Mudanças

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Em algum momento as vozes no fundo se tornaram silenciosas, e senti um vazio absurdo dentro de mim. Alissom e eu estávamos em pé de guerra há anos, e talvez eu não ficasse tão triste com as brigas, porque eu sabia que sempre voltávamos ao normal, e tudo sempre ficava bem. E talvez ali, eu tenha me dado conta de que era a última vez, era a última briga. Tudo dentro de mim gritava pra se libertar, aquela dor era de longe, a mais dolorosa que eu já havia sentido. Mais do que ser traída, mais do que ouvir as besteiras que a minha mãe dizia o tempo todo sobre eu não ser suficiente, mais do que quase ter perdido a Duda para avó dela... Eu estava diante do grande amor da minha vida, enquanto ele escorria entre os meus dedos como se fosse areia da praia.

Senti meu estômago todo se revirar, me encolhi, passando os braços pela barriga, tentando segurar o que quer que fosse aquela vontade de gritar e chorar feito uma criança. Depois de alguns minutos, tentei abrir os olhos, mas foi uma tentativa falha, pois uma dor absurda atravessou minha cabeça, fazendo eu me encolher ainda mais. Tentei novamente, e a dor veio ainda mais forte, mas eu estava determinada a acordar naquele dia, mesmo que fosse pra ficar me lamentando. Contei até três, mentalmente, e abri os olhos de uma vez só. A claridade me deixou um pouco tonta, e fora de foco, por isso, demorei pelo menos uns três minutos pra perceber que estava no meu quarto, e não jogada no sofá na casa da Agnes. 

Aquilo era ainda pior, pois além de tudo o que eu estava sentindo, ainda teria que esconder, pois a pessoa que estava me causando tudo aquilo, ainda morava no mesmo lugar que eu. Mas era isso, não? A vida adulta da qual todo mundo gostava de reclamar, onde você não pode correr pro colo da mamãe e esperar que ela lute suas guerras por você. Ouvi batidas na porta, prendi a respiração sem perceber.

— Kate, eu posso entrar? — Alissom pediu, ele estava falando baixinho. 

As lágrimas alcançaram os meus olhos mais rápido do que eu previ, e de repente meu rosto já estava vermelho e molhado. Tentei me levantar e correr pra trancar a porta, mas parecia que minhas pernas haviam assumido a consistência de gelatina, e falhado miseravelmente durante o caminho, por isso acabei caindo em cima do móvel ao lado da cama, e derrubando o copo de água que eu nem havia notado que estava lá. Com o barulho do vidro se espatifando no chão, e o resto das coisas caindo, Alissom entrou imediatamente, me encontrando deitada no chão ao lado dos cacos. Parecia perfeitamente adequado, já que meu coração parecia estar da mesma maneira. 

Ele correu até mim, afastando os cacos e colocando uma toalha no chão molhado. Não ousei olhar para ele, nem fazer menção de que iria me levantar, porque era isso que eu queria fazer: ficar deitada no chão o dia inteiro até que aquela dor fosse menos aguda. 

— Eu não quero você aqui. — falei, mas pareceu um sussurro.

— Você se machucou? — Ele perguntou, parecendo não ouvir meu protesto — Vamos, eu vou te ajudar a levantar, se apoia em mim. — dito isso, tentou levantar meu braço, passando ele em volta de seu pescoço. Mas eu puxei de volta, fazendo ele olhar para o meu rosto.

— Eu não quero a sua ajuda, Alissom. — tentei ao máximo segurar a bola na garganta e não chorar feito uma garotinha na frente dele. 

— Quer parar de ser teimosa? Eu estou tentando te ajudar a levantar do chão. — ele bufou, me suspendendo pelos joelhos.

— Eu não quero levantar! — me debati, para que ele me colocasse no chão, mas não fez nenhum efeito —  No chão é exatamente o lugar onde eu devo estar, saia.

— Para de ser dramática. — ele resmungou, me colocando delicadamente em cima da cama.

— Dramática? — meus olhos se encheram de ódio. Era sempre assim, ele fazia coisas que me magoavam e depois vinha cuidar de mim, como se tudo estivesse bem, mas não dessa vez! — Não, eu não estou sendo dramática. Você não pode quebrar o coração de uma garota, e depois vir com essa cara de bom moço e tentar colar os pedacinhos. Se eu estou no chão a culpa é sua, mas não é sua função me levantar daqui, eu vou ter que fazer isso sozinha.  — comecei a gritar, mas tinha sido uma péssima ideia, já que minha cabeça parecia que ia explodir.

O irmão da minha melhor amigaOnde histórias criam vida. Descubra agora