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A primeira coisa que Ully aprendeu sendo uma fada, foi que todo e qualquer tipo de sentimento, seria sempre parte predominante em relação à sua magia: quanto mais forte o sentimento, maior o poder. E era essa a válvula de escape qual ela vinha usando nos últimos dias, como forma de amenizar a culpa por seus comportamentos estranhos. E era nisso que ela pensava enquanto caminhava para dentro da floresta escura, seguindo sua intuição que - mesmo sem entender o porquê - sabia exatamente aonde levá-la. Afinal, o que mais poderia estar guiando ela em passos tão firmes, se não o sentimento de raiva que agora já era algo tão comum?

Ully sabia que era uma receptora. E, apesar da recente descoberta, de ainda não saber exatamente como lidar com a nova situação e quais seriam as próximas consequências que aquilo iria acarretar, a fada da mente tinha certeza de que Rosalind estava ciente disso a muito mais tempo do que poderia imaginar. Era algo extremamente assustador pensar que não andava sendo a única "moradora" em sua própria mente, mas depois da ajuda de Beatrix com suas pesquisas pessoais, fazia sentindo Rosalid querer Lily. Até onde iriam seus poderes? Até que ponto ela conseguiria herdar certas magias mentais e até quando isso continuaria crescendo?

Também era assustador para Ully pensar se conseguiria suportar tanto poder, sem simplesmente sucumbir ou enlouquecer.

- Está doendo! - uma voz familiar soou ao longe, angustiada. Ully se colocou ainda mais em alerta, ao identificar de qual direção Bloom gritava.

Não demorou até a fada da mente avistar o corpo da ruiva encolhido com as mão na cabeça, tentando inutilmente aliviar a dor que Rosalind lhe causava, em pé logo à sua frente. Mais uma vez o instinto predominou Ully, quando com um único movimento com o braço direito e o olhar furioso, afastou a diretora da fada do fogo. Rosalind agora era quem tinha as mãos sobre sua cabeça, resmungando ao sentir a pontada forte rasgar por seu cérebro.

- Ah, desculpe, senhora diretora - soltou sarcástica ao se aproximar, parando ao lado do corpo da amiga, que recuperava o fôlego. - Atrapalho alguma coisa?

Rosalind sorriu em meio a dor, tão bizarramente que Ully engoliu em seco. No fundo, a diretora deixava sim a garota intimidada. Entretanto, era fácil para ela agora assumir o papel de fada confiante - porque no final do dia, e apesar de tudo, ela era.

- Você chegou rápido, querida - sua voz parecia realmente satisfeita. - Estava prestes a dizer para Bloom detalhadamente, como eu matei Farah e... - com um corte seco, Rosalind gargalhou ao sentir mais uma vez a dor bater como um martelo e ver o semblante cético de Ully ao fazê-la sofrer.

De repente, era como se a luz do mundo tivesse sido apagada. Ully deu um passo para trás ao se desconcentrar do que fazia pelo o susto repentino. Tateando com as mãos, sentiu Bloom, que segurou forte em seu braço.

- Era para fazermos isso juntas - recuperando aos poucos a visão embaçada, a fada da mente se deparou com a mulher mais velha parada apenas alguns centímetros de seu rosto. - Todas nós. - O plano era poderoso, Ully... nós três, juntas. Não vê? Teríamos tudo. Um exemplo para o outro mundo.

- Você é maluca assim mesmo ou só é a idade que já está batendo na porta? - Ully sorriu, tentando esconder a tensão em sua voz. - Nós não somos iguais à você.

- Nunca seremos - completou Bloom, se ajeitando ao lado da acastanhada, que permanecia com o contato visual estranho com Rosalind.

- Tem razão - sussurrou a mulher. - Então o plano B será um pouco diferente - e, sem tempo para raciocínios, Rosalind gesticulou para frente, jogando Ully longe sem ao menos toca-lá. A fada sentiu suas costas se chocarem com um tronco de árvore, a medida que sua respiração parecia parar.

