115 dias. Na farmácia.

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Estou sentado na minha cama com o Mike. The Smiths toca no último volume e uma grossa camada fumaça paira pela minha casa/garagem.

- Um cara... - disse Mike, os olhos vidrados fixos no toca fitas. - ele... ele disse pra gente ir hoje.

- Hoje? Onde? - pergunto, encarando o tapete como se ele tivesse algo de interessante.

- Eu... - Mike ri do nada. - eu não sei... Sei lá! Ele vai me ligar. Eu acho - Mike ainda ri e, sem saber bem o porquê, eu o acompanho.

[...]

Estamos dentro do meu carro estacionado em frente à garagem. Mike respira fundo e diz:

- Eu realmente quero isso.

- Mas, Mike... Heroína é muito diferente de maconha, você sabe disso.

Ele faz um aceno distraído com a mão.

- É, é, eu sei disso. Agora vai, dirigi logo.

Me pergunto porque não digo nada, mas balanço a cabeça e ligo o carro.

Dirijo em silêncio até a farmácia que o Mike me disse para ir.

- Fica aqui. Eu volto num segundo - ele abre a porta e sai. Eu o observo entrar e parar em frente ao balcão. Mike tamborila os dedos ansiosamente em cima do balcão de vidro e eu espero.

Alguém entra na farmácia e Mike olha para trás, mas logo torna a virar a cabeça para frente. Eu me inclino para o lado para ver melhor. É a mesma garota que eu vi no primeiro dia de aula da minha irmã. Acho que ela se chama Tess.

Dessa vez ela está sozinha e para ao lado do Mike, esperando pela sua vez de ser atendida.

Eu não sei bem porque mas, quando percebo, enfio as chaves no bolso e abro a porta do carro.

- Mudou de ideia? - diz Mike, cruzando os braços e sorrindo.

Primeiro, a garota acha que Mike está falando com ela e abre a boca para dizer alguma coisa; mas quando ela me vê com o canto dos olhos, comprimi os lábios e torna a virar para frente.

- Mike? - alguém chama do outro lado do balcão. - pode vir - Sem hesitar, Mike pula o balcão de vidro e segue a voz.

- Só tem uma droga de atendente aqui? - reclama a garota ruiva. Ninguém responde e ela finalmente vira para mim. Eu não consigo disfarçar e me pego encarando seus olhos grandes e de cores desiguais. - o que é? Vai ficar aí parado me olhando?

- Você está melhor agora? - pergunto quase que involuntariamente, me lembrando do dia em que ela não parecia estar se sentindo muito bem lá no Colégio.

Ela levanta as sobrancelhas.

- O que você quer dizer com isso? Como assim "melhor"?

- Sei lá... Naquele dia você não parecia estar se sentindo muito bem.

- Ah... É - ela responde, como se eu tivesse dito algo que ela não gostaria de lembrar. - esqueci que você é um judeu muito curioso.

- Você ouviu o Bill dizer isso? - ela balança a cabeça e eu dou risada. Ela continua me encarando.

- O que você quer comigo, ein? - pergunta com desconfiança.

- Nada.

- Então porque você está falando comigo?

Dou de ombros.

- Porque eu estou afim?!

- Essa não é uma boa resposta - ela diz, se encostando no balcão.

- E o que você quer que eu diga? Que vim falar com você porque quero te sequestrar?

- Você quer me sequestrar?

Levo o dedo indicador ao queixo, fingindo estar pensativo.

- Sua família tem dinheiro? - pergunto.

- Não mais que a sua, tenho certeza.

- Então não vale a pena te sequestrar, sinto muito.

Finalmente ela dá o primeiro sorriso verdadeiro. Eu sorrio também. Ela é surpreendentemente linda.

- Charlie - Mike surge do nada e torna a pular o balcão, segurando um pacote. - Vamos? - ele lança um olhar rápido à Tess e passa na minha frente, em direção ao carro.

- Então... - digo, tentando pensar em alguma coisa que não pareça um tanto constrangedor.

- Então... Até mais, Charlie - ela se despede.

- Nos vemos no sábado? - questiono, por impulso.

- Sábado? O que tem sábado?

- O baile de boas vindas.

- Ah, o baile - ela faz uma careta. - Eu não vou.

- Por que não? - pergunto ao mesmo tempo que Mike começa a apertar sem parar a buzina do meu carro.

- Porque não - ela responde secamente.

- Certo... Tchau garota ruiva.

- Meu nome é Tess.

- Eu sei o seu nome - digo e me viro em direção à saída.

Entro no carro e, antes de dar partida, lanço um olhar rápido para ela, e a vejo conversar com o atendente.

 

[CONCLUÍDA] A Contagem Regressiva de Charlie e TessOnde histórias criam vida. Descubra agora