Estaca zero

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Era dezembro de 1975, estávamos em turnê fazia 8 meses. Eu estava tentando, porra, eu estava mesmo. Eu sabia que Hyunjin queria ajuda. Em algum lugar lá dentro, ele queria ser melhor, queria sair daquela merda, e eu via isso. Não era fácil, nem de longe. Era uma batalha constante, todo dia, e parecia que, por mais que a gente tentasse, algo sempre puxava ele de volta.

Todos nós queríamos ajudar. Chan, principalmente, estava sempre tentando dar suporte, mesmo quando Hyunjin explodia. Mas Hyunjin… ele estava mais instável do que nunca. Ele brigava com todo mundo nos ensaios, inclusive comigo. Parecia que qualquer coisa o irritava. Uma palavra, um olhar, uma sugestão, e pronto: ele se fechava, ficava agressivo, perdia a cabeça. Em seguida, como se nada tivesse acontecido, ele me procurava. Com olhos cansados, os ombros caídos, e um pedido de desculpas que eu sempre aceitava.

— Desculpa, Felix — ele dizia, a voz baixa e rouca, as mãos passando pelo cabelo bagunçado. — Eu tô tentando, juro.

Eu acreditava nele. E, talvez por isso, eu nunca conseguia dizer não. Nunca conseguia afastá-lo, por mais que às vezes eu achasse que era a única forma de proteger meu coração. A gente sempre acabava na cama depois de uma dessas discussões, como se o sexo pudesse apagar todos os problemas, como se aquele momento de prazer fosse suficiente para esquecer as brigas, o descontrole, as dores. Mas no fundo, eu sabia que aquilo não resolvia nada.

Ele estava fumando mais do que nunca, e por mais que eu tentasse não pensar nisso, eu sabia que ele tinha voltado a cheirar. As mudanças de humor eram óbvias demais para ignorar. Uma hora, ele estava gritando com todo mundo, os olhos vermelhos de raiva, o peito subindo e descendo rápido demais. Minutos depois, ele saía do banheiro, como se nada tivesse acontecido. Calmo, tranquilo, sorrindo como se tudo estivesse normal. Mas não estava.

Ninguém tinha coragem de perguntar diretamente. Era como se estivéssemos todos pisando em ovos, esperando o momento certo, que nunca parecia chegar. O medo pairava no ar, sufocante. Medo de confirmar aquilo que todos suspeitávamos: que ele havia voltado para as drogas com força total. Medo de que, se falássemos, aquilo pioraria ainda mais.

Chan às vezes me olhava de lado, como se esperasse que eu dissesse algo, que eu confrontasse Hyunjin, mas eu também estava com medo. Medo de que, se eu confrontasse, ele se afastasse de vez, que a gente se perdesse. E eu não podia perder ele. Não podia.

— Felix, você acha que ele... — Changbin começou a perguntar uma vez, enquanto estávamos no ensaio, longe de Hyunjin.

Eu olhei para ele, sabendo exatamente o que ele queria perguntar, mas não deixei ele terminar.

— Não sei — eu menti, mesmo sabendo a verdade. — Ele tá tentando.

Mas era isso, né? Ele tava tentando. Mesmo que o “tentar” não fosse suficiente. Mesmo que ele estivesse falhando.

Uma noite, depois de mais uma briga, eu o vi voltando do banheiro, esfregando o nariz discretamente com o polegar. Seu olhar estava mais focado, sua respiração mais calma. Eu sabia o que aquilo significava, mas não consegui dizer nada. Eu simplesmente o encarei, tentando encontrar alguma fagulha da pessoa que eu sabia que ele era, antes de tudo isso.

Ele percebeu meu olhar e se aproximou, me abraçando por trás e murmurando:

— Não fica assim, vai ficar tudo bem.

Eu fechei os olhos, respirando fundo. Eu queria acreditar nele, queria acreditar que tudo ia ficar bem. Mas a cada dia que passava, ficava mais difícil. O vício estava ganhando força, e por mais que eu tentasse segurá-lo, ele parecia escorregar pelos meus dedos.

— Eu quero que fique — eu sussurrei, esperando que, de alguma forma, minhas palavras chegassem até ele.

Ele ficou em silêncio por um longo tempo, os braços ainda apertados ao meu redor. Eu queria que ele dissesse que acreditava nisso também, mas, mais uma vez, ele ficou em silêncio. E aquele silêncio doía mais do que qualquer grito, mais do que qualquer briga.

You're my morning sun Onde histórias criam vida. Descubra agora