Gritos silenciosos

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O ano de 1979 começou com tudo. A turnê ainda estava a todo vapor, com estádios lotados e fãs gritando nossos nomes a cada show. Era emocionante estar no palco, era o único lugar onde a música falava mais alto do que os nossos problemas. Mas, fora do palco, a banda estava se esfacelando lentamente. O clima entre nós oito estava uma verdadeira bomba-relógio, e todos sabiam disso. Eu sentia isso, Chan sentia isso, e até os mais tranquilos como Seungmin e Jeongin pareciam perceber que a tensão era quase palpável.

A maior fonte dessa tensão, no entanto, era Jisung. Ele estava cada vez mais isolado, fumando mais do que nunca. Nos bastidores, entre uma música e outra, ele acendia um cigarro como se a nicotina fosse a única coisa que o mantinha de pé. Ele já não se importava mais com os olhares de reprovação dos outros. A gente tentava ignorar, mas era difícil. E o pior de tudo é que ele sempre atrasava os intervalos dos shows com essas paradas para fumar.

Eu estava encostado em um dos amplificadores, pingando suor, tentando recuperar o fôlego depois da última música, quando vi Chan encarando Jisung com uma expressão de pura irritação. Jisung estava no canto, tragando seu cigarro com aquela cara de poucos amigos que ele tinha adotado nos últimos meses.

Isso não vai acabar bem... pensei comigo mesmo.

Chan levantou do banco em que estava sentado, atravessou o backstage e arrancou a cartela de cigarros da mão de Jisung. A cartela voou em direção à lata de lixo como um foguete.

— Que porra é essa, Chan?! — Jisung gritou, olhando furioso para o líder da banda.

Chan, sempre calmo, mas com uma determinação que eu conhecia bem, apontou para o palco.

— Estamos em uma turnê mundial, Jisung! Isso não é brincadeira. Cada intervalo você perde tempo fumando enquanto o público está esperando! — a voz de Chan era baixa, mas carregada de frustração.

Jisung, furioso, deu um passo em direção a Chan, com os punhos cerrados.

— Eu faço o que eu quiser nos intervalos! Não sou criança pra você jogar meus cigarros fora!

Os outros começaram a perceber o que estava acontecendo. Hyunjin se aproximou, assim como Changbin, mas ninguém interviu. Todos sabíamos que Chan estava certo, mas Jisung não parecia disposto a aceitar. Ele estava tenso, e nós sabíamos que ele estava por um fio.

— Você quer estragar o show, é isso? — Chan continuou, sem recuar.

— Quer saber, Chan? Vai se foder! — Jisung explodiu. Ele deu as costas e saiu chutando o equipamento que estava no caminho, como se estivesse prestes a abandonar tudo ali mesmo.

Eu me virei para Hyunjin, que me olhava de volta com uma expressão grave. Ninguém disse uma palavra, mas todos sentíamos o peso daquele momento.

Cinco minutos depois dessa briga, nos chamaram de volta ao palco. A adrenalina subiu de novo, mas, dessa vez, havia um clima tenso no ar. Enquanto caminhávamos para nossas posições, Jisung mal olhava para nós. Eu via suas mãos tremendo levemente enquanto ele pegava as baquetas e se posicionava na bateria.

Quando começamos a próxima música, Glass Shadows, eu podia sentir cada palavra saindo da minha boca carregada de raiva. Jisung acabava com a bateria com uma raiva surda, quase como se a música fosse uma válvula de escape para tudo o que ele estava sentindo.

Enquanto o público gritava e nos aplaudia, por dentro eu sentia que estávamos desmoronando aos poucos. O palco era o único lugar onde ainda éramos uma banda de verdade, onde ainda tínhamos aquela conexão. Mas cada vez mais eu me perguntava até quando isso ia durar.

Naquele show, algo diferente aconteceu. Eu estava no meu lugar de sempre, respirando pesado, ainda ofegante da última música, enquanto as luzes baixavam e o palco era preparado para o próximo número. Mas desta vez, eu não me senti impaciente, esperando o momento de voltar a me mexer. Naquela noite, enquanto o público explodia em expectativa, uma sensação de quietude me envolveu. Eu sabia que era a vez de Hyunjin brilhar.

