Capítulo XLVI: O Reencontro

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Bom, devo começar dizendo que esse último mês não foi fácil. Foi um mês que estive sozinha; que aprendi na prática tudo sobre uma vida normal. Porém, primeiro, eu tenho que contar resumidamente como foi minha jornada até ali. Assim que sai da ilha, não tinha noção para onde iria, porém fiz um túnel mesmo assim. Por estar triste e meio perdida, acabei parando em Aokigahara. Vão por mim, não é um lugar amistoso para se estar. Aquela floresta era procurada por pessoas para cometer suicídios. Por fim, acabei passando dois dias no Japão. Dei uma breve passada na Alemanha e África. Depois de duas semanas perambulando, decidi voltar ao Brasil. Era estranhamente decepcionante  estar em todos aqueles e não se sentir bem.

Mesmo com medo de ser encontrada, permaneci na capital paulista. Escolhi um bairro afastado e aluguei um apartamento pequeno com a ajuda dos doutores. Como eu ainda os ajudava, também pedi um favor. Eles disseram que se responsabilizariam por tudo, então não me preocupei muito. Por tanto, ficar uma semana sem nada de interessante para fazer quase me enlouqueceu. Foi então que tive a ideia mais maluca do ano: eu pretendia trabalhar.

Fazia seis semanas que estava longe de casa e todos os dias pensava na minha família. Como estariam sem mim? Estariam bravos ou tristes com minha partida? Talvez um pouco dos dois. Eu temia voltar e ser mal recebida, mas sentia que isso seria apenas consequência de minhas atitudes.

Eu estava quase dormindo no vidro do táxi, quando o motorista afirmou:
- Chegamos!

Olhei para fora e em seguida para Carla. Ela sorriu e disse:
- Eu pago essa. Você pagou a última.

Assenti e sai do carro, trazendo Thomas totalmente bêbado comigo. Tive que me concentrar para não pôr força demais e não levantar suspeitas. Por fim, o carro se foi e Carla veio me ajudar a carregar Thomas. Sim, esse Thomas. Aquele guarda da A-51 que conversava comigo durante o tempo que fiquei presa no Setor H. Durante a minha viagem, acabei esbarrando com o garoto na Argentina e depois de algumas horas conversando, ele incrivelmente teve a ideia de me ajudar em minha jornada. Nem dizendo mil "não", ele não desistiu. Acabou se mudando para o apartamento ao lado do meu, tornando-se meu vizinho e durante a noite, enquanto eu trabalhava, ele ficava andando pela boate. Como eu era segurança disfarçada da boate, era complicado ficar de olho nele e no meu trabalho ao mesmo tempo. Por isso, tinha vez que bebia demais e sobrava para Carla e eu cuidarmos dele.

- O que houve? - perguntou Carla, tirando-me de meus pensamentos.
- Estava... pensando. - confessei.
- Deixe-me adivinhar: na sua família que você teve que deixar para trabalhar na capital? - supôs ela.
- Não vim necessariamente para trabalhar. Isso foi uma conseqüência. - afirmei.
- E por qual outro motivo você abandonaria sua casa para estar aqui?

Sorri e neguei com a cabeça, fugindo da pergunta. Ela nunca entenderia. Subir as escadas do prédio não era muito fácil, principalmente com Thomas bêbado. Se eu pudesse usar minha força, aquilo seria tão fácil quanto carregar algodão. Mas não! Eu tinha que agir como uma pessoa normal. Depois de alguns minutos em silêncio, Carla voltou a falar.
- Se você está pensando tanto neles, por que não faz uma visita? Assim você mata a saudade e volta melhor. - falou ela, animada.
- Mas aí que está o problema: se eu for, não pretendo voltar. - confessei.
- Por que não? - perguntou ela.
- Eles são tudo para mim e estar longe está sendo muito difícil. Mais difícil do que imaginei. Eu saí para o bem deles e sinto que logo vou voltar.
- E vai nos deixar assim? Na cara dura?
- Haha. Eu prometi voltar. Tem pessoas muito especiais me esperando. Saí para ficar pouco tempo.
- E quando pretende ir?
- Estava pensando em semana que vem. A boate no final do mês sempre é mais tranquila.
- É porque todos já gastaram seus salários.
- E assim, Sr. Arthur não terá muita confusão para resolver até achar outra pessoa para pôr no meu lugar.
- Duvido que achará alguém tão bom quanto você. Tem certeza que precisa ir? Você mal chegou.
- Agora, eu tenho. Mas prometo vim visitá-los.
- Olha que promessa é dívida. E depois a senhorita pode me passar seu endereço que dou um jeito de ir te ver também.
- Depois.

Estávamos terminando de subir as escadas do nosso andar quando quase derrubei Thomas ao ver três pessoas paradas no corredor. Apoiei Thomas novamente e abaixei a cabeça, sorrindo por vê-los ali. Estava muito feliz por finalmente ver alguém de casa. Caminhamos até estar ao lado deles e murmurei:
- Já volto!
- Sem pressa. - falou Esther, sorrindo. Era claro o alívio em seus olhos, apesar de estar com profundas olheiras.

Assim que entramos no apartamento de Carla, ela perguntou:
- Você os conhece?
- São parte da minha família. Pelo visto me acharam.- brinquei.
- Certo, garota. Você precisa conversar com eles, então vá logo! - aconselhou ela.
- Ok. Qualquer coisa, é só me chamar.- falei, sorrindo.
- Eu só queria entender porque ele tem que ficar aqui? - interrogou ela, apontando para Thomas em seu sofá.
- Porque: a) Não temos a chave do apartamento dele e não vamos procurar. B) estou com visitas. Não dá para ser na minha casa e c) Você pode aproveitar esse tempo sozinha com ele, porque eu sei que você gosta dele. - falei, correndo em direção a porta.
-Tory, cala a boca! - gritou ela, totalmente envergonhada.

Parei na saída e sorri.
- Até amanhã! - falei, fechando a porta bem na hora que ela jogou uma almofada em minha direção.

Neguei com a cabeça e olhei para meus amigos me esperando. Eu estava tão aliviada por eles não aparentar raiva ou ódio de mim. Arrumei a mecha de cabelo atrás da orelha e peguei a chave, abrindo a porta.
- Vamos conversar lá dentro. Há muito para discutirmos. - confirmei.

Apesar de não dizer uma só palavra, os três confirmaram e entraram.

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