Capítulo I : Treinando para as próximas Olimpíadas.

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-Quando tiver pronta, pode começar a correr.- falou o doutor, que ajustava minha esteira.
-Ok.-confirmei, preparando para correr.

O chão debaixo começou a se mover e eu movi minhas pernas. O doutor ao meu lado olhava para o painel da esteira e percebi que estava no modo caminhada. Ele queria me irritar! Só pode! Escorreguei meu dedo em direção ao botão que controlava a velocidade e assim fui aumentando. Dois. Cinco. Dez. Vinte quilômetros por hora e eu nem suava. É claro que não era fácil correr com fios pelo corpo, mas eu já estava acostumada.

De canto de olho, observei a doutora anotar em sua ficha meu desempenho. Voltei minha atenção para o Doutor que controlava minha velocidade e ele percebeu que eu o olhava, sorriu e perguntou:
-Posso aumentar mais ?
-Claro. Achei que nunca ia pensar nisso. - respondi, irônica.

Seu sorriso aumentou e ele apertou o botão. As primeiras quatro horas foram tranqüilas como uma volta no parque. Um grande parque.

Por fim, minha esteira foi desligada e meus fios desconectados. Todos os cientistas da sala se aglomeraram diante a uma grande tela. Desci cuidadosamente e peguei o copo de água que esperava por mim em cima da mesa de canto. Caminhei até ficar ao lado de um dos cientistas e vi o que eles tanto observavam. Era meus dados. Batimentos cardíacos, movimentos pulmonares, o funcionamento do cérebro e muitas outras coisas. Assim como eles, eu avaliei meus progressos.
-Nada mal.- disse eu com olhos fixos na tela.
-Nada mal mesmo. Sua resistência física foi duplicada. O cérebro está funcionando muito bem, mesmo com o todo o esforço aplicado sobre ele.- comentou o Doutor.

Para mim, todos eram "doutores" (homens) e "doutoras" (mulheres), sem diferença entre eles. Do quê me importava saber seus nomes? Eles só queríamos me estudar. Ver como a criança zodíaca funcionava, agia e pensava.

Senti uma mão em meu ombro. Olhei, assustada para a pessoa dona da mão. Era raro um dos doutores fazer contato físico comigo ou com o Gê. Eles nos considerava meio "perigosos". Então, qualquer contato vindo de fora era espantoso. Era um dos doutores, possuía olhos claros e sempre era muito gentil.
-Venha! Temos uma surpresa para você! - anunciou ele, sorrindo.

Arqueei as sobrancelhas, completamente surpresa. Confirmei com a cabeça e comecei a segui-lo. Caminhamos em silêncio o trajeto todo. Eu podia sentir os dois cientistas atrás de mim, mantendo a segurança e evitando que eu "tente alguma coisa" ( ex.: fugir). Passámos pela Sala Central, que era na verdade um grande hall bem no meio da instalação. Estranhei assim que pegamos um corredor que dava acesso a área restrita. Observei com mais atenção e vi homens trabalhando para construir muitas coisas no enorme espaço que tinham. O doutor parou diante a um vidro que dava visão de toda obra e estufou o tórax, assim como eu fazia quando ia falar com eles.
-Projeto T, essa será sua futura sala de treinamento. Reparamos seu avanço físico e notamos que precisa de novas atividades, pois as que está executando são insuficientes. Essa nova sala contará com piscina, pista de corrida, quadra de basquete e uma academia. Tudo em tamanho olímpico. - exclamou o doutor.

Assenti, feliz. Mesmo sem saber o que as palavras "tamanho olímpico" significavam, aquilo parecia muito legal e incrível. Ele passou uma folha para mim e a estudei. Era a planta da minha sala. Eu pude ver como tudo se encaixava perfeitamente. Suspirei e devolvi a folha.
- Vai ficar muito legal. - confessei.
-Sim. - ele mudou o peso dos pé.- Está na hora de voltar e descansar.
-Ok.- concordei, retornando a Sala Central.

