O Natal de 1975

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Naquela noite de Natal de 1975, estávamos todos exaustos, mas havia algo no ar. Talvez fosse a ausência de compromissos, já que não faríamos show no dia 24. Talvez fosse o fato de que, apesar de tudo, éramos uma família. De alguma forma, depois de tanto tempo na estrada, depois de tanto caos e desentendimentos, nós oito ainda conseguíamos nos reunir e rir, como fazíamos quando tudo começou. A turnê era uma loucura, mas naquela noite... naquela noite era só a gente.

Entramos numa pizzaria pequena e aconchegante na cidade em que estávamos. Era um lugar simples, mas perfeito. A maioria das pessoas estava em casa com suas famílias, celebrando a véspera de Natal. Nós não tínhamos nada disso. Nossa família era composta por aqueles caras sentados ao redor daquela mesa.

— Feliz Natal, porra — Jisung disse, rindo enquanto puxava uma fatia de pizza, o queijo esticando entre a massa e sua boca.

Todos rimos. Era típico do Jisung quebrar o clima solene com algum comentário casual, mas a verdade é que aquilo era o que a gente precisava. Algo leve, sem o peso das pressões que vinham com a fama ou com os problemas que cada um de nós carregava. Ali, sentados naquela pizzaria, éramos só nós mesmos.

— Eu juro que nunca mais quero ver pizza na vida depois dessa turnê — Seungmin comentou, fazendo uma careta ao olhar para o quinto pedaço que ele segurava na mão.

— Você diz isso agora, mas semana que vem estará pedindo pizza no meio da madrugada — retrucou Changbin, dando um soco leve no ombro de Seungmin.

— Eu vou sentir falta disso quando acabar — Chan falou, com um olhar um pouco distante, como se já estivesse pensando no fim da turnê.

Eu olhei ao redor da mesa, vendo cada um deles. Felix estava sentado ao meu lado, e eu podia sentir sua perna roçando a minha por baixo da mesa. Ele parecia mais leve naquela noite, sem a tensão que normalmente rondava nossos momentos juntos. Talvez fosse o espírito natalino, ou talvez fosse o fato de que, por algumas horas, pudéssemos fingir que éramos apenas amigos, e não as pessoas com quem dividíamos o palco, os quartos, e, no meu caso, os vícios e sentimentos que eu tentava suprimir.

— Hyunjin, você tá quieto hoje — disse Jisung, me olhando com um sorriso meio zombeteiro. — O que houve? Não tá afim de uma competição de quem come mais pizza?

Eu dei um meio sorriso, balançando a cabeça.

— Nem sempre preciso ser o centro das atenções, cara — retruquei, mas no fundo eu sabia que estava fugindo de algo.

Felix me olhou de lado, talvez notando a minha tentativa de evitar o assunto. Mas ele não disse nada, só deu uma mordida na pizza e voltou a rir de alguma piada que Jeongin havia acabado de contar.

A verdade é que eu estava cansado. Não fisicamente, porque as drogas ainda me mantinham em pé, mas mentalmente, emocionalmente. Eu estava exausto de fingir que não me importava, de fingir que era imune ao que sentia por Felix, de fingir que as drogas eram a única coisa que me mantinha funcionando. Aquela noite era um raro momento de paz, mas eu sabia que era temporário. Amanhã, ou na semana que vem, as coisas voltariam ao normal. Eu voltaria a ser aquele idiota que afastava todos que tentavam se aproximar de mim.

— Isso tá bom demais — Minho falou, interrompendo meus pensamentos. — Quem diria que a melhor pizza que a gente ia comer na turnê ia ser numa cidadezinha perdida no mapa?

— Pizza é pizza, não importa onde — Felix respondeu, com um sorriso largo. — Mas, honestamente, vocês são os melhores. Não sei o que seria de mim sem vocês.

Todos murmuraram algo em concordância, levantando os copos em um brinde improvisado. Era estranho, porque a gente não fazia esse tipo de coisa. Nunca éramos tão abertos assim, tão emocionais. Mas talvez o Natal, ou a falta de obrigações, estivesse mexendo com a gente.

— À família — Chan disse, erguendo seu copo primeiro.

— À família — repetimos todos, como um coro.

Eu olhei para Felix de novo, vendo o sorriso leve no rosto dele, as covinhas se formando nas bochechas. Eu sabia que ele estava feliz, e isso me incomodava. Não porque eu não queria que ele estivesse feliz, mas porque eu sabia que, no fundo, eu não merecia estar ali. Não merecia ser parte daquilo, não do jeito que eu estava.

Depois de algumas horas, depois de pizzas demais e risadas demais, nós nos levantamos para ir embora. Eu me peguei observando cada um deles, pensando em como, apesar de todos os nossos defeitos e brigas, de alguma forma, fazíamos aquilo funcionar. Eram eles que mantinham meus pés no chão, mesmo quando eu estava completamente fora de mim.

E então, sem que ninguém percebesse, eu segurei a mão de Felix por baixo da mesa antes de levantarmos. Ele olhou para mim, surpreso, mas sorriu. Eu não disse nada, só apertei sua mão, como se, por um momento, aquilo fosse o suficiente. Porque, naquela noite, talvez fosse.

Enquanto saíamos da pizzaria, eu respirei fundo, tentando absorver aquele momento de paz, porque eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, o caos voltaria. Mas pelo menos, naquela véspera de Natal, estávamos bem.

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