Reabilitação

36 9 0
                                    

Eu fiquei um ano naquela clínica. Um ano longe dos palcos, da nossa música, e de tudo o que eu era acostumado a fazer. É estranho pensar como a vida pode mudar de uma hora para outra. De estar em turnê, vivendo no caos, para o silêncio da reabilitação. E naquele primeiro mês, o silêncio era a única coisa que eu tinha. Eu não conseguia compor, não conseguia pensar direito. Só sabia que, para minha própria sobrevivência, precisava ficar longe das drogas. E, por mais que a abstinência fosse infernal, a única coisa que me dava força era saber que eu não estava sozinho. Os membros da banda vinham me visitar sempre que podiam, mas era o Felix quem mais vinha.

A primeira vez que o vi depois que fiquei apto para receber visitas foi em maio de 76. E porra, quando ele entrou na sala de visitas, não consegui segurar. Minha garganta apertou e eu percebi o quanto sentia falta dele. Ele parecia tão perdido, tão abatido. Quando nossos olhos se encontraram, Felix não conseguiu se segurar e começou a chorar.

— Eu senti tanto a sua falta, Hyunjin — ele disse, a voz embargada, enquanto se aproximava — Você não tem ideia de como foi difícil...

Eu o puxei para um abraço e senti o corpo dele tremer. Fiquei segurando Felix enquanto ele chorava, e mesmo que eu estivesse destruído por dentro, o fato de tê-lo ali, de sentir o calor dele, me deu um pouco de paz.

— Eu tô aqui agora — foi tudo o que consegui dizer. — Eu tô tentando, Felix.

Ele se afastou o suficiente para olhar nos meus olhos, as lágrimas ainda escorrendo pelo rosto.

— Só não some de novo, por favor — ele pediu, quase como uma súplica. — Eu... eu não sei se aguento passar por isso de novo.

Aquelas palavras me atingiram como um soco no estômago. Eu sabia o quanto o tinha machucado, o quanto o tinha feito sofrer com tudo o que aconteceu. E foi ali, naquele momento, que prometi a mim mesmo que faria o possível para não cair de novo.

Depois daquela primeira visita, Felix voltou quase todas as semanas. Sempre trazia algo, uma notícia sobre a banda, ou só me contava como ele estava. Às vezes trazia doces, outras vezes cigarros escondidos para mim. E, aos poucos, eu comecei a encontrar algo que me mantinha mais estável, algo que me ajudava a lidar com os demônios que eu tinha deixado entrar na minha vida.

Foi na reabilitação que descobri um talento que eu não sabia que tinha: o desenho. Comecei a desenhar em qualquer pedaço de papel que encontrava. No começo eram rabiscos, figuras abstratas, mas com o tempo fui aprimorando. Quando perceberam que era algo que me fazia bem, a equipe da clínica começou a me trazer materiais de pintura. E porra, aquilo foi como terapia para mim. Todos os dias, eu me sentava perto da janela do quarto e pintava. Às vezes, as paisagens lá fora, outras vezes, imagens que vinham à minha mente. Não era sobre criar algo perfeito, era sobre deixar sair tudo o que estava dentro de mim.

Em uma das visitas, Felix viu um dos meus cadernos de desenho. Ele ficou folheando em silêncio, um sorriso tímido no rosto enquanto observava os esboços. Quando terminou, ele olhou para mim e disse:

— Eu... eu não sabia que você sabia desenhar. Isso é incrível, Hyunjin.

Eu dei de ombros, tentando não parecer muito orgulhoso, mas era difícil esconder.

— Nem eu sabia. Só comecei aqui, pra passar o tempo.

Felix passou os dedos pelas páginas, como se estivesse sentindo cada linha dos desenhos.

— Posso levar? — ele perguntou, os olhos brilhando de expectativa. — Quero ter algo seu comigo, enquanto você... bom, enquanto você ainda tá aqui.

Eu hesitei por um momento. Aquele caderno era uma parte de mim, algo que me ajudava a lidar com a solidão e os pensamentos que me consumiam. Mas olhando para Felix, eu sabia que ele precisava daquilo tanto quanto eu.

— Pode levar — acabei dizendo, entregando o caderno a ele. — Mas... cuida dele, tá?

Felix sorriu, um sorriso genuíno, que eu não via há tempos. Ele segurou o caderno contra o peito e assentiu.

— Eu vou cuidar.

E foi assim que o tempo foi passando. Eu continuava pintando, desenhando, e cada visita de Felix era como uma pequena luz em meio àquele caos interno que eu ainda enfrentava. Mesmo sem compor nada, mesmo sem tocar na minha guitarra, a arte me salvava. Felix me salvava. E foi assim que consegui aguentar aquele ano inteiro longe de tudo. Eu sabia que, quando saísse, ele estaria me esperando. E isso era o suficiente.

You're my morning sun Onde histórias criam vida. Descubra agora