Os últimos dias de 1974

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Se eu disser que li a letra de Aurora naquela época, eu estaria mentindo. Hyunjin nunca me deixou chegar perto daquelas palavras. Ele era assim, meio reservado quando se tratava das criações dele. Ou talvez ele tivesse suas razões. Na verdade, eu só fui descobrir o que ele escreveu no começo de 1975, quando já estávamos de volta à rotina e nos preparávamos para lançar o álbum.

Mas aqueles últimos dias de 1974... ali, na praia... foram intensos. Eu não consigo encontrar outra palavra para descrever.

Era apenas eu e Hyunjin. Apenas nós dois, sem as preocupações do mundo lá fora, sem a pressão da banda, dos ensaios, ou do que viria a seguir. Não conversamos mais sobre o que estávamos fazendo, sobre o que éramos. Nenhum de nós tocou no assunto, como se estivéssemos ambos conscientes de que colocar aquilo em palavras estragaria algo. Talvez fosse medo, talvez insegurança. Mas naqueles dias, na praia, nós só... vivemos.

Nós esquecemos que éramos colegas de banda. Esquecemos do mundo, da expectativa de lançar um álbum no início do próximo ano, das críticas e da pressão.

Me lembro de como ele me observava de soslaio enquanto eu ria de algo que não lembro o que era. De como ele me provocava, como sempre fazia, com aquela mistura de charme despretensioso e confiança. Não era difícil se perder com ele.

— Você sabe que está rindo demais, né? — Hyunjin comentou numa noite, a fogueira crepitando ao nosso lado.

Eu me virei para ele, sentindo o calor das chamas no meu rosto e o frio da noite em minhas costas. Ele estava largado na areia, os cabelos bagunçados pelo vento, o rosto iluminado pela luz alaranjada do fogo. Era uma visão... quase surreal.

— E daí? Não é bom rir? — rebati, rindo de novo só porque podia.

Hyunjin sorriu, aquele sorriso enviesado que ele sempre fazia, e balançou a cabeça. Ele se inclinou para pegar mais um graveto e jogá-lo na fogueira, os olhos fixos nas chamas por um momento, pensativo.

— Eu gosto de te ver assim — ele disse depois de um tempo, a voz suave. — Relaxado. Como se nada mais importasse.

Meu coração deu um pulo no peito, mas eu mantive o olhar nas chamas, não querendo dar a ele a satisfação de saber o que aquelas palavras provocavam em mim. Porque a verdade era que ele sempre fazia isso. Me desarmava com coisas simples, do nada, quando eu menos esperava. Ele conseguia ver através de mim de uma forma que ninguém mais conseguia.

— Nada importa — murmurei, quase sem perceber. — Pelo menos não agora.

Eu senti o olhar dele em mim, mas continuei focado no fogo, tentando controlar a pulsação acelerada.

— Certo... só agora — ele repetiu, como se estivesse saboreando cada palavra.

Naquela noite, como em muitas outras, nós acabamos dormindo na areia, lado a lado. Eu acordava com o som das ondas quebrando ao longe e a brisa fria da manhã tocando meu rosto. Hyunjin estava sempre ali, do meu lado, o corpo aquecido pelo sol da manhã, a respiração tranquila, como se nada no mundo pudesse perturbar aquele momento.

Em um desses dias, lembro de ter perguntado para ele:

— Por que você não me deixou ver a letra de Aurora?

Hyunjin me olhou por um momento, como se estivesse ponderando a resposta.

— Porque ainda não tá pronta — ele disse simplesmente, dando de ombros.

Eu franzi o cenho, desconfiado. Aquilo não fazia sentido. Eu o tinha visto terminando a música, escrevendo como se fosse a coisa mais natural do mundo, logo ali na minha frente.

— Como assim? Eu vi você terminar de escrever.

Hyunjin deu aquele sorriso enigmático de sempre e virou o rosto para o mar, sem responder de imediato.

— Talvez esteja pronta no papel — ele finalmente falou, os olhos fixos no horizonte. — Mas ainda não sei se tá pronta... aqui. — Ele levou a mão ao peito, batendo de leve no lado esquerdo.

Eu quis pressionar, quis entender mais. Mas, ao mesmo tempo, sabia que não adiantaria. Hyunjin era assim. Havia coisas que ele simplesmente não dividia, e eu aprendi a respeitar isso.

Então, ao invés de insistir, eu simplesmente balancei a cabeça e voltei a deitar na areia, observando o céu mudar de cor enquanto o sol subia mais alto. Naquele momento, eu decidi que, por mais que quisesse saber, por mais que estivesse curioso, eu poderia esperar. A música viria quando tivesse que vir. E até lá, eu aproveitaria o momento.

Porque, afinal de contas, estávamos vivendo algo que não precisávamos entender naquele instante. Aquilo era maior do que qualquer palavra ou definição. Era só nós dois, a praia, o céu, e o silêncio confortável entre nós.

You're my morning sun Onde histórias criam vida. Descubra agora