Capítulo 32

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Após tanta canseira, enfim, cheguei ao meu destino. Mamãe me esperava na rodoviária. Fiquei tão feliz em vê-la que o receio desapareceu. Abraçamos uma a outra com alvoroço.

— Meu pai, onde está que não veio me receber?

— No armazém. Pensou em vir, mas eu disse que passaríamos por lá.

*******

Papai tinha os olhos úmidos.

— Que alegria, minha filha, que alegria! Me dê cá um abraço!

O abracei tão apertado... que feliz eu estava em tê-lo nos meus braços; e pensar que há tão pouco tempo... oh, já não queria mais pensar nessa dor. Tudo valeu. Sim, tudo, tudo.

Convenhamos que papai nunca compreenderia o que eu fiz... o conhecendo bem, ele preferiria a morte.

Pois bem, na manhã do dia seguinte, a senhora Harriet esteve lá em casa junto com mais duas vizinhas que eram próximas à família. Foram manhã e tarde muito agradáveis de prosas e risos. Um dia excelente.

O tempo passou depressa e já se faziam oito dias em que eu estava lá. O primeiro golpe do destino que sofri, e que provavelmente trouxe a desconfiança, foi quando estávamos meu pai, mamãe e eu almoçando: o aroma da batata com salsa revirou-me o estômago e, sem pedir licença da mesa, fui depressa até o banheiro para vomitar.

— Oh, não me caiu bem no estômago essa batata com salsa. Desde que saí da capital, ando estranhando a comida.

Foi a desculpa que encontrei.

Depois, uma vertigem repentina me tomou, e tive de ser amparada por mamãe.

— Ando estranhando a mudança de temperatura.

Outra invenção minha.

Por último, eu, que era conhecida por ser muito disposta, sentia frequentemente os olhos pesados; um sono de ficar onde me apoiava.

Era alvorada, o galo já cantava; eu arrumava a colcha em meu quarto, esticando-a em cima de minha cama. Mamãe entrou misteriosa, encostando a porta (não a fechou, pois se a tivesse fechado, poderia o relato estar sendo outro); logo foi ter comigo a passos curtos, lentos, as pálpebras quase de toda caídas, com ar de suspeitas, me enchendo de espanto, tornando-se muito séria.

— Elisa, andas a ter tantas tonturas... pensas que não vejo a cara de nojo que por vezes fazes quando sentes a qualquer cheiro?! E este sono constante e incomum para uma moça da tua idade?! Oh, e este busto que salta de tão cheio... estas ancas mais largas... oh... que dizes disto?

Mamãe levou a mão ao rosto, dando-me as costas, enquanto meus olhos arregalaram-se e as palavras não me vinham à boca. Quis falar e não pude.

O silêncio perdurou por minutos que mais pareceram horas. Eu estava em choque, sentia o sangue me fugir.

— Não mintas para mim! Tu estiveste com um homem?

Virou-se e aprofundou o olhar em mim, arrancando a confirmação com as lágrimas que me escaparam. Ficou tão transtornada que levantou o rosto ao céu, depois ao chão, depois em mim. Eu caí aos seus pés.

— Mamãe, perdão! Perdão!

Ela continuou de pé enquanto eu muito lhe apertava as mãos.

— Vê-se que fiz mal, muito mal. Não deveria nunca tê-la deixado partir. Pelos céus... estás grávida, grávida...

— Quem está grávida?

A última voz que eu queria ouvir fez a pergunta que não teve resposta. Papai estava à porta do quarto e seu rosto curioso durou pouco, indo rapidamente à palidez. Fechei meus olhos para não encarar o terror que saía dos seus. Eu estava aos pés de mamãe implorando-lhe o perdão. Não foi difícil para meu pai ter, em cena, a sua conclusão. As palavras duras vieram em segundos:

— Desgraçaste a minha casa! Ofendeste o meu orgulho. Saia, Elisa, não és mais bem-vinda aqui!

E saiu batendo a porta.

O olhar de minha mãe era cheio de desgosto, tinha os olhos rasos de lágrimas e, apesar de amiga, prevalecia algo maior: era devota de papai e o que ele dizia era lei. Sendo assim, não atentou às minhas súplicas.

— É melhor que se vá.

Ela me disse.

Eu fui, e, comigo, toda minha dor.

Aconteceu que as coisas marchavam para um único ponto: eu estava sozinha em um mundo que não conhecia, com a dignidade ferida, e, no ventre, um filho recusado por todos, menos por mim, é claro. O bebê era a única alegria que eu possuía; todavia, não pude ver-me mais infeliz.

Impossível Para MimOnde histórias criam vida. Descubra agora