Palavras não ditas

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Claro que fui direto para o quarto do Felix naquela noite. Eu não conseguia tirar da cabeça o quanto ele estava estranho no show. O jeito que ele mal me olhou, como evitava qualquer contato quando estávamos no palco, quando me aproximava dele, ele só se afastava e ia para o outro lado do palco. Não era normal. Algo estava acontecendo, e eu precisava entender.

Cheguei até a porta do quarto dele, bati três vezes e esperei. Quando Felix abriu a porta, ele estava sem maquiagem, o rosto limpo, com aquelas sardas dele mais visíveis do que nunca. Ele estava vestindo um pijama simples, uma camiseta branca e calça de moletom, e sua expressão era séria. Algo definitivamente não estava certo.

— E aí? — eu disse, tentando soar casual, mas não conseguia esconder a preocupação na minha voz.

Felix apenas me olhou, hesitante. Fiz menção de entrar, como sempre fazíamos, mas para minha surpresa, ele não se moveu para me deixar passar. Em vez disso, ele saiu do quarto, fechando a porta atrás de si, e ficou parado no corredor comigo. Aquilo nunca tinha acontecido. Nem quando nós ainda não tínhamos nada.

Eu cruzei os braços, encostando-me na parede oposta e o encarei, esperando que ele dissesse alguma coisa.

— O que tá rolando? — perguntei, sem rodeios. — No show, você mal olhou pra mim. E agora isso? Aconteceu alguma coisa?

Felix suspirou, cruzando os braços também, os ombros tensos. Ele não me olhava nos olhos, e isso só me deixou mais desconfortável. O silêncio entre nós dois era palpável.

— Park — ele murmurou finalmente, depois de um longo suspiro.

Eu franzi a testa, confuso.

— Park? O que tem ele?

Felix balançou a cabeça, parecendo frustrado, mas não comigo. Com a situação.

— Ele me puxou de canto mais cedo, antes do show — começou. — Ele... ele me deu uma bronca por causa de Detroit. Disse que rasgar sua camisa e... e lamber você no palco foi demais. Que estamos passando do ponto e que isso vai atrair olhares negativos pra banda.

Fiquei em silêncio por um momento, processando o que Felix havia acabado de dizer. Park sempre foi rígido com a nossa imagem, mas isso? Eu não esperava que ele fosse nos controlar tanto assim, não depois de tudo que construímos. Me aproximei de Felix, colocando a mão em seu rosto.

— E daí? — falei, com um sorriso de canto. — As fãs adoraram aquilo. Elas gritaram como loucas. Isso é o que importa, não? Elas tão aqui por causa da nossa música.

Ele me olhou, os olhos cheios de incerteza.

— Não é tão simples assim, Hyunjin. Você sabe que não é — Felix sussurrou. — Nossa imagem vende, sim. Mas até um certo ponto. Se a gente exagerar, isso pode virar um escândalo. E, porra... você sabe que em 1978 dois caras juntos não vai ser visto como algo normal.

Eu respirei fundo, sentindo a frustração começar a crescer. Eu odiava isso. Odiava que a gente tivesse que esconder o que sentíamos, que precisássemos andar na linha o tempo todo. Me aproximei mais dele, segurando o queixo de Felix com delicadeza, forçando-o a me olhar nos olhos.

— Eu não tô nem aí pra Park, nem pra merda nenhuma — eu disse, minha voz mais baixa e intensa. — A gente não tá fazendo nada de errado. E, se alguém achar que estamos, foda-se.

Felix engoliu seco, seus olhos fixos nos meus. Por um momento, ele pareceu ceder, como se estivesse considerando o que eu disse. Mas então ele balançou a cabeça de novo, desviando o olhar.

— Não é tão simples assim, Hyunjin. Você sabe disso melhor que ninguém. A gente pode se ferrar. A banda pode se ferrar.

Eu suspirei, soltando seu queixo e recuando um pouco, passando a mão pelos cabelos. Parte de mim entendia. Parte de mim sabia que Felix estava certo. Mas isso não tornava a situação menos frustrante.

You're my morning sun Onde histórias criam vida. Descubra agora