Merecia

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Levou alguns dias pra eu sair do hospital, pois meu exame de sangue saiu alterado, mas nesse período, fui muito bem tratada pelas minhas amigas e pelas enfermeiras. E pelo Alissom.
Isso me deu muito tempo pra me perguntar: por qual motivo Alissom não saía mais do meu quarto?

Ele estava lá todos os dias, cuidando se eu tinha tomado remédio, se eu estava com dor, se eu havia me alimentado. Ele queria cuidar de mim, pelo menos parecia. Talvez ele só estivesse me cuidando como cuidaria a Agnes, como uma irmã. Ou será que não? Algo dentro de mim torcia para não ser isso. Devia haver outro motivo!

Quando cheguei em casa estava tudo arrumado, tinha flores por toda a parte, a maioria dos meus amigos que me mandaram, e Alissom estava me esperando na cozinha.

— Nossa... — falei, olhando para a mesa repleta de comida — Foi você que fez tudo isso?

— Sim, mamãe sempre dizia pra fisgar a minha futura esposa, pelo estômago. — ele ficou melancólico.

— Eu sei, ela dizia isso pra mim também. — me sentei, erguendo os olhos para ele — Então eu devo ser a sua futura esposa, certo? — brinquei, por mais que essa frase fizesse cócegas na minha boca.

Ele sorriu, queria dizer algo, mas se deteve, largando o jornal com vários círculos vermelhos em minhas mãos.

— Eu... andei procurando alguns lugares. Tenho que juntar uma graninha ainda, mas acho que em um mês ou dois, consigo me mudar. E então não vou ser um incômodo pra você. — ele falou, não estava contente.

Sua informação acertou e cheio meu estômago, havia perdido o apetite.

— Nunca disse que era um incômodo. — murmurei.

— Não precisava dizer, você demonstra isso com suas ações. E também, sempre deixou claro o quanto me despreza. — sua voz saiu baixa.

Queria gritar, dizer que não o desprezava, era apenas... apenas uma armadura para me proteger dele. Apenas nossa brincadeira de implicar um com o outro, ele não entendia?

— Sinto muito se te magoei. — falei, tentando desfazer o nó em minha garganta. O que era aquele sentimento?

— Você adora derramar minha fama de dois anos atrás, em cima de mim. — ele murmurou, saindo da cozinha.

Retirei a louça da mesa, guardando as comidas na geladeira, intocáveis. Agnes não estava em casa, havia dormido no apartamento de Gabriel, (o que irritou Alissom profundamente) o que significava que eu teria que ir para a escola sozinha, e obviamente, Alissom não queria minha companhia.

Apesar de não estar nem um pouco afim de me encontrar com aquela asquerosa da Carolaine, não queria ficar em casa igual uma inútil. Mas o ônibus me deu muito tempo para pensar sobre a questão da conversa matinal. Por que eu tinha que estragar tudo?

A culpa era toda minha, pensei já no portão da escola. Era eu que o expulsava e o chamava de idiota, não era isso que eu queria? O afastar?  A verdade é que estava agindo feito uma criança: batendo no menino que eu gostava, porque era assim que se demonstrava interesse na infância. Mas, qual é! Eu já era uma adulta, e podia muito bem lidar com essa situação de uma forma madura, certo?

Assim que passei pela biblioteca, me retive por um segundo, parecia quase um imã. Fiquei espiando pela porta, Alissom distraído com os livros, na verdade, sua expressão era triste, e era minha culpa.
Tudo bem, eu iria falar com ele! Diria que ele não podia ir embora, porque eu gostava de sua companhia — o que não era totalmente verdade, pois eu o queria não apenas pela companhia.

Mas meus planos foram frustrados, pois de repente, Carolaine entrou na pequena biblioteca, esvoaçando os cabelos loiros e rebolando mais do que o normal. Senti meu anjinho feminista me cutucar nas costelas.

— Eu não estou julgando ela pela aparência! — sussurrei para mim mesma.

Foi então que vi ela se aproximar de Alissom, de um jeito nada gentil, pelo contrário, cheio de segundas intenções. Pude perceber que Alissom não notou, humpf, os homens eram muito idiotas mesmo! Como ele não conseguia enxergar a intenção dela? Logo ele que se achava tão esperto com as mulheres...

Isso só me lembrou da bronca que eu havia dado nele, quando ele ficou com uma de minhas colegas de turma (que estava em frangalhos), e disse "eu não tenho culpa se as mulheres se atiram aos meus pés", e eu comecei uma discussão feminista sobre ele ser culpado de muitos corações partidos, por tratar as mulheres como prêmios.

Acho que de algum modo, ele se ajeitou, pois nunca mais o vi com nenhuma menina. Pelo menos, era o que Agnes dizia, " meu irmão tomou jeito, finalmente". Diante daquela cena, da menina mais bonita da escola se insinuando para ele e ele com a expressão completamente confusa, me perguntei se Agnes estaria mesmo certa.

Uma pontinha de esperança me fez estremecer. "Acho que ele está apaixonado", a voz de Agnes inundou minha mente e me peguei pensativa. Seria verdade? Alissom estava... apaixonado? Por... mim? Engoli seco, mas é claro que não! Ele nunca se apaixonaria por min, ele me conhece há anos, me vê como um menino.

"Se ele te visse como um menino, não teria te beijado daquela maneira", uma vozinha irritante soou na minha cabeça. Ah, aquele beijo...

Balancei a cabeça, afastando o devaneio, não precisava disso agora! No mesmo instante, parecendo uma grande ironia, vi Carolaine enrolar seus dedos na camisa de Alissom, e o puxar para um beijo nada decente.

Eu queria sair correndo, mas meus pés não me obedeciam, queriam que eu visse que as meninas bonitas sempre conseguem o que querem. Carolaine era a mais cruel de todas, se alguma coisa não estivesse em sua posse, ela a tomava, sem qualquer preocupação.

E foi o que tinha acabado de fazer com Alissom. Ri comigo mesma, não era patético? Pensar que ela tomou alguma coisa, se ele nem mesmo me pertencia... Mas Carolaine não merecia aquele privilégio, não merecia estar sendo beijada, não merecia sentir o calor dele, nem desvendar seus segredos... eu é que merecia.

O irmão da minha melhor amigaOnde histórias criam vida. Descubra agora