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VALLIE

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VALLIE

Os dias no hospital foram um borrão de visitas, remédios e tentativas frustradas de encaixar as peças soltas na minha mente. E, embora o médico tenha dito que eu voltaria ao "meu lar", tudo o que encontrei na casa da minha mãe e do meu padrasto foi uma sensação de estranheza que não conseguia dissipar.

Na primeira noite, quando finalmente consegui um momento de silêncio, pensei na ligação que tive com meu pai, Michael. Ele me contou sobre a separação, sobre como as coisas haviam mudado. Em sua voz, havia uma tristeza que me atingiu, mas também uma promessa de que agora que ele estava sozinho, a casa sempre estaria aberta para mim, caso eu quisesse morar com ele.

Essas palavras ecoavam em minha mente com frequência, especialmente quando eu tentava me sentir confortável no quarto que agora era meu e falhava. Tudo parecia correto demais, alinhado demais, como se cada detalhe da casa tivesse sido cuidadosamente planejado para dar uma aparência de normalidade que eu não conseguia aceitar.

E, então, havia Dean. Seus gestos, sua maneira de falar comigo, sempre tão atenta... mas havia algo ali, algo que me fazia recuar instintivamente. Ele se preocupava comigo de uma forma que não conseguia entender, como se a cada momento buscasse uma desculpa para me tocar, ajeitar o travesseiro, ou apenas se certificar de que eu estava bem. Era estranho, desconcertante. E o que mais me deixava confusa era que, em vez de sentir segurança, eu apenas me sentia deslocada.

Minha mãe também não ajudava. Ela parecia distante, com sorrisos forçados e comentários que sempre deixavam algo por dizer. Era como se eu fosse uma hóspede, alguém que estava ali temporariamente, e não sua filha. E, mesmo assim, Dean parecia mais atento, mais preocupado do que ela.

Essas observações voltaram a me puxar para a conversa com meu pai. Poder morar com ele, deixar essa casa e tentar achar algum sentido para toda essa confusão parecia a solução perfeita, mas eu não conseguia tomar a decisão.

A cada vez que vejo minha mãe, mais pálida e magra, uma sensação amarga percorre meu estômago. A verdade é que não me lembro da última vez que a vi comer de verdade desde que voltei para casa. Ela está sempre à mesa, mas nunca comendo, pelo menos , não comida sólida. Quando tentei abordar o assunto, ela se voltou contra mim. É como se ela tivesse substituído uma compulsão por outra. Nós mal conversamos também.

Essa mesma sensação me remete às madrugadas, quando eu ainda era pequena. No silêncio da noite, eu acordava ouvindo passos leves pela casa, sussurrados, uma forma de choro contido. E lá estava ela, sentada na cozinha, à meia-luz, com um prato de qualquer coisa que tivesse preparado às pressas. Eu me aproximava, mas o olhar dela era vazio, fixo na parede, como se nada mais existisse. Quando notava minha presença, o vazio se transformava em severidade. "Não conte para o seu pai, Vallie. Se ele souber, ele vai embora. E você não quer que a gente acabe por sua culpa, quer?"

Eu só balançava a cabeça. Era pequena demais para entender, mas grande o suficiente para sentir o peso daquelas palavras. E agora, anos depois, revivo aquela culpa. Esse peso voltou para mim. Só que agora ela está ali, com o mesmo olhar cansado e o corpo mais frágil, sem força até para aqueles jantares secretos que eu tanto temia encontrar.

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