Um presente especial

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Naquela noite, o ônibus estava estranhamente quieto, quase em contraste com o barulho e a energia que havíamos experimentado na pizzaria horas antes. A maioria dos meninos já estava se acomodando em suas camas ou espaços improvisados para descansar. Eu estava quase fazendo o mesmo quando Hyunjin se aproximou, me chamando de um jeito suave, com a guitarra pendurada nas costas.

— Vem cá, Felix, quero te dar uma coisa — ele disse, sua voz baixa, quase tímida.

Levantei-me sem pensar muito, sentindo uma mistura de curiosidade e apreensão. Hyunjin raramente era assim, tão... quieto. Seguimos até um canto mais afastado do ônibus, onde ninguém nos ouviria. Ele se sentou em uma poltrona e ajeitou a guitarra no colo, me olhando de um jeito que fez meu coração acelerar.

— Você vai me dar a guitarra? — brinquei, tentando aliviar o clima. Mas, no fundo, eu sabia que algo mais estava por vir.

— Não, idiota — ele riu, balançando a cabeça. — Isso aqui é só... parte do presente.

Eu franzi a testa, sem entender direito o que ele queria dizer. Aí ele começou a dedilhar as cordas da guitarra. As notas eram suaves, e eu imediatamente soube o que ele ia cantar. Aurora. A música que ele compôs há 1 ano atrás, quando estávamos na praia, em um dos nossos momentos mais lindos juntos. Era a nossa música.

Aurora, I am here / Won't disappear again, I swear / Caught in the silence of the dawn / Just waiting for you to come.

A voz dele era baixa, quase sussurrada, mas cada palavra era clara como cristal. Ele não apenas tocava a música, ele estava me entregando algo muito maior, algo que ia além das palavras ou das notas. Ele me olhava nos olhos enquanto cantava, e o que eu vi ali... Eu vi o Hyunjin que eu conhecia antes das drogas, antes de toda a merda que nos cercava. Ele estava sóbrio. Pela primeira vez em tanto tempo, ele estava verdadeiramente presente, sóbrio e vulnerável.

Eu não sabia o que fazer. Minhas emoções me atingiram como uma onda e, antes que eu percebesse, as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto. Eu nem tentei segurar. Porque aquele momento, aquela música... era mais do que eu poderia pedir.

Ele notou minhas lágrimas, mas continuou cantando, sem desviar o olhar.

How soon can you come? / You are my morning sun / Chasing the dark away, / You're where I wanna stay. / Aurora, shine so bright, / You turn my wrongs to right, / I need you more each day, / Don’t let this fade away.

Quando ele terminou, as últimas notas da guitarra desapareceram no silêncio do ônibus, e tudo o que restou foi o som da minha respiração entrecortada. Hyunjin colocou a guitarra de lado e se levantou, se aproximando de mim. Ele segurou meu rosto entre as mãos, limpando uma das lágrimas com o polegar.

— Porra, Felix, não chora — ele disse, a voz rouca. — Eu não queria te fazer chorar.

Eu ri, mesmo em meio ao choro.

— Como não chorar, Hyun? Essa... essa música... — minha voz falhou. — É a coisa mais linda que alguém já fez por mim.

Ele sorriu, um sorriso suave, quase envergonhado.

— É sua. Desde aquele dia na praia. — Ele hesitou por um momento, os olhos piscando rápido como se quisesse dizer mais. — Eu não sou bom em... dizer essas coisas. Mas você é a única coisa que me mantém... são. Mesmo quando eu tô uma merda.

Eu segurei suas mãos que ainda estavam no meu rosto, apertando-as com força.

— Você não precisa ser perfeito pra mim, Hyunjin. Eu só quero você. Sabe? Eu quero você, como você é.

Ele suspirou, abaixando o olhar por um segundo antes de me encarar de novo.

— Eu sei... mas às vezes é difícil, cara. É difícil pra caralho. — Ele passou a mão pelos cabelos, frustrado. — Mas eu tô tentando. Hoje... hoje foi um dos poucos dias em que consegui ficar longe da merda toda. Por você.

Aquelas palavras me atingiram com força. Era um presente, mais do que qualquer música, mais do que qualquer gesto. O fato de ele estar ali, tentando, por mim... Aquilo significava o mundo.

— Eu sei que é difícil — eu murmurei, me aproximando e encostando minha testa na dele. — E eu tô aqui, Hyunjin. Eu tô aqui com você, pra tudo.

Ele fechou os olhos por um momento, respirando fundo, como se estivesse tentando absorver aquilo. Eu o abracei, enfiando meu rosto no pescoço dele, sentindo o calor do corpo dele contra o meu. Ficamos assim por um tempo, apenas no silêncio, apenas... juntos.

— Feliz Natal, Felix — ele sussurrou, com a voz quebrada.

Eu sorri, ainda segurando as lágrimas.

— Feliz Natal, Hyunjin.

E ali, naquela noite, naquele canto apertado do ônibus, entre a neve que começava a cair lá fora e a escuridão da estrada à frente, eu senti que, por mais que fosse difícil, por mais que ainda tivéssemos uma longa jornada pela frente, nós dois íamos encontrar um jeito. Porque, no final, tínhamos um ao outro.

You're my morning sun Onde histórias criam vida. Descubra agora