmente existe ódio neste ato. Nossa obrigação é esmiuçar todos os detalhes e descobrir o máximo de provas para acusar ou inocentar o réu.

Neste caso, o réu foi pego com a arma do crime nas mãos e digitais pela casa da vítima, fora as testemunhas da relação conturbada entre os dois a tempos. Mas averiguando os depoimentos, observei que a assinatura do réu parecia uma assinatura de uma criança de 5 anos. Imprecisa, irregular e com força demais aplicada na hora de escrever, resumindo, ele aprendeu a assinar seu nome e creio que só sabe escrever isso mesmo.

Consultei um grafólogo para constatar que a letra desse bilhete foi escrita por um homem adulto, seguro e não por uma adolescente com medo em meio a fuga de casa. Como parte da minha investigação, observei várias vezes que em nenhum momento o réu segurou algum dos papéis que assinou, somente na hora de colocar seu nome no local marcado com um "x".

A filha do réu não estava na casa dele há pelo menos 2 meses... Como explica isso senhor Thahan Phasuk? Sua pena seria consideravelmente reduzida se fosse provado que o motivo do assassinato foi um pai desesperado tentanto defender a sua inocente filha, mas senhor Thahan, sabemos que isso foi uma grande farsa!

O senhor decorou habilmente as frases do bilhete supostamente escrito por sua filha, repetiu as mesmas palavras em todos os depoimentos, mas... esse bilhete de hoje não era o mesmo que o senhor decorou. Pedi que o grafólogo escrevesse com uma letra parecida, espaçamentos iguais, números de linhas também iguais. O senhor nem sequer desconfiou que o que estava escrito era algo bem diferente. Curiosos? Eu vou ler o que este bilhete aqui que o réu afirmou ser de sua filha diz:

"Papai, o senhor precisa jogar o lixo fora, lavar suas roupas, chegar em casa mais cedo e não ouvir o som tão alto pois eu não consigo estudar direito. Já tivemos essa conversa, mas não adianta. Eu vou para casa da titia para ter paz. Um beijo."

Observe que a primeira e a última palavra são as mesmas, isso para sua mente treinada não desconfiar. Portanto diante dos fatos, preciso perguntar: o senhor sabe ler senhor Thahan?

Após alguns segundos de silêncio o réu finalmente levanta a cabeça agora sem os falsos sinais de nervosismo e com olhar debochado diz:

- Não! Eu não sei ler! Matei aquele verme porque ele me irritava e eu acordei de mau humor. Satisfeita sua vadia?

- Sem mais perguntas Vossa Excelência.

A defesa do réu incrédula, permaneceu imóvel enquanto eu calmamente caminhava à minha mesa para aguardar o veredicto. Mais um dia de sucesso, doutora Kornkamon.

O vôo das borboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora