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VALLIE

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VALLIE

O jantar estava mais silencioso do que o normal. Eu olhava para o prato, mas, a cada momento, sentia o olhar de minha mãe, quase como um pedido mudo para que eu trouxesse o assunto à tona. Engoli um pedaço do purê e carne, gemendo baixinho com o gosto, tentando desviar a atenção do peso que parecia ter se instalado à mesa.

Senti o olhar de Dean em mim também. Limpei a garganta, tentando afastar o desconforto e bebi um pouco de água.

- Obrigada pelo jantar.

Ele me olhou e deu de ombros, como se não fosse grande coisa.

- Não tem problema. E o braço? - perguntou, casual, mas atento.

- Está melhor... coçando menos. Eu não vejo a hora de tirar logo o gesso.

Dean me observava, e por um segundo, o olhar dele desceu para a minha blusa, uma escolha propositalmente recatada. Preta, sem decote e de manga longa. Ele franziu a testa, mas não disse nada, o que me deixou aliviada e estranhamente inquieta.

Minha mãe estendeu a mão e tocou no braço dele. Vi a tensão em seu corpo, uma leve rigidez, mas ele não retirou a mão debaixo da dela. Ela sorriu, mas era um sorriso tenso, quase suplicante.

- Sinto falta de você no laboratório, Dean. Acho que você deveria voltar.

Ele resmungou alguma coisa, o olhar vago.

- Ninguém precisa de mim lá, Lily.

A tristeza nos olhos dela parecia se aprofundar.

Minha mãe apertou o copo de vinho entre os dedos, bebendo devagar, antes de encarar Dean com uma intensidade que beirava a obsessão.

- E quem precisa de você aqui, Dean? - Ela murmurou, a voz gélida, mas cheia de implicância. - Vallie é bem capaz de se cuidar sozinha.

As palavras dela pairaram no ar, afiadas e cortantes. Dean imediatamente jogou as mãos na mesa, a expressão tomada por um misto de raiva e exasperação.

- Para com isso, Lily! Vallie é sua filha, porra! Ela foi atropelada e você quase a perdeu, deveria estar mimando-a, passando cada segundo do seu tempo com ela. - os olhos dele se projetam para frente, as mãos fechadas em punhos. - É o que qualquer mãe amorosa faria.

- Nosso relacionamento não é assim, Vallie não liga que eu vá trabalhar. Ela gosta de ficar sozinha, não é, querida?

- Não, ela não prefere. Agora, come essa porra de comida ao invés de continuar brincando.

A tensão na sala parecia atingir o ápice, e eu quase podia ouvir meu próprio coração batendo mais forte. Minha mãe, em silêncio, desviou o olhar para mim, ainda com aquele ar irritado, como se eu fosse a origem do conflito.

- Vallie, querida, você tem algo para falar, não é?

Minha voz parecia tão fraca em comparação com o tumulto que dominava a mesa. Olhei para o prato, tentando reunir coragem para falar, sentindo o peso dos olhares deles sobre mim. Limpei a garganta, a boca repentinamente seca.

- Eu... pensei muito nos últimos dias e... acho que talvez seja uma boa ideia aceitar a proposta do papai... e ir morar com ele.

Antes mesmo que eu pudesse terminar, Dean bateu o garfo na mesa com um estalo.

- Não.

Engoli em seco, surpresa com a dureza na voz dele. Minha mãe, sem perder tempo, retrucou, agora com um tom defensivo.

- Vallie já tem dezoito anos, Dean! Ela pode escolher onde quer morar.

Ele riu, uma risada amarga e cética, balançando a cabeça.

- Sei que isso tem o seu dedo, Lily. Eu conheço você... e Vallie não vai embora dessa casa.

- Vallie não é nada sua! - Minha mãe levantou a voz, seu olhar afiado. - Você não tem o direito de opinar sobre a vida dela.

