Capítulo XLIX: Acerto de contas

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Estavamos entrando madrugada a dentro e assim como o hospital, eu não dormi ou descansei. Não sentia necessidade de nada. Assim que percebemos que Gê ficaria um tempo no hospital, Esther insistiu que eu tratasse meus ferimentos. Foram machucados leves e fácies de tratar, porém recusei ser atendida pela instituição. Queria que eles se concentrassem no Gê. Com muita perseverança da Esther, concordei em ir em uma farmácia e ser atendida pelo funcionário do local. Apesar dele aparentar estar muito curioso com o que tinha acontecido, o rapaz continuou fazendo os curativos sem questionar nenhum de nós três. Após pagarmos, Esther propôs que fôssemos comer pela redondezas, mas recusei. Por estar ativa, sentia a energia correndo pela minha corrente sanguínea e não sentia vontade de nada, nem de comer. Estava bem do jeito que estava ali. Continuei na recepção até eles voltarem. Logo que nos reunimos nas cadeiras geladas do hospital, o silêncio se espalhou pela região.

Esther estava cochilando, enquanto Peter aparentava brincar com os dedos. Já eu estava de braços cruzados e provavelmente com uma cara de que iria socar alguém, porém eu não conseguia pensar e não expressar nada. Lembro-me estar distraída e acabar passando o dedo em cima da tatuagem, sentindo-a quente. Assustei-me, mas tentei não demonstrar. Puxei a manga do casaco que colocara mais cedo, cobrindo a tatuagem e afirmei:
- Eu vou ao banheiro. Já volto.

Peter apenas concordou, porém seus olhos escuros demonstravam  preocupação. Mesmo assim, afastei-me com passos lentos até o banheiro. Como estava vazio por ser tarde da noite, dobrei a manga do casaco até o cotovelo e coloquei o braço debaixo da torneira, ligando-a. Eu realmente esperava que a água gelada fosse resolver aquele probleminha. Porém, assim que sequei a região, o calor ainda era o mesmo.

-Ah, por que isso está acontecendo? Nunca aconteceu antes. Como faz para parar? - perguntei, entrando em desespero.

Olhei no espelho e e respirei fundo. Ficar daquele jeito não me ajudaria. Ia ficar tudo bem. Quanto mais nervosa eu ficasse, pior seria. Toquei novamente no local e apesar estar quente, não doía. Aquilo deveria estar acontecendo devido ao tempo que estava usando meus poderes. Fazia quase vinte e quatro horas que estava sobre seus efeitos.
- Dá para ficar assim temporariamente. Eu consigo. -  afirmei, arrumando o casaco.

Sai do banheiro e dirigir-me ao bebedouro, na tentativa de me acalmar com um pouco de água. Estava enchendo um copo, quando Peter se encostou na parede e cruzou os braços. Na hora, levei um pequeno susto. Ao ver que era ele, respirei fundo e coloquei a mão sobre o peito, vendo meus batimentos cardíacos acelerados.
-Ai, Peter. Não faz isso! Meu coração é fraco. - falei em reação ao susto.

Ele se limitou a rir por segundos até seu rosto tomar uma aparência de cansaço e preocupação.
- Como você está? - perguntou ele.
- Você sabe que estou bem. - confessei, bebendo a água. - Só quero que tudo isso acabe.
- Eu também. Fiquei confuso com você calada esse tempo todo. Como a Esther disse: nunca é bom o seu silêncio. A última vez, você sumiu. - falou ele com amargura.
- Eu sei que vocês não gostaram daquilo. - confirmei.
- Ninguém gosta de ver a pessoa que ama partir. Nós ficamos preocupados. Eu fiquei. Não sabia se estava bem, se comia as refeições corretamente, se tinha a onde dormir ou se estava segura.
- Eu já consigo me cuidar sozinha. Porém agradeço a preocupação. Também fiquei preocupada com vocês, mas tinha que fazer aquilo. Precisava desse tempo realmente. Tenho a consciência que foi um tempo difícil pra todos.
- Tudo bem. Ninguém disse que seria fácil, não é mesmo?
- Não.
- Importante é que você voltou e a partir de agora, ficará tudo bem.
- Com certeza.

Peter se aproximou de mim, inclinando-se para frente, quando a Esther nos surpreendeu com a cara brava.
- Muito legal da parte de vocês me deixarem dormi no banco do hospital. Sabe quem me acordou? O médico! - respondeu ela.

Abaixei a cabeça, sorrindo e imaginando tal cena.
- E o que ele disse?- perguntou Peter, sério.
- Que o Gê está bem, mas como perdeu uma boa quantidade de sangue, eles querem que ele passe a noite aqui e será liberado de manhã. - explicou ela.

Suspirei, aliviada.
- Ótima notícia! Isso me deixa mais leve; melhor. - falei. - Terei um tempo para resolver um probleminha então.
- Que problema? - interrogou Esther.
- Prometo não demorar. Assim que o Gê for liberado, liguem para o John. Ele vai os levar até o portal. Em breve, nos veremos em casa. - afirmei, afastando-me.
- Tory...- chamou o Peter.
- Confiem em mim. - pedi, saindo correndo.

Apesar de tudo que tinham sofrido, eles confiavam em e eu não queria decepcioná-los. Eu tinha que manter em mente que tudo ficaria bem. Assim que alcancei a saída do hospital, liguei para doutora. O telefone mal tocou e já fui atendida.
- Alô, doutora?- chamei-a.
- Projet...Tory! Que bom ouvir sua voz! Isso quer dizer que deu tudo certo. Você conseguiu fugir.- confessou ela.
- Estava mesmo preocupada?- perguntei, surpresa.
- Sim. Não. Não sei.
- Respira.
- Haha. Certo. Para falar a verdade, estava preocupada sim.
- E o Dr. Estevan chegou aí?
- Ainda não. Por que? O que aconteceu?
- Eu tenho contas a acertar com ele. O que aconteceu hoje não pode passar em vão. Assim que ele chegar, mande-me uma mensagem.
- O que houv...

Antes que completasse sua pergunta, desliguei. Ela não precisava saber de tudo. Aquilo era assunto meu.

Estava escuro e frio. Porém, mesmo assim a movimentação do trânsito era constante e isso me fez pensar em como chegaria em Las Vegas rápido.  Mesmo que fizesse um túnel e fosse correndo, ainda demoraria muito.  Então, uma velha memória se fez presente naquele momento:

"Mais uma vez, ele mugiu, agradecendo por ter salvado sua vida e passou um aviso: se eu precisasse de algo, ele estaria um mugido de distância."

Sim! De touro seria bem mais rápido. Fechei os olhos e me concentrei no animal, chamando-o. Esperei poucos minutos até o touro sair correndo da lateral do hospital. Ele mugiu, saudando-me e o cumprimentei com um aceno de cabeça. Observei o jovem animal e sorri. Era um belo touro. Sua pelagem era marrom escuro e seus olhos negros demonstravam empatia no momento.

- Precisávamos fazer uma longa viagem!- exclamei.

Ele mugiu de volta.
- Las Vegas. Preciso resolver algumas coisas lá. Pode me ajudar?- questionei.

Mugiu novamente, concordando e abaixando sua cabeça. Entendi aquilo como a deixa para subir nele e comecei a pequena escalada. Assim que estava no lugar certo, o touro levantou sua cabeça, como se esperasse as próximas ordens.
- Ache um espaço com terra.

Ele concordou e começou a correr. Seria uma longa e maluca viagem.

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