Com o corpo sobre o chão cheio de folhas secas, Ully tentava controlar o ar que saia por sua boca, encarando ao longe a névoa estranha que subia ao redor da diretora, que tinha mais uma vez Bloom de joelhos à sua frente. A mão da mais velha segurava o queixo da ruiva, ao mesmo tempo que seu olhar e sorriso frio mirava a fada da mente deitada aos pés da enorme árvore.

A noite pareceu mais fria.

- Se ela estiver em suspensão, ainda posso canalizar a Chama do Dragão - explicou, lentamente erguendo Bloom do chão com apenas o dedo indicador sob seu queixo. Ully arregalou os olhos ao ver que a tal névoa estava congelando o rosto e o corpo da ruiva. - Tudo que eu queria que fizéssemos juntas, eu posso fazer sozinha. Porque a verdade que incomoda, é que se você realmente quiser mudar o mundo pra melhor, tem que ser capaz de qualquer coisa.

- No fundo, você sabe que somos tudo o que você nunca foi e nunca vai ser - Ully murmurou, recuperando o ar aos pulmões, com uma das mãos dando apoio no tronco, para que se colocasse de pé. - Por isso é mais fácil dizer que somos fracas por não estarmos ao seu lado, quando na verdade o que sente é medo - em passos curtos, a acastanhada voltou a se aproximar. Foi sua vez de jogar o corpo de Rosalind contra um tronco qualquer. - E é isso que nos trouxe aqui, não é? Nos quer ao seu lado ou então, nos mata. Porque se estivermos contra você... é você quem morre.

- Você nunca vai conseguir lidar com quanta magia ainda vai aflorar em suas veias, Ully - ofegou a mais velha, sentindo a dor de cabeça se mover por todo o corpo. - Se eu não matá-la agora, você mesma fará isso por mim. É por isso que precisa estar ao meu lado.

- Não preciso de ninguém - assegurou, os pés parados ao lado de Bloom petrificada.

Rosalind franziu o cenho ao notar que Ully não sentia dor alguma.

Como ela poderia não sentir sua magia contra-atacando?

- Não admitir que precisa de ajuda é fraqueza - retrucou a diretora, ainda no chão. - Você é fraca. Sempre foi. Foi por isso que foi tão fácil entrar na sua cabeça e te fazer se transformar na pior versão de si... foi fácil demais te prejudicar e vê-la prejudicando todos aqueles que ama - um grito cortou o ar quando Ully deu um passo a frente.

Rosalind focou nos olhos arroxeados da garota e pôde enxergar neles todo o ódio transformado em poder. Era tudo o que a diretora queria. Era tudo o que queria poder ver e ser. - Se te faz sentir melhor, a Farah também era fraca. E foi fraca até o fim.

Ully não se mexeu ao sentir o clima literalmente esquentar. Bloom emanou sua magia, mandando toda a névoa embora e colocando-se de pé ao lado da amiga.

- Eu te vejo no inferno - disse a fada da mente ao olhar uma última vez em direção à Rosalind.

Bloom colocou Ully as suas costas com um gesto cuidadoso. Uma enorme bola de fogo se formou no ar e a diretora analisou cada detalhe. A admiração era estranha, porque Bloom também era parte de tudo o que a mulher estava buscando ter e ser, com todo seu plano maluco. Porém, o medo se tornou muito maior ao ver o quanto aquilo havia se tornado real.

Estava cara a cara com a morte e dessa vez, não escaparia.

- Tem razão, diretora - Bloom sibilou, irritada. - Se quisermos mudar o mundo para melhor, temos que ser capaz de qualquer coisa.

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𝐢. 𝐀𝐅𝐓𝐄𝐑 𝐓𝐇𝐄 𝐒𝐓𝐎𝐑𝐌. ! ༉ 𝗳𝘁𝘄𝘀Onde histórias criam vida. Descubra agora