Fazia apenas dois dias que tínhamos voltado da nossa missão na A-51 e desde então, não me sentia a mesma. A conversa que tive com a doutora ficava repassando na minha mente a todo momento, em meus sonhos ou em momentos que estava livre. Eu não queria voltar a ser o centro de uma pesquisa, ser estudada novamente, mas se eles não tivessem informações novas, muitas pessoas seriam demitidas. Famílias poderiam passar por apuros se eu continuasse na minha ilha, incomunicável. A doutora até propôs uma participação sem contato algum com a A-51. Será que a doutora era confiável? Que cumpririam com sua palavra? Eu não sabia com quem conversar ou se alguém me entenderia. Era tantas dúvidas sobre como agir.
Desde o momento que chegamos em casa, Gê estava na missão dada por si mesmo de filtrar os arquivos da A-51 e separar para mim o que era sobre nós. Nesse tempo, Melissa não voltou a aparecer ou algo do tipo, o que para mim, era um alivio. Menos uma coisa para me preocupar.
Era tarde da noite e eu mal conseguia dormir. As dúvidas continuam pesando no travesseiro, dando-me pesadelos ou insônia. Coloquei minha xícara na mesa ao meu lado e continuei a olhar o céu noturno. Esperava que alguma respostas aparecesse magicamente assim como meus problemas brotavam a minha volta.
Fechei os olhos e massageei minhas têmporas com as pontas do dedo. Involuntariamente, um acontecimento veio em minha mente. Havia acontecido naquele dia, horas atrás. Eu tinha acabado o treino com Peter e estava sentada no sofá da sala, quando ele se aproximou.
- Levanta!- pediu ele.
- Ah, não. Eu acabei de sentar. - reclamei, cruzando os braços.Peter odiava um não como resposta. Como se eu fosse a pessoa mais leve do mundo, ele me segurou pelo braço e levantei quase em um pulo. Eu estava pronta para reclamar ou lhe dar uma bronca, quando sentir seus lábios tocarem nos meus. Por um curto instante na minha vida, eu havia até esquecido como se respirava. Todavia, quando consegui reiniciar meu cérebro, encaixei minhas mãos em seu peito e o empurrei de leve. Ok, o meu leve. Peter parou alguns passos de distância e colocou a mão na boca. Achei que poderia ter o machucado, porém ele apenas riu.
- O que foi isso? - perguntei, confusa.
- Um beijo. Eu já te dei um antes. - respondeu ele.
- Não foi bem isso que eu quis dizer. Por que fez isso?- interroguei novamente.
- Porque eu quis. Só porque você acha que é errado, não quer dizer que eu concorde e não vá fazer. - retrucou ele.
- Então, quer dizer que quando sentir vontade, vai vim e me beijar, sem ao menos ter uma explicação plausível?- supus, extremamente irônica.
- Exatamente assim. Que bom que entendeu. - falou ele, saindo da sala.Demorei um pouco, pensando sobre suas últimas palavras. Será que não tinha entendido a ironia da frase ou apenas ignorou? Ah, garoto petulante!
Balancei a cabeça, voltando para a realidade.
- Concentração, Tory. -pedi a mim.Respirei fundo e sentei na poltrona, tomando meu chá. Estava no meu último gole, quando o escutei. Nem me virei para ver quem era, apenas encostando nas cotas da poltrona. Ele parou atrás de mim.
- Noite difícil? - perguntou ele.
- Um pouco de insônia apenas. E você, o que faz acordado a essa hora, Gê? - perguntei.
- Como sabia que era eu? - interrogou ele, sentando na poltrona ao meu lado.
- Fácil como respirar. Cada um de nós andamos de um jeito e eu reconheço de longe o som dos seus passos. - respondi.
- Ok. Você observa bem. Eu acabei de acordar de um pesadelo. Fui te procurar, mas não estava no quarto. Então, desci para tomar um copo d'água e vê se estava aqui. - comentou ele.Assenti, sorrindo. Sempre fazíamos aquilo. Quando um de nós tinha pesadelos, era comum ir procurar conforto no outro. Aquele costume tínhamos criado no inicio da nossa amizade e acabamos levando para nossas vidas fora do Setor H.