O ambiente se transformou num campo de batalha. Eu me encolhi, o som das palavras deles cada vez mais alto, cada vez mais frio. Senti o desconforto crescer no meu peito, como se eu tivesse causado aquilo sem querer.

- Por favor, parem... - murmurei, minha voz quase se quebrando. - Eu não queria causar uma briga.

Mas eles mal ouviram. Meu padrasto continua gritando, enfatizando que eu não vou sair do seu lado.

- A vida é minha, Dean! - eu gritei, a raiva fervendo dentro de mim. - Eu decido onde quero morar, e você não tem o direito de me impedir!

Levantei da mesa de uma vez, a cadeira escorregando e caindo no chão com um estrondo. O barulho parecia ecoar por toda a casa, e eu me perguntei se brigas eram comuns nessa casa.

Saí sem olhar para trás, subindo as escadas com passos apressados, o coração batendo forte no peito. A culpa me acompanhava, como uma sombra, enquanto pensava na briga que eu havia causado entre minha mãe e Dean. Eu não queria ser a responsável por isso, mas a verdade é que, no fundo, sentia que precisava ser honesta sobre o que queria, mesmo que isso ferisse as pessoas ao meu redor.

Ao chegar no meu quarto, tranquei a porta e deixei a caixa em cima da cama. Olhei para a fantasia de coelho e a peruca loira, esperando que, ao menos, essas coisas pudessem me ajudar a lembrar quem eu realmente era. Porque, naquele momento, me sentia tão perdida. O vazio se expandia de uma maneira que era difícil descrever, como se, aos poucos, eu fosse me apagando ali.

Passei os dedos pelo tecido da fantasia, sentindo uma lembrança difusa, um vestígio de quem eu costumava ser, mas que agora parecia tão distante. Era estranho, mas só de olhar para a fantasia, uma parte de mim parecia voltar à tona, como se existisse uma Vallie que eu tinha deixado para trás, mas que ninguém parecia conhecer. Minha mãe estava me tratando como um incômodo, opinando e criticando todas minhas roupas, se ela souber que tenho todas essas fantasias provocantes guardadas, provavelmente serei expulsa.

Então, pensei em Every. Lembrei-me de como ela apareceu no hospital e tentou me atualizar de todos meus últimos meses, parecendo tão à vontade na minha presença, mesmo que eu não lembrasse de nada sobre ela. Talvez ela saiba de algo, talvez tenha alguma peça desse quebra-cabeça. Afinal, ela era minha melhor amiga e se alguém soubesse de quem eu realmente era, essa pessoa seria ela.

Depois de alguns minutos debatendo com meus pensamentos, indecisa se deveria ou não ligar para ela, decidi sair do quarto.

Ao descer as escadas, o cheiro de bebida e cigarro me envolve, meu coração disparou quando vi Dean na cozinha, de costas, concentrado nos próprios pensamentos. Ele parecia tão tranquilo, mas ao mesmo tempo, havia algo na sua presença que me deixava em alerta.

Ele virou-se e nossos olhares se encontraram. Instantaneamente, meu nervosismo aumentou. Havia uma intensidade no olhar dele que me fez sentir exposta, como se ele pudesse ler meus pensamentos mais profundos. O jeito como me observava me deixava inquieta, e não conseguia ignorar a conexão estranha que pairava entre nós.

Fiquei paralisada por um momento, sem saber o que dizer, e o silêncio entre nós parecia ensurdecedor. Eu queria desviar o olhar, mas não conseguia. Dean continuou me observando, soltando fumaça pela boca e nariz, molhando os lábios com o líquido amarelo, descendo os olhos pelo meu corpo.

- O que você disse? - perguntei, dando um passo incerto na sua direção, mas a tensão no ar permanecia, como se algo não resolvido nos cercasse.

O que havia entre nós? Por que me sentia tão nervosa ao ficar perto dele?

- Eu disse que preciso de uma bebida mais forte, coelhinha.

O apelido me fez travar no lugar.

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