Capítulo XLVII: Preciso voltar para casa.

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Entramos em silêncio no meu pequeno apartamento. Assim que entramos, desejei ter lembrado da bagunça que fiz e tê-los convidados para comer na lanchonete da esquina.

Olhei ao redor com decepção.
- Será que devo pedir desculpas pela bagunça ou finjo que não vi? - perguntei a mim, batendo a ponta do dedo no lábio.

Senti uma mão no meu ombro e quase pulei a janela com o susto.
- O lugar não é o mais importante. Precisamos conversar!- exclamou Gê.
- Certo. Comecem. - pedi, ligando a cafeteira.
- Onde esteve nesse tempo todo? - perguntou Esther.
- No começo, não parei quieta. Fiquei andando pelo globo todo. Eu queria achar o lugar certo. - falei indo para meu quarto.
- E esse lugar era São Paulo? - questionou Peter.

Entrei no meu quarto, tirando o vestido escuro e pegando uma regata juntamente com um short jeans. Vesti-os rapidamente e voltei a sala/cozinha.
- Eu não consegui ficar muito longe. - afirmei, ligando o notebook que tinha no balcão.

Gê olhou para o eletrônico e depois para mim.
- Ainda trabalha para eles? - perguntou ele e pude sentir a reprovação em sua voz.
- Trabalho com eles, não para eles. Durante esse tempo longe, pude avaliar minhas atitudes e percebi que o que estou fazendo nunca foi errado. - confessei, mexendo no aparelho.
- Eles te aprisionaram durante a vida toda, To. - falou Gê com mágoa.
- Eu sei. - concordei.

Levantei e fui em sua direção. Estava tão próxima que sentia sua respiração bater  no topo da minha cabeça. Coloquei a mão no seu peito e disse:
- Perdoe-os!
- O quê?- perguntou ele.

Dei um passo para trás.
- Esse rancor, essa mágoa toda não faz bem para nós. Então, perdoe-os. Eu entendi isso. Entendi como o mundo funciona. Tudo caminha na base do capitalismo, do dinheiro. A maioria daquelas pessoas nem sabiam o que estão fazendo, quem está ferindo. São apenas marionetes nas mãos dos mais fortes. Eu sei que lá possuem pessoas más, que querem nosso mal, mas também há pessoas normais que não tiveram muitas opções e trabalham lá apenas para sobreviver. Se você pudesse, também manteria o emprego de pessoas inocentes, não é? - perguntei.

Gê não disse nada, porém levei aquilo como um "sim". Ele não aprovava aquilo, mas no fundo do coração eu sabia que se fosse ele no meu lugar, estaria fazendo a mesma coisa. Fui no balcão e peguei a xícara com café.
- E também são os doutores que estão pagando tudo: água, luz, transporte, aluguel do apartamento, linha telefônica. - falei, mostrando o celular.
- E por que estava até agora longe de casa? Que-ero dizer, esperamos um bom tempo lá fora. - anunciou Peter, tropeçando nas palavras.
- Por mais que eles pagam tudo, eu  consegui um emprego. Sou uma segurança de uma boate há umas quadras daqui. Comecei faz pouco tempo, mas consegui a confiança de muitas pessoas e posso usar meus poderes secretamente. Ninguém desconfia por conta da minha aparência pequena e "inofensiva". - falei, fazendo aspas com os dedos.
- Mas, a roupa...- comentou Esther, curiosa.
- É parecida com as que os clientes usam. Assim posso me misturar facilmente na multidão. Geralmente, estou sempre com uma escuta no ouvido na linha com os demais seguranças. É um bom trabalho. - falei.

Então, houve um silêncio. Olhei cada um rapidamente, curiosa para saber o que se passava em suas mentes.
- Você cresceu bem. - comentou Esther com um sorriso.
- Obrigada. - agradeci.
- Realmente. Você mudou, To. Uma mudança sútil, mas claramente visível. - disse Gê, parando ao meu lado.
- E isso é bom? - perguntei.
- Sem dúvidas. - confirmou ele, empurrando-me levemente.
- Conversa vai, conversa vem e eu ainda não perguntei o porquê da ilustre visita.- mencionei, brincando.

