117 dias. O Colégio

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Como se já não bastasse ter que ser trazida pela minha mãe no primeiro dia de aula, eu me sinto mal nos primeiros quarenta segundos de ano letivo e um cara estranho fica me encarando toda vez (duas vezes, na verdade) que a gente se encontra; quando ele me disse "oi", lá no estacionamento, a minha vontade foi de lhe mostrar meu dedo do meio e manda-lo se ferrar, mas aí eu lembrei que ninguém é culpado pela minha doença e que elas não merecem que eu despeje meu mau humor nelas; ele tinha os cabelos muito cheios e cacheados e seus olhos eram muito escuros, combinando com os cabelos e todo o resto (é, ele aparentemente era um daqueles caras que se vestem de preto basicamente o tempo todo e estão sempre revoltados com alguma coisa).

Estou sentada na primeira cadeira da segunda fileira, o que significa que estou bem na frente da minha professora de inglês que eu ainda não sei o nome. Ela é muito bonita. Não que isso seja algo importante para ser destacado numa pessoa. Usa um blazer marrom com ombreiras que combinam muito bem com seu salto de bico fino. Ela está totalmente na moda. Diferente de mim, que depois de tudo o que passei, a última coisa com que me preocupo é moda.

Eu não sei como, mas a primeira aula acaba sem que eu tenha ouvido uma única palavra da professora.

Coloco a mochila nos ombros e saio da sala.

- Ei! - ouço alguém me chamar. Com a perna doendo bastante, viro lentamente para ver alguém que eu com certeza não gostaria de ver no momento: minha antiga melhor amiga, a Sun. Você deve estar se perguntando: "por que antiga?". Bem, quando eu descobri que tenho câncer (sim, tenho câncer, falamos sobre isso outra hora), a Sun meio que se afastou de mim. Ela disse que eu precisava de espaço e que talvez a amizade dela me sufocasse. Tudo baboseira. Na verdade ela não queria ver todo o sofrimento que uma pessoa com câncer costuma passar. Ela estava ocupada demais tentando se encaixar nas líderes de torcida-super-populares. - Tess! Quanto tempo! - ela fala, com um sorriso enorme pregado no rosto. Permaneço parada feito uma estátua porque: 1- eu não quero falar com ela; 2- quanto menos movimentos eu fizer, melhor. Às vezes, do nada, minha perna começa a doer e isso é horrível.

- É, acho que a última vez que a gente se viu foi quando você não foi me encontrar no shopping. Ah, não! A gente não se encontrou, porque você não foi - digo, tentando controlar a irritação. Ela arregala os olhos como se não esperasse que eu fosse dizer uma coisa dessas.

- Eu... - ela gagueja. - eu quero... me desculpar...

- Ah, não precisa, relaxa. Eu estou muito bem morrendo de câncer e sem nenhum amigo para me sufocar. É maravilhoso! - forço uma risada para esconder meu tom sarcástico.

Sun faz uma careta esquisita.

- Você... você está morrendo, Tess? - ela pergunta em voz baixa.

- Infelizmente eu não fui atingida pelo milagre divino e meu câncer não foi e nem será curado.

- Hã? Por que não? - sutilmente, ela levantou os olhos para a minha cabeça e encarou por milésimos de segundos meus cabelos curtíssimos.

Eu até poderia responder, mas não quero que ela saiba. Na verdade, não quero que ninguém saiba. Já não basta o olhar de pena quando eles notam que eu tenho câncer, saber que eu...

- Tess? - ela me traz de volta àquele corredor agora vazio. Pisco algumas vezes para focar a visão nela, que sorri. - Eu realmente preciso ir agora. Depois conversamos, ok?

Dou de ombros e ela passa por mim com sua roupa de líder de torcida em direção à escada para o terceiro andar.

- Calma, Tess. Esse é só o primeiro dia... - falo para mim mesma.
Minha mãe quase não me deixa voltar ao Colégio, mas depois de tanto insistir, e explicar à ela que eu realmente preciso dessa experiência antes de partir, ela deixou. Mesmo sabendo que não conseguirei completa-la.

[...]

A hora do almoço chegou e é o momento em que eu mais me sinto deslocada.

Estou segurando a bandeja com minha comida (salada, batata frita, arroz e macarrão) e varro todo o refeitório com os olhos. As mesas estão ocupadas por grupos de nerds, populares, hippies, punks e todos os outros exclusos ou inclusos que já encontraram sua trup.

Avisto uma mesa vazia no canto direito e começo a caminhar até ela, respirando fundo e ignorando a dor que agora reinava nas duas pernas.

Sento na mesa e três segundos depois uma garota senta-se à minha frente. Seus cabelos tem duas tranças, uma de cada lado da cabeça, usava óculos grandes e tinha os lábios grossos.

- Posso sentar aqui? - ela pergunta.

- Você já está sentada - respondo, ela ri.

- Certo - pega o hambúrguer e da uma grande mordida. - me chamo Eileen.

- Eileen? - pergunto. Ela balança a cabeça, confirmando. - como a música, "Come on Eileen"?

- Minha mãe ama Dexys Midnight Runner justamente por causa do meu nome... - Eileen solta uma risada esquisita como se estivesse de engasgando. - e ela sempre canta a música quando quer me chamar... Você gosta de alguma banda? Minha banda favorita é New Order. Você já ouviu eles?... - abri a boca para responder. - São muito legais. Você devia ouvi-los.

- Hum... Eu não costumo ouvir música - digo, dando uma garfada no meu macarrão frio e sem sal.

- Por que não?

Dou de ombros, nem um pouco interessada em continuar essa conversa.

- Não sei - respondo. De repente começo a sentir uma forte dor de cabeça e vejo tudo à minha frente rodar.

- É uma pena - diz ela sem dar a mínima para mim. - Sabia que... - Fecho os olhos.

- Eu... - tento falar, mas as palavras estão presas em minha garganta. Sinto a cabeça inclinar para a frente e tudo apaga.

[CONCLUÍDA] A Contagem Regressiva de Charlie e TessOnde histórias criam vida. Descubra agora