Quando os primeiros acordes da guitarra ecoaram pelo estádio, senti um arrepio na espinha. Hyunjin estava lá, em pé, no centro do palco, o corpo relaxado, mas concentrado, os dedos firmes nas cordas da guitarra enquanto ele dava vida à música que tanto significava para ele. Silent Screams era uma das canções mais emocionantes do nosso repertório, uma composição completamente sua, fruto de noites sombrias e da dor da reabilitação. Aquela era a luta dele colocada em melodia, uma luta que eu presenciei de perto, e que, mesmo depois de tanto tempo, ainda mexia comigo.

As luzes azuis e roxas iluminavam Hyunjin de forma quase angelical. Ele fechava os olhos enquanto dedilhava os acordes, deixando a melodia fluir como se ela estivesse saindo direto de sua alma. O público mal respirava, hipnotizado pela força daquela performance. Eu, por outro lado, não conseguia desviar o olhar. Eu assistia encantado enquanto Hyunjin fazia seu solo, as notas da guitarra ecoando e preenchendo o estádio de uma maneira quase sobrenatural.

Jisung estava na bateria, dando batidas ritmadas e profundas que pareciam ecoar a dor que Hyunjin queria expressar. Seungmin no teclado tocava acordes suaves que traziam uma certa doçura, contrastando com o peso da música. Minho, com seu baixo, completava a harmonia, criando uma base sólida para que Hyunjin pudesse se destacar ainda mais. Todos nós estávamos ali, mas naquela música, era Hyunjin quem brilhava.

Silent Screams sempre foi uma música especial. Eu sabia o que ela representava para Hyunjin. Cada nota, cada verso era uma lembrança de sua batalha para sair do vício. Quando ele começou a cantar, sua voz rouca e cheia de emoção, eu me peguei prendendo a respiração. Era impossível não sentir orgulho dele. Ele estava ali, forte, vulnerável e verdadeiro, colocando sua alma à mostra para todos verem.

"I screamed in silence, where no one could hear,
Fought my demons, buried them in fear,
I’ve walked the dark, I’ve tasted the flame,
But I’m still here, I’m still the same."

As palavras ressoavam com uma verdade crua, e a emoção em sua voz era palpável. Eu sempre soube da força de Hyunjin, mas ver isso no palco, daquela forma, me fez admirá-lo ainda mais. Mesmo depois de tudo o que passamos, mesmo com as feridas ainda abertas entre nós, naquele momento, eu estava simplesmente orgulhoso.

O público estava em silêncio, completamente imerso na música, e eu sabia que todos eles também podiam sentir. Aquela canção era uma obra-prima, um grito de dor e redenção, e Hyunjin a interpretava com uma honestidade brutal. Meus olhos não deixavam sua figura, e por um instante, tudo o que eu conseguia pensar era o quanto eu o amava. Mesmo com o que tínhamos perdido, com a distância que agora existia entre nós, meu coração ainda batia forte por ele.

Quando ele finalizou o solo de guitarra e a última nota ecoou no estádio, uma onda de aplausos tomou conta do lugar. O público gritava, aplaudindo de pé, e eu podia ver a satisfação nos olhos de Hyunjin enquanto ele abaixava a cabeça, respirando fundo. Ele olhou brevemente para o público, mas naquele instante, seus olhos se encontraram com os meus.

Foi só por um segundo, mas foi o suficiente para que eu sentisse aquele aperto familiar no peito. Ele não precisava dizer nada, porque eu sabia. Sabia que ele sentia o mesmo, que toda aquela dor, toda aquela separação, ainda nos afetava profundamente. Mas naquele momento, tudo o que eu sentia era orgulho. Orgulho por ele ter transformado sua dor em algo tão belo, tão poderoso. Orgulho por ele ter conseguido sair do buraco escuro em que esteve e agora estar ali, brilhando para o mundo.

Quando o show terminou, os gritos do público ainda ecoando no estádio, eu saí do palco com a sensação de que, por mais difícil que fosse, a música ainda nos unia. E, no fundo, mesmo com todas as nossas feridas, o amor ainda estava lá.

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