Carolina. - Rio de Janeiro, 17 de março de 2021, São Gonçalo. Dois anos antes.
A risada gostosa do meu filho era o meu sustento pra esse momento. A festa que eu e Dan preparamos onde ele estaria completando dois anos estava agitada, ele brincava com os convidados e eu o observava de longe tomando um gole do suco no copo descartável.
Dan e eu estamos casados há três anos e desde que me juntei a ele, minha vida virou um inferno. Dan era um bom pai, dava o melhor dele pra ver o filho bem, cuidava bem de Natan. Mas como marido ele falhava em cem por cento das vezes. Diversas vezes fui agredida de todas as formas imagináveis, diversas vezes fui traída, diversas vezes fui calada e não posso fazer muita coisa pra reverter minha situação, tem uma criança no meio desse fogo cruzado.
Além de Dan fazer parte indiretamente de uma organização criminosa. Coisa que eu descobri recentemente e ele nem imagina que eu sei. Ele faz parte do PCC, ganha dinheiro pra dar informações de mercadorias que chegam no aeroporto onde ele trabalha.
Natan é o único motivo pra eu ainda aguentar viver isso. Eu não tenho ninguém além dele. Meus pais viraram as costas pra mim quando resolvi casar, eles nunca concordaram com meu relacionamento, e eu deveria ter ouvido eles na primeira oportunidade que tive de abandonar Dan.
Amigos eu nunca fiz questão de ter, todos os que estão na festa são conhecidos de Dan. As únicas pessoas aqui que eu ainda era próxima eram a irmã e a mãe dele que de algumas formas eu percebo que elas tentam me tirar dessa situação, me chamam pra passar uns dias com Natan na casa delas pra me tirarem de casa e não ter o perigo de ele me agredir. Dona Hélia sabe o filho que tem.
- Tá olhando pro João porque? - Dan me assustou falando perto de mim e eu sobressaltei.
João era um colega de trabalho dele que veio á festa. Ele era tão doente comigo que via coisas onde claramente não existia.
- Não tô olhando pra ninguém, tô pensando. - ele me olhou desconfiado e eu respirei fundo. - Hoje é o dia dele. Vamos manter a paz, pelo Natan. - eu falei e ele saiu de perto sem falar nada.
O fotógrafo chamou pra tirarmos fotos e eu fui pra perto da mesa do bolo. Estava tudo decorado, tudo da melhor qualidade. Me posicionei com Natan no colo e beijei seu rosto fazendo ele rir. Olhei pra câmera e sorri também tentando não transparecer o quão desconfortável eu tava com o olhar de Dan pra mim há alguns metros de onde eu tava, logo ele se aproximou e pegou meu filho do meu colo fazendo pose pra tirar foto como se fossemos uma família unida de comercial de margarina.
A organizadora do evento anunciou que iríamos cantar os parabéns e todos os convidados se aproximaram e começaram a cantar enquanto a vela do bolo soltava faíscas. Sorri com meu filho batendo palmas no colo do pai feliz da vida e ele levantou as mãos quando finalizaram a música.
Mesmo diante do barulho dos gritos eu pude ver um homem encapuzado entrar no salão de festas e tudo a minha volta começou a ficar em câmera lenta, um arrepio passou pela minha espinha quando eu vi o objeto prateado na mão dele. Uma arma.
Sem esperar nada eu peguei Natan rapidamente do colo de Dan e ele me olhou sem entender. Mas eu entendia exatamente o que iria acontecer, e eu não impediria até porque eu não poderia fazer muita coisa, ele escolheu esse caminho e por mais que seja egoísta da minha parte ter deixado que o homem fizesse isso no aniversário do meu filho, eu preferia viver uma vida livre de Dan do que viver mais dias com ele e correr o risco de que as suas escolhas erradas respinguem no meu filho.
O homem rodou os olhos pelo ambiente procurando alguém específico e quando encontrou o que queria foi muito rápido, estavam todos alheios e por isso foi mais fácil. Ele mirou a arma na nossa direção e eu me afastei discretamente protegendo Natan pra que ele não visse ou acabasse sendo atingido.
Uma rajada de tiros começou na direção da mesa do bolo e eu me agachei protegendo a cabeça do meu filho e ele começou a chorar com a gritaria e a correria dos convidados da festa. Ouvi o baque do corpo de Dan caindo no chão já sem vida e me mantive ali agachada tentando manter o controle da situação e mantendo a visão de Natan longe do pai dele caído ao meu lado.
Fiquei assim por longos minutos e tentei fazer com que meu bebê se acalmasse. Logo ele parou de chorar mas ainda estava resmungando, o local ficou em silêncio e estava tudo vazio. Dona Helia procurava por mim do lado de fora e eu conseguia vê-la daqui. Ela estava atordoada juntamente com a irmã de Dan.
- Carolina! - ela me gritou chorosa, me procurando e eu me levantei com os olhos marejados imaginando como ela reagiria com a morte do filho.
- Dona Hélia! - respondi e ela me encontrou vindo na minha direção e parando quando viu os pés de Dan no chão.
Ela me olhou e eu respirei fundo tentando controlar o choro, não pelo filho dela, mas pela mesma.
- Não! - ela negou e meus olhos encheram de lágrimas. - Não, não, não. - ela gritava e eu podia imaginar a dor dela. Eu não aguentaria perder meu filho dessa forma.
Eu ainda estava com ele no meu colo o escondendo para que não visse o pai no chão ensanguentado e morto. Dona Helia passou por mim e se ajoelhou ao lado do corpo de Dan, gritando mais e mais. Carla, sua filha, a apoiou e derramou lágrimas pelo irmão.
Eu aproveitei que as duas estavam ali e eu fugi. Eu fui pra longe daquele lugar, levei meu filho pra casa que não era muito longe, arrumei uma bolsa, peguei uma quantia de dinheiro pra sobreviver pelo menos dois meses. O cartão de crédito de Dan também e todos os nossos documentos.
Eu estava livre finalmente e poderia criar o meu filho longe dessa bagunça.
Pedi um motorista por aplicativo que me levasse pra um hotel pra que eu ficasse até conseguir um lugar pra morar. Amanhã mesmo eu iria ver uma nova casa. O dinheiro que eu tenho na conta vai dar pra o primeiro aluguel e eu vou precisar de um emprego pra manter uma criança de dois anos que não era barato.
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RENASCER [CONCLUÍDA)
Roman d'amourCarolina conhece muita coisa sobre relacionamento, principalmente tendo passado pelas mãos doentias do ex abusivo, ela só conhece o lado negativo de se relacionar. Natan, seu filho, foi a única coisa boa que lhe aconteceu nesse período conturbado da...