De repente, todos me olharam com uma mistura de tristeza e preocupação.
- O que houve? - questionei, sentindo um nó na garganta.
- Assim que percebemos que você não voltaria no final do dia, tentamos consolar os demais. Sabíamos que seria difícil. Todos são muito apegados a vocês. Aos poucos, todos estavam mais calmos, exceto por uma pessoa. Anelise. Desde aquele dia, ela anda comendo mal e passa boa parte do dia no quarto, sozinha. Nas últimas semanas, ela pegou uma virose forte e apesar do Doutor ter receitado alguns remédios, fizeram pouco efeito. A gente queria realmente respeitar seu tempo, mas estávamos com medo que o pior acontecesse. Por isso, estamos aqui. Suspeitamos que ela melhorará se você estiver ao lado dela. - contou Peter, mexendo a mão freneticamente.

Por um segundo senti-me sem ar, como se eu ouvisse o mundo explodir. Sem pensar muito bem, corri para o meu quarto. Como estava ativa, tirei a porta do guarda-roupa do lugar e passei a procurar minha mochila. Olhando as roupas, peguei algumas peças, enrolando-as e jogando na mochila. Fechei todas as janelas e coloquei meu notebook com o celular na mochila também. Peguei Gê e Peter pelos braços e os coloquei fora do imóvel. Esther apenas me seguiu. Apesar de muito nervosa, consegui fechar a porta.

Quando olhei para os meus amigos, todos estavam me olhando, surpresos.
- Você arrumou tudo isso em dois minutos? - perguntou Peter, incrédulo com suas palavras.
- Vocês deveriam ter vindo antes. - murmurei, guardando a chave no bolso do short. Olhei na direção do apartamento de Carla. Falaria com ela depois. O mais importante naquele momento era Anelise.
- Foi o que fizemos na última semana. - confirmou Esther. - Não foi fácil te achar. Você está...
- Voltando para casa. Estava planejando fazer isso semana que vem com calma, mas agora virou uma urgência. - comentei, descendo as escadas.
- Então, quer dizer que está pronta para voltar? - perguntou Gê, surpreso.
- Estou. Por que? Não quer que eu volte?- perguntei em um tom de brincadeira, mas no fundo, a pergunta era extremamente séria para mim.
- É lógico que quero. Você fez muito falta. - confirmou ele, ficando com as bochechas rosadas.
- Eu só precisava de um tempo para finalizar tudo aqui, primeiro. Demitir-me corretamente, dizer tchau aos meus amigos e terminar os laços com a A-51. Eu disse a eles que quando dissesse "acabou", eles parariam com tudo. - afirmei.

Acho que estava descendo muito rápido, pois eles mal me responderam por estarem ofegantes. Assim que estava a um andar do térreo, meu celular tocou.
- Alô. - atendi.
- Tory? - perguntou a doutora.
- Sim.
- Onde você está?
- Estou saindo de casa. Preciso resolver algumas coisas.
- Isso! Saia e não volte. Jogue o computador longe e saia o mais rápido possível.
- O quê? Por que?
- O Dr. Estevan descobriu que está trabalhando conosco. Ele está indo atrás de você. Temos um espião entre nós. Essa pessoa deu uma localização. Eu não sei ainda se é a sua, mas por segurança, saia daí. O diretor é perigoso e não podemos saber o que ele pode fazer. Volte para sua casa. Estará segura lá, não é?
- Sim, estarei.

Assim que desliguei, olhei para meu grupo.
- Poderíamos ir mais rápido? Estou sendo caçada! - exclamei.
- Como assim? Por quem? - perguntou Esther.
- Por ele. Pelo diretor da A-51...- confessei saindo do prédio.

Parei na hora. Estavamos perdidos. Aquele era nosso fim. Havia pelo menos três viaturas e muitos soldados. Dr. Estevan saiu do meio deles e eu o xinguei mentalmente, querendo pular em seu pescoço. Eu não aguentava mais aquela pessoa. Eles haviam nos cercado. A única saída era voltar para o apartamento, mas pessoas que moravam ali poderiam se ferirem sem motivo.

- Finalmente nos encontramos novamente! - falou o diretor.
- O que você quer? - perguntei, fechando as mãos.
- Proteger o mundo contra coisas como você! - respondeu. - Pegue todos! Atirem se for preciso.

Os soldados começaram a se aproximar.
- Não. De novo não. - sussurrei.
- Tory, o que faremos? - perguntou Esther.
- Eu...eu... Só fiquem atrás de mim. Vou tirar a gente daqui. - anunciei.

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