109 dias. Dor

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109 dias. Terça. Dor.

Eu sei, eu sei, você deve estar me chamando de idiota DRAMÁTICA; eu te entendo. Mas não me odeie. Tente ver meu lado: segundo os médicos, eu tenho mais ou menos três ou quatro meses de vida. Já é duro o bastante saber que abandonarei meus pais e os deixarei quase caindo aos pedaços, criar qualquer tipo de laço afetivo nos último momentos da minha vida tornará tudo ainda mais doloroso.

Como é de costume, a minha mãe me leva ao Colégio e pára o carro no estacionamento.

- Você e o Charlie vão se encontrar hoje? - pergunta minha mãe. Onde já se viu isso, uma mãe empurrando a filha para a companhia de um cara desconhecido?

- Não, mãe. Eu não vou me encontrar com o Charlie hoje... Na verdade eu ainda me pergunto como de repente ele estava me visistando no hospital como se fosse meu melhor amigo que, por acaso, não existe.

Minha mãe ri.

- Ele é um rapaz bacana.

- E é exatamente por isso que não vamos mais nos falar - tiro o cinto e abro a porta. Como o destino e o universo me amam, assim que fecho a porta, vejo o Ford Anglia do Charlie entrar no estacionamento.

- Olha ele vindo aí - fala minha mãe de dentro do carro como se de repente eu tivesse ficado cega. Reviro os olhos e começo a andar.

A irmã do Charlie é a primeira a sair do carro e, em seguida, o amigo dele que eu não sei o nome.

Passo pelo Ford e não consigo me segurar: olho rapidamente para dentro do carro e vejo que Charlie já me observa.

Prendo a respiração e acelero os passos. Calma, Tess, está tudo sobre controle.

Subo os degraus e paro em frente à porta de entrada. Olho para trás e ele ainda está dentro do carro, os olhos fixos em mim.

Depois do que eu disse ontem, o que eu devo fazer? Entrar no Colégio e ignora-lo para sempre? Claro. Mas sabe o que eu faço?

Desço os degraus e atravesso o estacionamento em direção ao carro dele. Abro a porta do banco do carona e entro.

Ele me olha, silencioso. Seus cabelos estão mais bagunçados que nunca e eu reparo que a parte de cima do seu lábio tem um corte cicatrizado na vertical.

- Oi - digo.

- Oi - Charlie diz com a voz baixa. - mudou de ideia?

Dou de ombros.

- Acho que não... Mas acho que sim.

Ele sorri.

- Eu resolvi seguir o seu conselho - Charlie fala.

- Conselho? Não me lembro de ter te dado nenhum conselho.

- Voltei com a Mary - ele diz e a única coisa que consigo pensar é: Poxa, como ele é rápido. Mas enfim.  - ontem quando eu cheguei em casa ela estava me esperando na garagem e... conversamos e acabamos voltando.

- Que maneiro - digo, feliz que pelo menos um de nós está vivendo. - ela parece ser uma garota legal - minto. Eu nem havia olhado direito para a cara da Mary, mas quero passar uma impressão de que sei das coisas.

- Ela é. Mas... - parece que ele vai dizer mais alguma coisa, só que para no meio da frase. - Você precisa ir pra aula, certo?

- É - digo, mesmo não tendo nenhuma vontade de ir. - Mas não estou muito afim.

- Mas você precisa ir - ele diz como se eu não soubesse.

- Eu sei. Se você quer que eu saia, você pode dizer.

Ele ri e põe uma mecha de cabelo atrás da orelha.

- Você é a única pessoa que quer distância aqui.

Procuro alguma resposta para dizer, mas ele está certo. Quer dizer, mais ou menos certo. Eu não quero distância, mas quero.

Então, tão abruptamente quanto entrei, abro a porta e saio.

- Tess? O que houve? - ouço ele me chamar, eu paro. Qual o meu problema? Por que eu não consigo agir como uma garota normal?

Escuto a porta do carro atrás de mim abrir e fechar. Três segundos depois ele está ao meu lado.

- Eu não... Sei lá... Eu não sei o que está acontecendo - digo gaguejando, meus olhos se enchem de lágrima. -  Quer dizer, faz tanto tempo que eu não conheço ninguém que queria conversar comigo... Que não fuja de mim como se eu tivesse alguma doença contagiosa ou sei lá e aí você aparece e diz que quer ser meu amigo e... Eu não quero que você fique triste quando eu morrer, mas... Eu vou morrer sem nenhum amigo! E... E isso é terrível. Quer dizer, qual o propósito da minha vida se eu nem estou vivendo ela? - de repente eu estou chorando com as mãos no rosto. Os olhos fechados, sinto dois braços se etrelaçarem em volta do meu corpo.

- Calma, Tess. Não precisa chorar - Charlie fala, com uma voz suave. Seu cheiro lembra canela. - Eu acho que entendo um pouco o que você quer dizer.

- Se você entende, vai aceitar que eu...

- Não - ele me interrompe. - Você não quer ficar sozinha e eu não quero te deixar sozinha, ok? Então pare de se preocupar e vamos dar um passo de cada vez.

Apesar do abraço dele ser confortável, dou um passo para trás e enxugo o rosto na manga do casaco.

- Eu não quero que você pense que eu sou o tipo de garota que chora todo o tempo.

Ele ri.

- Eu não tinha pensando nisso até você dizer que não quer que eu pense. Agora é tarde demais... Você não vai entrar?

E só então eu lembro que eu ainda tenho aula. Droga. Cruzo os braços e digo:

- Depois de todo esse drama eu quase me esqueço que ainda estou viva e preciso estudar... Imagina se para entrar no céu é preciso responder um questionário?

- Eu com certeza iria direto para o inferno - ele diz sorrindo com uma tranquilidade assombrosa.

- Talvez eu também vá pra lá. Qualquer coisa eu volto pra te dizer como é.

- Não precisa - ele enfia as mãos nos bolsos.

Fico em silêncio por três segundos e encaro ele por mais tempo que deveria.

- É, agora eu acho que preciso ir. Tchau - me viro rapidamente e torno a percorrer o caminho para o Colégio.

Subo os degraus de concreto e, quando abro a porta, Mary sai.

- Ah, olá Tess!

- Oi Mary - digo. Ela passa por mim e eu me viro; Mary desce os degraus rapidamente e se joga em cima de Charlie. Eles se beijam.

Entro e fecho a porta com um pouco de força.

[CONCLUÍDA] A Contagem Regressiva de Charlie e TessOnde histórias criam vida. Descubra agora