Capítulo 83

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— Elisa, sou eu, Dominic.

— Ah, Dominic... o que queres?

Elisa falava roucamente, dando-me bem a ver que eu havia lhe acordado.

— Desculpe-me, eu não desejava acordá-la; é só que... tive negócios a resolver; não retornarei hoje.

Mesmo com o silêncio do outro lado, continuei:

— Sinto a sua falta. Eu só queria que soubesses disso.

— Dominic, eu... eu preciso dormir.

Quando Elisa desligou, um suspiro voluntário escapou dos meus pulmões.

Naquela noite, mesmo cansado, eu não conseguia dormir; andei pelo quarto e por toda a casa pensando nela.

Foi com pressa que, no dia seguinte, junto com D. Charlote, às oito horas da manhã, eu entrava pela porta principal da casa de campo.

— Tente se familiarizar com a casa; preciso que tornes as coisas o mais convincente possível e tenhas muita cautela ao falar com Elisa.

Murmurei muito calculadamente para D. Charlote, ao mesmo tempo em que o meu olhar à procura de Elisa passava em um vôo rápido por todo ambiente.

Enquanto eu caminhava com uma ansiedade febril, percebi que a porta do escritório estava aberta, e, detendo-me no limiar, com uma atenção silenciosa, pude observar Elisa.

Cobrindo toda a parede lateral esquerda, havia estantes de madeira com livros organizados por estilo e em ordem alfabética, a maioria deles sobre finanças, negócios e motores de carro.

Elisa estava de costas para o carrinho do bebê; ora tocava nos livros com as pontas dos dedos, ora andava para lá e para cá; e, depois, ficou num incessante levantar e agachar.

Achando uma delícia todos aqueles movimentos, prolonguei ao máximo não tornar a minha presença percebida.

Entretanto, quando Elisa repentinamente se virou, levou a mão ao peito em um susto tremendo quando me viu.

— Oh! Pelos céus, Dominic! O que estás tentando fazer?! Queres me matar?!

— Isso nunca! Tua vida me é preciosa.

Elisa olhou para o chão e depois veio na minha direção.

— Não penses, Dominic, que eu estava mexendo nas tuas coisas.

— Não?!

— Não!

— Bem, eu não havia pensado nisto, mas agora que falaste, estou pensando que estavas bisbilhotando as minhas coisas.

— Eu apenas procurava por um tipo de livro... já li todos os que eu tenho.

Achei aquilo interessante; e, assim, muito perto dela, fui capaz de sentir o cheiro agravável do seu cabelo; percebi que seus ombros delicados estavam nus; vi que sua boca provocante e vermelha se mexia pausadamente em alguma explicação a qual eu não entendia direito, compreendia somente que aquilo lhe era importante. Só quando Elisa se afastou para buscar Benjamim no carrinho é que, um pouco mais calmo, pude ouvi-la melhor.

— Entendi perfeitamente.

Disse-lhe eu. Depois, com incerteza na voz, indaguei-a:

— Gostas de ler romances, então?

— Sim, foi o que eu disse, mas não é só deste gênero de ficção que gosto. No entanto, aqui só encontrei os de não ficção.

Respondeu-me ela apontando para os livros nas estantes.

— Dize-me os nomes dos livros que queres; eu te trarei todos eles.

— Obrigada, mas não é preciso.

Dizendo isto, Elisa começou a caminhar; e ávido me precipitei parando-a com o meu corpo; quis beijá-la e abraçá-la, mas recuei.

Elisa, estremecida, mirou-me nos olhos e pediu:

— Deixe-me passar, Dominic.

Inclinei-me para beijar a testa do meu filho e falei:

— D. Charlote, quem eu disse estar de férias, já retornou e está aqui.

— Aqui?! Onde ela está? Eu gostaria de conhecê-la.

Disse ela entusiasmada, empurrando-me para o lado, adiantando os seus passos e desaparecendo na minha frente.

Eu a segui e, logo ao chegar na sala, ouvi a voz de D. Charlote dizendo:

— Como vais, Elisa?

E olhando para Benjamim com ternura, continuou:

— Dominic, parece que te vejo outra vez...

Elisa olhou para mim e, depois, voltando-se para D charlote, perguntou:

— Faz muito que o conheces?

— Sim, Dominic ainda engatinhava quando fui incumbida de sua educação.

— Ah, então foi a senhora quem o criou?

D. Charlote anuiu com a cabeça e disse:

— Sim, sim! Elisa, tua companhia é muito agradável, mas os deveres do meu cargo estão a me chamar.

— Oh, não! A senhora chegou hoje...

Dito isto, Elisa, conduzindo D. Charlote até o sofá, fê-la sentar-se e sentou-se também.

Falaram sobre o bebê, sobre o tempo, de Lester, de receitas de bolo...

Sem ter eu nada a acrescentar a tais assuntos, passei aquele sábado observando a curiosa personalidade de Elisa que, ao que me parecia, era doce com todo mundo, menos comigo.

No quarto, quando nos preparávamos para dormir, perguntei à Elisa:

— D. Charlote... que te pareces?

— Gostei muito dela; ótima pessoa; nunca manda, sempre pede, e pede com educação; dá prazer de conversar; quase nem acredito que fez tão mal trabalho em educar uma criatura como você.

— Tens razão minha querida Elisa, é um lamento imenso que tenhas esperado de mim uma criação exemplar, e que esta falta prive-me hoje do prazer da tua companhia. Para assim desculpar-me, peço-te que concedas-me uma licença para beijar-te a mão. Então... falei caprichado? Às vezes capricho.

" Aquela foi a primeira vez que vi Elisa sorrir, olhando-me com certa simpatia."

Três dias depois, ao chegar na casa de campo, no fim do dia, Elisa me recebeu logo de longe com um sorriso. Estava tão animada que, até mesmo quando me olhou, não fez aquela cara desdenhosa que sempre fazia.

"Esse fato, naturalmente, me encheu de alegria."

Sem que eu a questionasse, Elisa me disse o motivo de tanta felicidade:

— D.Rose me telefonou hoje; conseguiu-me um emprego... um emprego que caiu do céu; estou tão contente... disse-me ela que é bem pertinho da universidade, quase em frente.

"Não foi o emprego que caiu do céu, mas, sim, eu."

Tal notícia apagou rapidamente o sorriso que me havia começado.

Impossível Para MimOnde histórias criam vida. Descubra agora