Capítulo V :Uma estranha nos oferece uma ajuda

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Seu nome era Rose. Ela nos ofereceu um lanche e roupas limpas. Não eram novas, já que havia conseguido as peças por meio de doações. Contudo, para nós estava perfeito. Fiquei pelo menos vinte minutos olhando para o reflexo colorido do espelho. Cores! Eu me sentia outra pessoa com aquelas roupas. Escolhi uma blusa vermelho, um casaco preto e uma calça jeans. Depois de tantos anos, aquele momento foi o primeiro que me senti viva; humana. Agora, eu não era um projeto. Era uma pessoa, uma garota.

E eu não era a única animada com as cores. Gê saiu sorrindo do pequeno banheiro, quase pulando. A srta. Rose nos fez sanduíches e suco fresco, dizendo que a viagem seria longa e que precisaríamos estar bem alimentados. Ajudamos ela a terminar de colocar as caixas no carro e fechamos a biblioteca. Ela nos contou que daqui uma hora sua amiga chegaria para substitui-la em seu serviço e não teria problemas o local ficar fechado por alguns minutos.

Saímos antes do almoço. Eu estava admirada com tudo. Pela primeira vez, não senti medo. Pelo contrário, estávamos em segurança. Rose cantarolava junto ao rádio, quando decidi olhar para lado e admirar a paisagem do lado de fora. O céu estava limpo e totalmente azul. Suspirei feliz por estar vendo aquela paisagem. Tantos anos trancada no segundo andar subterrâneo da A-51 e em nenhum deles, saímos para fora. Tomávamos pílulas com vitamina D e tínhamos contato apenas com luzes artificiais para que nossas células se acostumassem com luminosidade. Porém, eu tinha ansiedade para experimentar aquele tipo de sensação. Queria passar algum tempo diante a luz solar e senti seu calor; saber como é receber algo natural, fornecido a todos e não feito pelo homem. Não queria mais nada que os doutores fizessem por nós. Nada daquilo teria a mesma força que algo da terra.

Com o passar das horas, comecei a sentir-me inquieta, ansiosa pelo desconhecido e com receio de que as coisas não continuaria dando certo como estava acontecendo até agora. George ficou calado boa parte do tempo, como se pensasse em milhares de teorias para tudo a nossa volta. Dividíamos os bancos traseiros do carro, enquanto Rose dirigia na frente. Talvez fosse medo de um de nós dois ficar sozinho com ela ou de nos separarmos. Eu não sabia ao certo. Gê colocou a mão na minha perna, com a palma voltada para cima. Aquele era um gesto nosso e compreendi o que ele queria falar: Você também está com medo? Respirei fundo e coloquei minha mão sobre a sua, confirmando sua pergunta. Como se não conseguisse evitar, deixei meu cérebro mostrar uma lembrança guardada.

Acordei, ofegante e logo meus olhos se encheram de lágrimas. Eu havia tido um pesadelo horrível. Olhei em volta a procura de ajuda. Qualquer uma. Na cela ao lado, o menino havia parado de chorar e conseguirá dormir. Levantei e pulei da cama, alta demais para uma criança. Fui até a porta e encostei-me nela, voltando a chorar alto. Eu queria que algum doutor viesse me ajudar. Estava morrendo de medo. Em poucos minutos, uma doutora apareceu.

- O que foi desta vez? - perguntou ela. Sua cara sonolenta denunciava que eu havia acordado-a.

Limpei as lágrimas, tentando parar de chorar.
- Eu...tive um sonho muito ruim. - contei.

Escutei seu suspiro alto.
- Não foi nada, certo? Pare de chorar e volte a dormir. - conselhou ela.
- Não consigo. Estou com medo. - confessei, esperando que me entendesse.
- Olha, Projeto T, estamos em uma madrugada e muita gente quer dormir aqui. Trabalhamos duro durante todo o dia e precisamos dormir. Se for continuar a chorar, por favor, chore baixo para não incomodar os demais. - e saiu.

Novas lágrimas surgiram em meus olhos. No escuro da minha cela, senti-me abandonada. Custava muito me ajudar?
-Ela é má. - comentou alguém.

