Antes de tudo. 14 de Fevereiro de 1981/ 07 de Junho de 1986.

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Estou deitada na maca do hospital. Sinto uma dor fraca no abdômen e meus olhos doem também. Meus pais e o Dr. Martin conversam na sala dele e eu realmente gostaria de saber o que eles estão conversando. Por isso, levanto silenciosamente da maca e caminho na ponta dos pés em direção à sala ao lado, meus cabelos balançando suavemente a cada movimento que eu faço.
- Isso é... É algo que nunca vimos antes, sabe - ao encostar a orelha na porta, escuto a voz do médico. - para todas as doenças sempre existe uma exceção, algo que nunca foi visto antes, e eu tenho que admitir que o caso da sua filha está incluído nessas exceções.
- O que você quer dizer com isso? - pergunta meu pai, sério.
- Olha, sinto em ter que dar essa notícia à vocês, mas a sua filha tem câncer - "O que é câncer mesmo?" eu me pergunto. - chamado Neuroblastoma. Ele é muito comum em bebês e crianças de, no máximo, nove anos. Mas a sua filha... quantos anos ela tem?
- Doze - minha mãe responde secamente.
- Doze anos... Isso é... É uma loucura. Podemos tentar usar o mesmo tratamento nela, mas eu não sei se ajudará.
- O que você quer dizer com isso? Podemos pagar pelos melhores tratamentos.
- Não, não, a questão não é essa. Quanto mais velho o portador desse câncer for, mais difícil é de curá-lo; pois conforme o tempo vai passando, o câncer de espalha pelo corpo e... eu temo que a sua filha não tenha mais que um ou dois anos de vida.
Levo as mãos à boca, assustada demais para conseguir controlar o grito de desespero que sai dos meus lábios. Eu só tenho dois anos de vida? Lágrimas brotam em meus olhos e eu não quero ouvir mais nenhuma palavra, por isso corro em direção à porta e passo pelo corredor às pressas. Eu não sei para onde estou indo, mas sei que quero fugir dali.
...
- Você não vai fazer isso! Nem em um milhão de anos! Melhor você desistir dessa ideia maluca - meu pai berra comigo. Eu e a minha mãe estamos sentadas no sofá e ele anda de um lado para o outro na sala, as mãos na cintura.
- É a minha vida, é a minha escolha e eu tenho certeza de que é isso o que eu quero - digo, tentando manter a firmeza. Mesmo querendo desabar em lágrimas.
- Mas eu sou o seu pai e eu mando em você!
- MAS ESSA NÃO DEIXA DE SER A MINHA VIDA! - vocifero. Ele franze o cenho e eu comprimo os lábios.
- Filha, pense melhor. Veja pelo lado bom: há cinco anos, o Dr. Martin disse que você só tinha mais um ou dois anos de vida e agora... olha só pra você! Já viveu muito mais que isso!
- Vivi? Não, pai, eu não vivi muito mais que isso. Eu sobrevivi. Sinto muito em te informar, mas isso não é viver. Você viu o quanto eu sofri durante todos esses anos?... com todos esses tratamentos inúteis e experimentos arriscados? Eu não quero mais isso!
- Então você vai simplesmente desistir?! - ele grita. Minha mãe ao meu lado chora feito uma condenada.
- Pai, eu sei que vou morrer, vamos ser sinceros. Todos esses tratamentos só estão adiando o inevitável e me fazendo sofrer ainda mais. Eu não quero mais isso. Mesmo que eu só tenha, sei lá, uns cinco ou seis meses de vida... - paro e respiro fundo. Uma lágrima escorre pelo meu rosto e eu o cubro com as mãos. Não foi fácil chegar à essa decisão, mas é isso o que eu realmente quero. - eu quero viver! Viver de verdade pela primeira vez em muito tempo... Sem o cansaço, as dores e todo o resto da quimioterapia. Quero ver meu cabelo crescer e quero voltar a estudar, mesmo que por pouco tempo. Eu tenho esse direito de querer viver antes de morrer... Não tenho?
Ele não responde. Leva as mãos à cabeça e se vira para a janela. Prendo a respiração.
- Eu já conversei com o Dr. Martin - continuo. - fomos totalmente sinceros um com o outro e ele também não acredita que eu conseguirei me curar. É como se a quimioterapia só estivesse me deixando mais fraca. Ele me falou sobre uns remédios que tornaria tudo mais fácil... quer dizer, um pouco menos difícil. Mas eu preciso da confirmação de vocês - a minha mãe ainda chora e ele ainda está virado de costas para mim. - se vocês disserem não, tornarão tudo mais difícil e meus últimos dias de vida se resumirão em dor. É isso o que vocês querem? - pergunto, secando o rosto com as mãos.
- Claro que não - diz minha mãe entre soluços.
Meu pai baixa a cabeça e diz:
- Eu... eu só não quero te perder - sinto um aperto no peito e a minha respiração se torna pesada. - Você é a minha filhinha e eu não quero que você nos deixe... Isso não está certo. Um pai nunca deveria enterrar um filho.
- Mas parece que Deus quis assim.
- Eu sei... - ele vira e vejo que seus olhos estão vermelhos. Levanto do sofá e caminho em sua direção. Ele me abraça muito apertado e eu já não consigo mais segurar as lágrimas. - Eu te amo tanto, minha filha... Estou fazendo isso por você, mas não estou nem um pouco feliz.
- Obrigada, pai - digo, soluçando bastante. - tudo vai ficar bem, você vai ver.
- Espero que sim.
Sinto um calor atrás de mim e vejo que a minha mãe também se juntou ao maravilhoso abraço da tristeza.
Fecho os olhos e apenas sinto o momento ao lado deles.

[CONCLUÍDA] A Contagem Regressiva de Charlie e TessOnde histórias criam vida. Descubra agora