Depois de alguns minutos quieta, resolvi falar.
- Gê, se você tivesse a oportunidade de ajudar uma boa quantidade pessoas, mas em troca teria que fazer algo que não gosta, você faria mesmo assim? - questionei.
- Isso depende muito do que eu teria que fazer.- respondeu ele.Pensei por alguns minutos em situações que o Gê não gostava e escolhi uma.
- Se você tivesse que ajudar a construir casas para pessoas que moraram na rua, você faria isso?
- Sim.
- Mas você não gosta disso. Não terá tempo para seus estudos nem nada disso. Mesmo assim, faria?
- Sim, Tory. Seria algo passageiro. Eu não faria isso para sempre. Uma hora, tudo tem fim. E afinal de contas, eu estaria ajudando pessoas, certo? Você mesma ficou inconformada com a injustiça do mundo. Acho que esse seria um jeito de compeçar as coisas ruins.
- Certo. Obrigada, Gê.
- Então é isso que etá tirando seu sono?
- Hum.
- Não seria mais fácil me contar o que realmente está acontecendo?
- Não é necessário. Mesmo sem saber, já me ajudou e muito.
- Tudo bem.Se Gê tinha dado o passe livre, quer dizer que a ideia não era tão má assim. Talvez eu pudesse realmente ajudar aquelas pessoas, sem afetar minha família. Assim que amanhecesse, eu ligaria para a doutora e deixaria clara as minha exigências.
Nos minutos seguintes, o silêncio pairou no ar, como uma neblina matinal. Apesar do Gê demonstrar sono, eu sabia que não dormiria mais. Nossas respirações estavam tranquilas e auditivas naquele momento. Gê se movimentou na poltrona, ficando de frente para mim.
- Faz tempo que não ficamos assim, não é? Digo, só nós dois conversando, sem nada para se preocupar. - falou ele em um tom melancólico.
- Concordo. Nossa vida na A-51 nos fazia aproveitar cada minuto que passávamos perto um do outro. Até nossas refeições eram diferentes do que as que temos aqui. - retruquei.
- Sinto que estamos distantes, To, e eu não gosto disso. Sinto falta dos momentos que sentávamos perto um do outro e conversávamos sobre qualquer coisa. Sinto falta da nossa tranquilidade e sem querer ser egoísta, mas também sinto falta da sua atenção. Sinto a sua falta, To. - resmungou ele, falando a última frase cabisbaixo.Por um momento, aquilo pesou no meu coração. Será que eu tinha o abandonado assim? Eu sentia muito, mas era tantas coisas para resolver, pensar e fazer que mal sobrava tempo para pensar no lazer.
- Eu estou sempre pela casa, mas você só fica na biblioteca. Que tal você sair mais de lá e eu posso arrumar um tempo para conversarmos mais? O que acha? - perguntei.
- Acho bom. Muito bom. Contudo, podemos aproveitar o agora também.- propôs ele, levantando-se.
- O quê? Como? - interroguei, confusa.Invés de me responder, Gê apenas estendeu a mão para mim. Eu temia um pouco o que passava pela aquela mente maluca, mas era o Gê. Então, não me importei muito e segurei em sua mão. Ele apenas me guiou até o sofá e me fez sentar. Logo em seguida, ele se sentou ao meu lado e abraçou-me, colocando sua cabeça em meu ombro. No começo, assustei-me. Porém, não vi motivos para tal reação e relaxei meus músculos. No final acabei apoiando meu braço em suas costas. Apesar da situação estar estranha, eu não liguei muito para aquilo. Se Gê estava bem daquele jeito, então estava tudo certo, não é?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Doze Dons Do Sol
AdventureDoze crianças nasceram especiais. As crianças zodiacas. Uma para cada signo, planeta e constelação. Duas delas estão sobre a supervisão e cuidados do Governo. A A-51 era seu lar, mais precisamente o Setor H. Após um blecaute em todo prédio, Tory(Tou...