Mais uma caminhada silenciosa. Enquanto andava, comecei a pensar. Até que foi um bom dia. Eu ia ganhar uma nova sala de treinamento, estava melhorando e nem me sentia cansada. E em todo o mês, essa foi a primeira vez que que falaram tanto comigo. Tinha dia que acho que esqueciam de que eu sei falar e nem me dirigiam a palavra. Para mim, pouco importava!? Às vezes, eu parava e questionava a humanidade deles, assim como faziam comigo. Virei num corredor familiar e segui em direção a minha sala/cela/quarto. O doutor parou e digitou a senha que fazia a porta abrir e fechar. Assim que o painel acendeu uma luz verde, minha porta de vidro se abriu e fui para seu interior. Pii. Trancada de novo. Olhei para minha cama perfeitamente arrumada. Em cima dela havia uma muda de roupas brancas e uma toalha de banho. Fui na direção de outra porta da minha cela e a abri.
-Banheiro! Que bom de ver, cara!- exclamei, fechando a porta.

Após um bom banho com água morna para relaxar os músculos, eu me sentia novinha em folha. Vesti a regata branca e as calças largas (é claro, era branca também). Sim! Todas as roupas que usavamos eram brancas. Não tínhamos opções de cores e nem direito de escolha. Sai do banheiro e sentei no chão, ao lado das grades que separava a minha cela da do Gê.

Ele pulou da sua cama e se sentou ao meu lado. Nós tínhamos um ano de diferenças (eu era a mais velha), mas não quer dizer que eu era a mais alta. Gê aparentava ser mais velho, com seus 1,76 metro de altura. Ele tinha a pele clara e olhos claros. Seu cabelo escuro estava cortado curto, estilo militar. No momento, usava uma regata e shorts brancos.
-Então, como foi?- perguntou, sorrindo.
-Normal. Gê, o que é "tamanho olímpico" ?- perguntei curiosa. Um conselho: caso você queira de qualquer coisa, fale com o Gê. Ele lê muito, então sabe muito.
-É algo muito grande, Tory. Existem uma competição esportiva que exige tamanhos realmente grande. Essa competição se chama "Olimpíadas", onde só os melhores atletas participam. Porque a pergunta? - perguntou de volta.

Aproximei-me mais das grades e disse:
-O doutor disse que estão fazendo uma nova sala de treinamento para mim e é desse tamanho. Eles disseram também que meu desempenho físico aumento e que preciso fazer mais coisas.- expliquei.

Esperei alguma resposta, porém o silêncio predominou.
-To, será que algum dia vamos sair daqui? Tipo ter uma vida normal? - perguntou ele, sonhador.
-Não somos normais. E além do mais, será difícil conviver com os civis. Eles não vão se acostumar com a gente nem a gente, com eles. Aqui não é tão ruim. - confessei.
-Talvez, mas nunca vamos saber se continuarmos nessas jaulas.- contra-atacou ele.
-É. Eu sei, porém não temos escolha. Estamos aqui e não vão nos deixar sair. - suspirei.- É melhor mudarmos de assunto, antes que dê confusão para o nosso lado.

Ele apenas assentiu e se apoiou melhor na parede, deixando a cabeça cair de lado. Era a deixa. Gê estava pensando e quer falar.
-Pode falar.- anunciei.
-Tory, você se lembra da sua vida antes de vim para cá?- perguntou ele, animado.
-Esse assunto de novo, Gê?- questionei, elevando a voz.

Eu não gostava daquele assunto. George teve seus primeiros anos com sua família, com uma mãe e um pai, enquanto eu nem sabia o que era ter isso. Não! Eu não me incomodava com isso. Os doutores um dia me disseram que isso não mudaria minha criação ou mentalidade; que de qualquer jeito eu teria que ir para o Setor H, para que pudessem me proteger. Por isso estávamos ali. Eu e o Gê.

-Eu me lembro de algumas coisas,Tory. Lembro-me de gostar de natais e de piqueniques no parque. Foi um bom tempo para mim. Porque para você não? - interrogou de volta.

Comecei a me levantar.
-Não foi ruim. Só não gosto de falar sobre isso. - exclamei, ficando de pé.

Até porque nunca existiu, completei mentalmente.

-Porque?- questionou ele novamente.
-Porque sim, Gê. Quer saber, estou cansada. Já vou para a cama. Boa noite.- falei indo na direção da minha cama.
-Boa noite, To.- disse ele, soando meio triste.

Desabei na cama e fechei os olhos. Escutei o chute leve que Gê deu nas grades. Ele estava decepcionado e quando ficava assim, sempre descontava em alguma coisa. Sorte minha nunca ter sido essa "alguma coisa". Eu não senti o meu cansaço, até meu rosto tocar o travesseiro e meus olhos se fecharem imediatamente.

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