Capítulo 1 - A Casa

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— Pegou as porcelanas que sua bisa te deu? É séro, se não levar acho que ela te mata! — falou a minha mãe, conferindo as caixas etiquetadas espalhadas no chão da casa. 

— Peguei mãe, eu peguei tudo. — falei, cansada, pois ela já tinha feito mil perguntas como essa.

— E os seus diários? 

— Pra que eu vou querer os meus diários de quando tinha oito anos? — comecei a encaixotar minhas roupas de inverno.

— Sei lá, são seus escritos históricos. — ela zanzava pra lá e pra cá com uma fita crepe, etiquetando tudo o que dava na telha.

— Não temos estante pra livros, assim que tiver, eu volto pra buscar. Prometo. — eu nunca viria buscar.

— Pensando bem, acho que quero ficar com eles. — disse ela, indo em direção ao quarto.

Meu pai estava na sala, assistindo ao jornal do almoço de sábado. Parecia muito irritado com toda aquela bagunça, mas no fundo estava triste com a minha mudança. Meus irmãos, por outro lado, estavam soltando fogos de artifícios e disputando quem ficaria com o quarto.

— Me diz uma coisa, será que no interior tem muito inseto?

Olhei, entediada para a minha mãe, era uma pergunta tão idiota que nem valia o esforço.

— Acho que vou na farmácia fazer um estoque de remédios e repelente pra você! — disse e saiu pulando as caixas. Meu pai suspirou da sala, desaprovando a energia que minha mãe estava gastando com tudo aquilo.

— O que você tá de mau humor aí no sofá, hein? — perguntei, mas já sabia o motivo.

— Não tinha uma faculdade mais perto pra você fazer? — resmungou.

— Você sabe que não tem. Moda é um curso muito específico, pai.

— Nada a ver ter moda lá no meio do nada e na capital não ter. Isso não faz sentido pra mim.

— Pois é, mas não tem o que fazer. Você pode ficar bravo por eu crescer e fazer faculdade... — comecei.

— E se mudar pro interior, mais ou menos quatro horas de distância da casa dos seus pais. — completou ele.

— Ou, você pode se conformar e me ajudar a colocar as caixas lá no caminhão do vovô.  — disse, levantando uma delas e indo em direção à porta.

Meu pai nunca foi muito bom em demonstrar sentimentos, geralmente ficava na sentado na sala, numa cadeira de praia, assistindo aqueles programas de perguntas e conversando com a TV. E nesses momentos, ele descontava quaisquer emoções que estivesse sentindo. Se estivesse com raiva, xingava os participantes que erravam as respostas, se estivesse feliz, fazia piadas. Dessa vez estava tão chateado que não respondia à nenhuma pergunta do apresentador, e isso era uma raridade. 

Sentei no sofá por alguns minutos, estava cansada de carregar tantas caixas e de empacotar todas as minhas coisas. Eu não queria admitir, mas estava detestando tudo aquilo também. Morar com a minha melhor amiga sempre foi um sonho, mesmo quando ela se apaixonou pelo meu irmão e violou nosso pacto de não namorar até os quarenta (pacto esse que deixou nossos pais muito felizes por um tempo), ainda sim, sempre foi o nosso plano. Mas o plano original sempre foi expulsar o velho Heitor da casa do lado, e ser vizinhas dos nossos pais, não nos mudar para uma casa tão longe que nem o sinal de internet pega direito na rua. 

Porém, era um mal necessário, e isso era um sacrifício em troca do diploma tão sonhado por nós duas. Uma em Moda e outra em Design de Produto. Finalmente conseguiríamos realizar um dos itens da lista "coisas para se fazer antes de ficar milionária" que fizemos com doze anos. Mas, aparentemente, meu pai não conseguia enxergar dessa maneira. Ao invés disso, só conseguia pensar que a faculdade estava arrancando uma de suas filhas do ninho em que ele e minha mãe construiram para nós.

O irmão da minha melhor amigaOnde histórias criam vida. Descubra agora