Virei para o lado e vi o garoto. Ele chegou pela manhã e ainda estava se adaptando a tudo no setor, chorando boa parte do dia. Naquele momento, encontrava-se sentado do lado das grades que separava nossas celas.
- Todos são. - respondi.
- E por que você estava chorando? Está tudo bem? Também sente saudades da sua mãe? - perguntou ele.
- Não. Só tive um pesadelo e estou com medo. Apenas isso. - exclamei, voltando a olhar para o corredor a minha frente. Parecia que ele competia com minha cela, na tentativa de saber quem mais me assustava.
- Posso te ajudar. - exclamou ele.
- Como? - interroguei, afastando-me da porta e sentando perto das grandes.
- Dê-me sua mão. - pediu ele.
- E o que vai fazer com ela?
- Apenas segurar. Vamos. Eu não mordo.
- Mas tem dentes.
- Minha mãe fez isso uma vez comigo e jamais esqueci. Vai te ajudar também.

Aproximei-me mais das grades e segurei firme em sua mão.
- Agora, conte-me sobre seu sonho. Se contar, ele não acontecerá. Já me disseram isso e por isso que não devemos contar nossos sonhos bons. - explicou ele.

Não era a resposta que eu esperava, mas era a única que tinha, então fiz o que disse. No final, minhas lágrimas já tinham secando em minhas bochechas e senti-me mais calma.
- Obrigada...É,não sei seu nome. - falei, perdida.
- George. E o seu? - perguntou de volta.
- Tory. Vou te chamar de Gê. Tudo bem para você?
- Sim. É bom conhecer alguém nesse lugar. Vamos fazer um combinado?
- Qual?
- Quando um de nós estiver com medo, basta apertar a mão do outro. Assim, entenderemos rapidamente.
-Certo. Isso parece legal. Combinado, então.

Voltei para a viagem e balancei a cabeça, tentando fazer meus pensamentos se organizarem. A viagem durou menos de vinte e quadro horas como esperávamos e tudo passou como um grande borrão. Mal lembro de tudo que aconteceu. Chegamos em New York pela manhã. Eu sentia meus músculos doloridos por ter dormido de qualquer jeito no banco. Rose nos levou para tomar um café-da-manhã em uma lanchonete no centro da cidade e decidimos nos separar por ali mesmo. Ela seguiria seu caminho enquanto eu e Gê íamos em busca do nosso. Antes do adeus final, ela acabou dando vinte dólares para cada um de nós para nossa próxima refeição. Despedimos dela, afirmando que cumpriríamos com a promessa.

De volta as ruas, continuamos caminhando tranquilamente pela calçada. Os prédios enormes e o grande fluxo de pessoas e automóveis foi as coisas que mais me chamaram a atenção. No meio de tantas pessoas, pude observar cada uma. Algumas andavam calmas, como se tivessem apenas passeando; outras caminhavam com passos apressados. Umas traziam consigo risos e brincadeiras em grupo, enquanto outras passavam sérias sem observar o que acontecia ao seu redor. Senti uma mão segurar meu braço e me puxar.
- Por aqui, To. Vamos sair do meio do tumulto. - chamou-me Gê.

Concordei com um aceno e deixei-me ser levada. Viramos algumas ruas, adentrando em uma parte mais calma da cidade. Senti algo diferente, como se nos puxassem para aquela região.

- Tory, só eu que estou com uma sensação estranha? - perguntou Gê, quebrando o silêncio.
- Não. Também estou assim. É tão diferente aqui fora. - comentei.
- Também acho. Vamos encontrar um bom lugar para conversar e ver o que fazemos agora. - orientou ele.
- Certo. - confirmei, olhando em volta.

De repente eu vi um prédio pequeno e velho.
-Olha, outro lugar abandonado. Podemos ir para lá e conversar, já que não terá ninguém e poderemos falar o que quisermos. - exclamei.
- Perfeito, To. Vamos para lá.- disse ele, já atravessando a rua.

Sem pensar duas vezes, segui-o.

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