Vida na estrada

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A vida na estrada era intensa. Show atrás de show, cidade atrás de cidade. Todo o ano de 1973 parecia uma linha borrada de palcos, viagens e noites mal dormidas em hotéis baratos. Não era uma vida fácil, mas cada vez que pisávamos em um palco, a energia da plateia nos fazia esquecer do cansaço, da saudade de casa. A música era a única coisa que nos mantinha firmes. Mas mesmo assim, eu sentia o peso da incerteza pairando sobre nós. Continuávamos a tocar, e apesar da pequena fama que estávamos ganhando nos clubes noturnos, ainda não tínhamos conseguido o que realmente queríamos: uma gravadora.

Felix... bom, ele estava melhorando. A cada show, seu coreano soava mais limpo, mais natural. O sotaque australiano dele ainda era forte, inconfundível. A forma como ele pronunciava certas palavras dava um toque único às músicas, algo que parecia incomum, mas também cativante. Havia algo no timbre de sua voz, na forma como as palavras saíam da boca dele, que prendia a atenção de todos. Era quase um charme, algo que ele transformou em uma característica marcante do nosso som. E mesmo que Felix ainda tivesse algumas inseguranças, era claro que ele já estava começando a encontrar seu lugar no palco.

Nós seis — eu, Felix, Jisung, Minho, Seungmin e Jeongin — éramos o coração da banda quando estávamos sob os holofotes. Mandávamos ver em cada música, tentando dar o melhor de nós, como se cada show fosse uma chance de provar ao mundo que merecíamos mais. Chan e Changbin, nossos pilares, assistiam sempre da lateral do palco, orgulhosos das criações que nos davam vida. Eles sabiam que a mágica estava nas composições e nas produções deles, mas nós, que subíamos no palco, éramos os rostos e as vozes que carregavam essas músicas para a multidão.

Depois de um show em Daegu, estávamos todos exaustos. Desci do palco suado, a camisa colada nas costas, enquanto Jisung ainda mexia nas baquetas como se estivesse pronto para tocar mais uma música. Eu soltei uma risada ao ver a energia dele, sempre transbordante. Naquela época, nossas desavenças haviam ficado de lado.

— Você nunca cansa, não? — perguntei, pegando uma toalha e secando o rosto.

Jisung deu uma risada.

— Eu sou um monstro na bateria, lembra? — Ele piscou pra mim. — Monstros não se cansam.

Balancei a cabeça, sorrindo, e fui para o camarim, onde os outros já estavam começando a relaxar. Felix estava com uma garrafa de água, o rosto ainda corado pelo esforço. Chan e Changbin entraram logo depois, parecendo satisfeitos com o que viram do lado de fora do palco.

— Vocês mandaram muito bem hoje — disse Chan, com um sorriso cansado, mas satisfeito. — Sério, galera. Cada vez melhor.

Changbin concordou com a cabeça, cruzando os braços.

— A plateia amou, eu pude sentir. — Ele olhou especialmente para Felix. — Sua pronúncia tá quase perfeita, cara. Não se preocupe com o sotaque, ele dá um toque especial.

Felix sorriu timidamente, mexendo nos cabelos que agora estavam soltos, caindo sobre os ombros.

— Valeu, Chan, Changbin. — Ele bebeu um gole d’água antes de continuar. — Acho que estou começando a me acostumar com tudo isso... o coreano, o palco, o público. Tá sendo uma jornada e tanto.

Observei Felix enquanto ele falava. Era engraçado pensar em como ele parecia diferente agora comparado a quando o conheci em 1972. Antes, ele mal falava com os outros, apenas se comunicava com Chan, e agora... agora ele estava mais solto, mais confiante. Sua voz sempre foi poderosa, mas agora ele estava descobrindo como usá-la da melhor forma. E, como ele mesmo disse, estava se acostumando.

Jeongin, o mais novo de nós, deu um tapinha de leve no ombro de Felix.

— Sua voz sempre se destacou, cara. Agora só tá ficando melhor.

Felix sorriu para ele, agradecido.

Eu me sentei no sofá e deixei a cabeça cair para trás, olhando para o teto do camarim. Era uma sensação boa saber que estávamos melhorando a cada show, mas a falta de uma gravadora continuava a pesar. Não importava o quão bons fôssemos, parecia que ninguém nos levava a sério.

— Ainda sem resposta de nenhuma gravadora? — perguntei, tentando não soar pessimista, mas a frustração escapou na minha voz.

Chan suspirou, sentando-se em uma cadeira perto de mim.

— Nada ainda — ele admitiu, os olhos fixos no chão por um momento antes de olhar para mim. — Mas estamos tentando. A verdade é que somos novos. Gravadoras grandes estão procurando algo seguro, algo que já esteja estourado. E a gente... ainda está no processo.

Soltei um suspiro longo, balançando a cabeça. Sabíamos que essa era a realidade, mas não tornava as coisas menos frustrantes.

— Isso não quer dizer que vamos parar — disse Changbin, firme. — Nós estamos construindo algo aqui, e eles vão perceber. Mais cedo ou mais tarde.

Eu admirei a confiança de Changbin. Ele e Chan tinham essa habilidade de enxergar além da situação imediata, de acreditar que as coisas iam se encaixar eventualmente.

Felix se levantou e veio até mim, encostando-se à mesa do camarim.

— Ei, Hyunjin, vamos continuar tentando, né? — Ele sorriu, aquele sorriso tímido, mas com uma força por trás. — Vai dar certo. Você sabe disso.

Olhei para ele por um segundo, tentando absorver o otimismo que ele estava transmitindo. Por mais que estivéssemos cansados, por mais que a estrada parecesse sem fim, Felix estava certo. A única coisa que podíamos fazer era continuar.

— É, vai dar certo — respondi, finalmente deixando escapar um sorriso de volta.

Nós continuávamos, noite após noite, show após show, com a esperança de que, em algum lugar, alguém nos notaria. Não era fácil, e não estava nem perto do que esperávamos, mas o que mais podíamos fazer?

Era o que sabíamos fazer de melhor. E por enquanto, isso tinha que ser o suficiente.

You're my morning sun Onde histórias criam vida. Descubra agora