Capítulo 86

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— Ah, Lisa! Há quanto tempo que não nos vemos! O que houve? Por que desististe do curso? Foi por conta do bebê, não é?! Uma pena! Parecias tão empenhada.... estou contente em te ver. Fazes-me muita falta.

Disse-me ela, de mãos dadas com o rapaz, ostentando cinicamente um sorriso no rosto.

— Faço-te falta, Alicia?! Terias, certamente, passado direto sem dizer-me nada se eu não a tivesse segurado.

— Eu não te vi. Juro!

— Esta é uma desculpa conhecida.

— Não é nenhuma desculpa, Lisa. Que injustiça me fazes! Logo eu, que fiz tanto por ti... e se não tivesses sumido, faria-te muito mais.

Alícia, com o rosto triste, olhou para o rapaz de ombros estreitos, qual tinha um jeito perspicaz, e levou a mão ao olho, com um gesto de quem enxugava uma lágrima que, naturalmente, a tinha inventado.

— Pare! Eu já soube de tudo. Nunca foste minha amiga!

Espantada, seus olhos se abriram.

— Como não?! Do que falas, Lisa?

— Falo do dinheiro que recebias para dizeres sobre a minha vida, e de todas as benevolências que me fizeste. Acreditei e confiei em ti; pensei, realmente, que fosses uma amiga, mas não passas de uma impostora.

Disse-lhe eu, dando completa vazão à minha raiva.

O rapaz soltou a mão de Alícia e deu um passo para o lado, afastando-se dela.

Nos olhos dissimulados de Alícia surgiu uma sombra de fúria.

— Pois, se tens raiva de mim, Lisa, que tenhas mais por Sam, afinal, a idéia foi toda dele... do teu namoradinho escondido.

— Sam?! De quem estás falando?

Alícia riu, mas logo tornou-se séria.

— Não te faças de tonta, Lisa! Sabes muito bem quem é Sam, o pai do teu filho; e se queres saber a verdade, para mim, foi um grande alívio quando não precisei mostrar-lhe mais o meu interesse por ti; não sabes o quanto me era humilhante fingir ser amiga de alguém como você.

Disse-me malignamente.

— Tu não tens coração, Alícia. Pensas que em mim a tua maldade ficará satisfeita? Eu não posso sentir nada além de pena de uma alma encardida como a tua.

O rapaz, em silêncio, mas atento à nossa conversa, movia a cabeça em negativa, enquanto Alícia olhava-me como se quisesse deixar-me claro que eu havia lhe prejudicado.

De súbito, o rapaz saiu dando passos apressados, e Alícia correu atrás dele, tentando, inutilmente, segurá-lo pela camisa.

— Espere! Charles! Não é bem isso que ouvistes, deixe-me explicar!

Fiquei olhando Alícia ainda correndo atrás dele entre os estudantes, até desaparecerem no pátio.

********

O encontro com D.Rose decorreu de acordo com o que pensei: recebeu-me com muita alegria, mas logo a tristeza foi evidente em seu rosto quando anunciei que, por razões maiores, não poderia aceitar aquele emprego. Em seguida, houve uma agradável conversa em que ela me narrou maravilhas sobre a sua vida, com palavras que me deixaram verdadeiramente feliz. Ficou novamente triste na despedida, mas prometi-lhe que voltaria na primeira oportunidade.

Durante o regresso da capital, pensava em Alícia e nas coisas que ela me dissera. Que alma horrível era a dela; e, se eu soubesse que a encontraria, eu não desejaria ter ido até lá. Perguntava a mim mesma o que será que ela quis me dizer com tudo aquilo. Fosse como fosse, eu estava inclinada a descobrir.

Saltando de um desastre para outro, veio-me, então, no pensamento, Dominic, e mergulhei na torrente de sentimentos indesejados que ele provocava em mim. Nunca havia experimentado nada parecido, e recusava-me acreditar que principiava a gostar dele.

— Impossível!

"Mas este impossível começava a migrar para a região das probabilidades."

Assim que desci do ônibus, senti uma brisa gelada bater no meu rosto. Rápido o céu ficou coberto por nuvens escuras e uma garoa fina começou a pairar nas folhas das árvores. Em pouco tempo a fina garoa transformou-se em chuva grossa. Fui correndo para a casa.

— Que temporal!

Exclamei assim que entrei em casa, fechando a porta logo atrás de mim. Pela janela da frente da casa, D. Charlote, com Benjamim nos braços, parecia abismada olhando o céu.

— Foi tão repentina esta mudança de tempo.

Disse ela, ainda com os olhos no céu.

Dirigi-me para eles:

— Como se comportou o meu filhinho?

Perguntei com um sorriso; e D. Charlote respondeu-me que Benjamim era um bebê muito calminho e que em tudo ele a fazia se lembrar de Dominic ainda pequeno.

— Por falar nele... Dominic chegou? Tenho uns assuntos importantes para tratar com ele.

— Falei-lhe ainda agora. Telefonou perguntando-me se tu já tinhas chegado. Dominic estava preocupado contigo devido ao tempo. Disse-me que já estava perto e que, antes que a noite viesse, ele cá já estaria.

A noite veio e ele não chegara. O vento lá fora soprava furioso ao redor da casa, e a chuva torrencial batia cada vez mais violenta no telhado. Ardendo de impaciência, apoiei o meu rosto no vidro frio da janela; eu olhava as árvores agitando-se e debatendo os galhos umas nas outras. Via os relâmpagos cada vez mais fortes, e os trovões dominavam o céu. Uma noite pavorosa, muito tempestuosa.

Voltei-me para D. Charlote que, naquele momento, muito pálida, ao meu lado, segurava o aparelho telefônico em uma das mãos.

— Isto não vai bem... a senhora tem certeza de que Dominic disse que estava perto? Já está quase na hora de se ir dormir e ele não chega.

— Sim, foi a última coisa que ele me disse; não consegui falar-lhe mais. Naturalmente, não há sinal em seu telefone.

— Pensas que pode ter ocorrido alguma coisa má com Dominic na estrada?

Perguntei-lhe eu com a voz me faltando e sentindo o meu corpo contrair-se com um estranho aperto no peito.

Impossível Para MimOnde histórias criam vida. Descubra agora