Encarando o espelho

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Eu nunca fui de fumar. Nunca mesmo. Cigarro sempre me causava uma sensação estranha, aquele cheiro forte que se impregnava em tudo, a fumaça invadindo os pulmões e me fazendo tossir. Era uma daquelas coisas que sempre vi os outros fazerem, mas que nunca me atraiu de verdade. Só que naquela noite... naquela noite eu cedi.

Depois do programa, depois de todo o teatro, eu me sentia desgastado de um jeito que não sabia como lidar. Fingir que eu e Hyunjin não éramos nada na frente das câmeras, manter a distância, atuar como se não houvesse nada entre nós... Aquilo me corroía por dentro. Cada palavra que Park tinha dito naquele dia ecoava na minha cabeça, repetindo-se como um disco arranhado: “Não fiquem próximos demais. Não façam ceninhas no palco. O público não vai aceitar.”

Mas e eu? Quem estava aceitando? Eu me olhava no espelho do banheiro, com a porta trancada, tirando a maquiagem do rosto com mãos trêmulas. As críticas, os comentários que sempre ouvi, voltavam como um pesadelo. “Afeminado demais. Sua voz não combina com seu jeito. Você é uma piada de homem.” Palavras que eu já tinha ouvido tantas vezes, que sempre tentei ignorar, mas que, de alguma forma, naquela noite, pareciam ainda mais altas.

Suspirei, fechando os olhos por um momento, tentando me acalmar. O som abafado dos risos e conversas dos caras na sala chegava até mim, mas parecia distante. Longe demais para me envolver. Eu precisava de um momento. Eu precisava... de algo.

Foi então que, sem pensar, abri a gaveta da pia e tirei um maço de cigarros. Não sabia nem de quem era. Talvez algum dos caras tivesse deixado ali por engano. Mas naquele momento, eu não me importava. Peguei um cigarro, trêmulo, e tentei acender. Demorou algumas tentativas até o isqueiro funcionar, até o cigarro finalmente começar a queimar.

Levei aos lábios e dei uma tragada curta, o gosto amargo preenchendo minha boca. Imediatamente, comecei a tossir. Droga, pensei, com um meio sorriso amargo no rosto. Eu nunca soube fumar direito, e aquilo estava bem claro agora. Mas continuei. Eu precisava de alguma coisa, qualquer coisa, para distrair minha mente. Traguei de novo, dessa vez com mais cuidado, e olhei para meu reflexo no espelho.

O rímel estava borrado nas pálpebras, e os traços de sombra ainda estavam ali, mesmo que eu estivesse tentando tirar tudo. Os brincos pendiam nas orelhas, brilhando sob a luz amarelada do banheiro. E enquanto eu me olhava, era como se todas aquelas críticas que me rondavam tivessem se tornado parte de mim, como se estivessem gravadas na minha pele.

Eu tossi de novo, tentando segurar o cigarro entre os dedos, enquanto mais um pouco de maquiagem escorria pelo meu rosto com o suor. Eu odiava cigarro. O cheiro, a sensação de sufocamento... Tudo. Mas naquele dia eu precisei. O cigarro se tornou uma distração. Uma forma de entorpecer, de calar as vozes na minha cabeça, pelo menos por um momento.

- Droga, Felix, o que você tá fazendo... - murmurei para mim mesmo, frustrado, enquanto apaguei o cigarro na pia, respirando com dificuldade.

De repente, a realidade voltou a me atingir. O fato de que Hyunjin provavelmente estava no sofá com os outros, esperando uma explicação para a minha distância. Ele estava lá fora, e eu estava me escondendo. Outra vez. Eu sabia que precisava sair dali, mas cada vez que tentava, parecia que meus pés estavam presos no chão daquele banheiro.

Eu lavei o rosto, esfregando mais forte do que o necessário, tentando me livrar de qualquer resquício de maquiagem. O reflexo no espelho estava diferente. Não era o Felix do palco, o Felix que os fãs viam. Era o Felix que estava cansado. O Felix que só queria ser ele mesmo, sem todas as expectativas e julgamentos.

Mas eu sabia que o mundo não funcionava assim.

Depois de um tempo, respirei fundo e destranquei a porta, saindo do banheiro com o rosto limpo e os pensamentos ainda confusos. Hyunjin não estava mais lá, mas eu sabia que ele estava me esperando. Eu sabia que, em algum momento, nós precisaríamos falar sobre tudo isso. Mas naquele instante, eu só queria apagar as luzes, deitar na cama e fingir que o dia não tinha acontecido.

Mas era impossível fingir.

You're my morning sun Onde histórias criam vida. Descubra agora