Alê - Parte I

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"São tantas lembranças e muita saudade que às vezes o coração para de bater e sofre como se estivesse apanhando."

        Jepasa

Nem consigo mais prestar atenção na conversa acirrada na mesa. Meu queixo repousa preguiçosamente em minha mão enquanto a outra arrasta o garfo pela comida e fico a observar o embate entre as mulheres e os homens sobre as cores que seriam utilizadas nas toalhas de mesa na festa de noivado. Claro que eu e Rodrigo estávamos de fora trocando olhares cúmplices de tédio. Mamãe e Liana tentavam avidamente explicar a diferença entre o branco gelo e o branco perolado para papai e Leo. Para mim não havia diferença nenhuma, mas não queria me posicionar nessa loucura deles e por fim fico quieto.

Minha comida já está fria e nem ao menos consegui comer a metade. Desde o dia que cheguei da fazenda (faz quatro dias) não consigo sentir fome e me sinto miserável a cada dia que passa. A cena de Laila gritando quase silenciosamente comigo, jogando na cara que a deixei, foi quase insuportável!

- Pare de brincar com a comida Alexandre! – Mamãe deu uma pausa na discussão para brigar comigo, me tirando de minha guerra particular. – Você não é mais nenhuma criança, mas se precisar posso dar o meu discurso sobre "As crianças da África". – Ela vem tentando me fazer comer usando o psicológico, porque creio que ninguém resiste a "as crianças na África estão passando fome e sede e você tem tudo isso e ainda não quer comer?!".

Dou um sorriso pequeno para ela, forço para dentro algumas colheres da comida garganta a baixo e quando ela não está mais olhando, me retiro da mesa com o prato, colocando o resto da comida rapidamente para Afrodite nossa Pit Bull. Ela tem uma cor caramelizada, assim como os olhos grandes e brilhantes. Assim que vê o que trouxe, ela abana o rabo imaginário para mim e joga seu corpo musculoso sobre mim tentando lamber meu rosto. Acaricio sua cabeça enorme e ela começa a babar minha mão, mas logo é distraída pela comida.

Volto para a cozinha, lavo meu prato, seco e guardo. Para ir à cozinha a três entradas, uma do quintal, uma da sala de jantar e uma do corredor dos quartos. Para que ninguém me veja, pego a última opção e me tranco no quarto. Essa é a única coisa que faço há quatro dias e sinceramente não a nada melhor a fazer além de ficar observando o site da prova para ver se ainda tenho minha vaga na universidade escolhida.

Coloquei a primeira opção para a cidade onde meus irmãos estudam, na capital, e a segunda coloquei para cá, ambas Eng. Civil. Estou confiante que tudo dará certo e como o resultado da prova saiu muito atrasado, quase perto das inscrições institucionais, a lista de aprovados saíra em breve, creio que na próxima semana, dois dias antes da festa de noivado de Liana.

Escuto uma batida na porta e ignoro, sei que é mamãe ou papai tentando me enxotar para fora do quarto. A batida enciste e sinceramente não quero ver ninguém, mas vou abrir logo para que a pessoa possa ir embora dali o mais rápido possível. Penso por um momento ser Laila, já que ouvi mamãe e Liana comentando que foi muito gentil da parte de Isabel (mãe de Laila) ter oferecido que a filha viesse e conversasse comigo para me convencer sair do quarto. Mal sabem elas que ela é a culpada por isso, na verdade eu sou e só estou pagando pelo que abri mão.

Mas é Liana. E é claro que ela não desistiria tão fácil, eu conheço minha irmã, por isso abro a porta e a deixo entrar.

- Então. Porque você está se isolando de todo mundo? Nem Rodrigo é assim e depois de A... – Ela não termina a frase. Eu sei de quem ela ia falar, mas fico quieto, esse assunto apesar do tempo ainda é doloroso para ela. – Ok, mesmo depois de tudo ele ainda consegue pelo menos tentar mostrar que tá bem e você simplesmente se afasta e olha que Laila mora na frente de casa e não em um lugar totalmente inacessível! – Seus nervos afloram e ela começa a descarregar em mim sua frustração.

