110 dias. Adeus?

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Dirijo por uma estrada cercada de árvores dos dois lados. Tess não fala muito e eu acho que não devo incomoda-la, apesar de querer dizer e perguntar mil coisas.

- O que você faz da vida? - ela quebra o silêncio de repente. Eu diminuo o volume do rádio e olho rapidamente para ela.

- Sou sustentado pelo meu irmão e levo a minha irmã ao Colégio.

- Uau, sua vida é incrível - ela diz com notável ironia.

- Minha vida é uma droga, na verdade.

- Não é pior que a minha.

Dou de ombros.

- É, acho que não - ela ri com meu comentário. - estamos chegando.

Seis ou sete minutos depois, paro o Anglia embaixo de um Pinheiro e saio do carro. Ela faz o mesmo e pergunta, me olhando por cima do teto:

- E agora? - aponto para a caixa d'água à nossa frente. - o que é que tem?

- O Sol vai se pôr daqui a pouco - digo e seguro o braço dela. - vamos.

Dessa vez ela não hesita. Ela é primeira a subir a escada de madeira e espero até que esteja segura lá em cima, só então subo.

- Uau - ela diz ao ver a maravilhosa vista à nossa frente.

Um mar de árvores verdes e um céu alaranjado com o sol quase desaparecendo por completo é a paisagem à nossa frente.

- Eu vinha bastante aqui no ano passado - conto.

- Com a namorada? - Tess pergunta.

- Não. Sozinho.

Ela não diz mais nada e senta no chão de madeira, jogando as pernas para fora.

Permaneço de pé e observo o sol até que ele suma por completo; as estrelas agora surgem aos poucos.

- Está com fome? - pergunto.

- Mais ou menos.

- Vamos comer, então - estendo a mão para ela, que levanta. Descemos a escada de madeira e tornamos a entrar no carro. Não o lligo.

- Eu acho que a gente não deve se aproximar - ela fala de repente com a voz muito baixa. Me surpreendo e olho para ela, que baixa a cabeça.

- Eu já falei pra você que...

- Charlie, você não entende - sou interrompido.

- Mas eu quero te conhecer mais. Eu quero ser seu amigo e...

- Charlie, eu só tenho alguns meses de vida - ela diz de uma vez só, jogando as palavras para fora como se elas fossem e o câncer e estivessem mantando-a por dentro. Eu me calo. Até meus pensamentos se calam. Isso não pode ser verdade.

- O que você quer dizer com isso?

- Meu câncer está no estágio 4... E a quimioterapia já não estava mais fazendo efeito, então eu decidi parar. Foi muito difícil, mas meus pais concordaram comigo... - a voz dela começa a ficar embargada, como se desabafasse algo que estava segurando há muito tempo. - a quimioterapia estava me machucando muito e... Eu não estava vivendo. Eu não estava vivendo os meus últimos dias de vida - Tess leva a mão ao rosto e o enxuga. Ela levanta a cabeça e me encara, os olhos azuis e verdes agora rodeados por uma coloração avermelhada. - Você diz que sabe o que faz, mas eu sei que você não tem ideia do quanto é terrível perder alguém pro câncer. Eu também não sei, mas depois de passar cinco anos me preparando para deixar meus pais, eu... eu consigo imaginar como deve ser.

Ela para de falar. Mergulhamos num silêncio inquietante.

- Eu... - tento dizer algo com relação ao que ela acaba de me dizer, mas eu simplesmente não consigo digerir o fato de que ela morreria em alguns meses. É estranho. É como se ela pertencesse à minha vida há séculos e de repente eu descubro que irá partir para sempre.

Aperto o volante com força ao ouvi-la dizer:

- Você é jovem e merece uma amiga muito melhor que uma garota como eu.

- Você é incrível, Tess.

Ela ri tristemente.

- Você nem me conhece, Charlie... Você pode, por favor, me levar pra casa?

Fico em silêncio e ligo o carro. Eu e a Tess não somos tão próximos, mas desde o dia em que nos conhecemos, gostei da companhia dela em cada momento que ficamos juntos.

Dirijo até a casa da Tess e paro o carro com um tranco. Ela tira o cinto e, antes de sair, vira-se para mim e me dá um beijo na bochecha.

- Foi bom te conhecer, Charlie. Volta com a Mary, ela vai te fazer feliz - ela sai do carro, fecha a porta e caminha lentamente pelo gramado verde.

  Essa é com certeza a última vez que falo com essa garota. Admitir isso não é legal. Nem um pouco legal.

[CONCLUÍDA] A Contagem Regressiva de Charlie e TessOnde histórias criam vida. Descubra agora