Desde o primeiro momento ela gostou de Laila e sempre quis o melhor para mim, isso é obvio já que é minha irmã, mas ela nunca havia falado nada. Nem uma palavrinha sequer. Não havia se posicionado. Eu apenas fico olhando-a encostado na porta fechada. Liana está com os cabelos negros na altura dos ombros e seus olhos azuis. como os de papai, brilham.

- Realmente pensei que você não fosse ser tão burro! Por isso nunca disse nada, eu pensei que você não deixaria essa chance única da vida ir assim! Como você pode deixar a garota que ama ir embora? Como e por quê? – Ela anda pelo quarto chutando algumas coisas minhas que estão no chão frustrada e eu quase corro para perto de minha cama. Eu preciso ficar próximo dela para ter um lugar confortável para cair assim que minha irmã calar a boca. – Dá para ver nos olhos dela que te ama! Sei que ela também ama Jorge, mas isso foi culpa sua! Sua! E sua! – Diz de frente para mim batendo a mão aberta em cima do meu externo com certa força até que eu sente na cama. – Até Rodrigo com seu coração de pedra conseguiu amar, apesar do que aconteceu, mas ele lutou por ela e com toda certeza continuaria lutando se não tivesse acontecido o que aconteceu! Você só era um pirralho quando... quando... – Sua voz estava embargada. – Quando Amanda se foi, mas sei que lembra como ele ficou! Eu vejo o jeito que nosso irmão olha para vocês dois, o desgosto, a inveja e pena... - Ela para tomando fôlego e sei que ainda há mais coisas a dizer, mas é interrompida por um fungado vindo da porta.

Nem ao menos tínhamos ouvido a porta abrindo e mesmo assim lá está Rodrigo com lágrimas escorrendo dos olhos livremente e uma mão de aço comprime meu coração em um aperto frio. Nunca o vi chorar.

Liana olha de mim para ele atordoada. Esse assunto foi banido da casa há cinco anos, e hoje durante todo esse tempo foi à primeira vez que ele foi tocado. Claro que quando eu era novo, perguntava para nossos pais ou até mesmo a eles dois sobre Amanda, onde ela estava. Lembro que a adorava, mas nunca me respondiam só me diziam grosseiramente para procurar alguma coisa a fazer e esquecê-la. Sempre pensei que ela havia abandonado Rodrigo e ido morar em outro lugar, mas agora não tenho mais essa certeza.

Rodrigo sempre foi o Sr. Frozen, somente Amanda ultrapassou essas barreiras e foi justamente ela que as levantou novamente quando se foi levando meu irmão a ruína. Meu maior medo era exatamente esse. Ser deixado por Laila! Eu vi meu irmão se afogando em vícios e entrando em fases totalmente desconexas com o que ele realmente é! Por isso a afastei quando vi que estava sentindo algo que não conseguia descrever. Assim que fiz o que fiz, Laila pôs o seguinte status em uma rede social: "Amar é destruir e ser amado é ser destruído" e eu pensava exatamente isso. Somos novos e nunca imaginei que daríamos certo e eu não poderia ter sido mais errado. Quando é verdadeiro o sentimento dura, não importa o tempo e meu irmão está aqui para provar. Amar e ser amado não são nada destrutivos, só é quando você não luta por ele com tudo que há em você!

Rodrigo vira as costas sem dizer nada e vai para o seu quarto e finalmente Liana sussurra "depois continuamos" e se move indo atrás dele. Eu apenas fico ali sentado na cama encarando a porta escancarada. Penso em ir atrás deles, mas o que diria? Eu nem ao menos sei como realmente foi à história! Eles nunca me falaram. Antes era porque eu era muito novo e depois com o tempo o assunto passou como se ele nunca houvesse existido.

Liana era melhor amiga de Amanda e Rodrigo só era o amor de sua vida, não poderia perguntar tudo a eles, seria cruel demais. Saio do quarto e vou atrás de mamãe. Ela poderá me dizer o que realmente aconteceu. Ela é neutra afinal de contas.

Oi amores! O capitulo ficou pequeno propositalmente, porque no meio da semana irei um capitulo especial sendo narrado por alguém inusitado! Espero que fiquem ligadinhos aguardando! 

Obrigada por todos os votos e comentários! Amo isso haha Espero que venham muitos mais!

Beijinhos, Mah!

O garoto da frenteOnde histórias criam vida. Descubra agora