- Eu ainda não acredito que ela realmente fez isso - digo, mantendo os olhos fixos na estrada meio úmida por conta da neve que está derretendo.
- É, isso é tão... mórbido. Se a minha mãe tivesse descoberto que eu matei um cara, ela me mataria.
- Se a minha mãe tivesse descoberto que eu matei um cara, minha mãe me faria revive-lo e, em seguida, me mataria.
Ela da risada.
- Mas, pensando por uma lado - Tess comenta. - talvez a mãe da Sun tenha feito certo... Quer dizer, e se ela fosse até a polícia contar o que realmente aconteceu, e ninguém acreditasse nela?
Meneio a cabeça.
- É, isso poderia acontecer, mas...
- Mas...
- Nunca saberemos o que teria acontecido, pois não aconteceu.
- Acho que essa é uma das graças da vida, não é? Quer dizer, imagina se soubéssemos o que poderia ter acontecido com algo que escolhemos deixar de fazer. Seria agonizante.
- Acho que Deus nos privou de ter que carregar um Cruz por conta de alguma escolha estúpida, né? - olho para ela, que balança a cabeça.
Depois de mais alguns minutos dirigindo, paro o carro no estacionamento de um prédio antigo. Sem dizer nada, a Tess sai do carro e eu faço o mesmo.
- Mas... porque é que ela tá aqui? - pergunto, subindo os degraus para a entrada do prédio.
- Precaução, eu acho. Mesmo que os policiais nem desconfiem de nada, a Sun diz que é melhor.
- Que doideira é isso. Quer dizer, cadê a ética e a moral? A honestidade e... sei lá mais o que?!
- Eu também me perguntei isso enquanto carregava o corpo daquele homem para o andar de cima. Mas... Essa foi a escolha que ela fez e... Apesar de tudo, eu não vou fazer nada que a prejudique.
- Tudo bem, eu entendo.
Subimos quatro lances de escadas e vamos à porta do apartamento 207.
Tess toma a iniciativa e bate a primeira vez na porta. Ninguém responde. Ela bate mais uma vez. Nada. Ela olha para mim, meio apreensiva e, quando está prestes a bater pela terceira vez, ouvimos um som de chave na fechadura e a porta abre.
Eu só vi a Sun uma ou duas vezes na vida, e não há como negar o quão diferente ela está; embaixo dos olhos, bolsas de olheiras negras marcam presença e ela parece mais magra.
- Que bom que você veio - ela diz para a Tess, a puxando para um abraço. - oi Charlie - ela fala e vem me abraçar. Sun fede como se não tomasse banho há cinco dias, que foi quando ela chegou aqui.
- Como é que você está? - Tess pergunta.
Sun funga olhando para baixo e responde, num tom melancólico.
- Péssima.. Eu não consigo dormir, com medo de sonhar com... com o que eu fiz; eu não consigo comer, porque parece que tem uma ansiedade crescendo cada vez mais e mais em mim... Eu não sei se vou aguentar continuar assim por muito mais tempo.
- Mas você não vai ficar assim por muito tempo. É só até as coisas esfriarem.
Sun concorda e senta no único móvel da sala, que é um sofá verde muito puido; ela apoia os cotovelos em cima das pernas e cobre o rosto com as mãos. Respira fundo. Eu e Tess trocamos olhares rápidos.
- Sun... o que você acha de tomar um banho? Eu te ajudo - Tess se oferece e, claramente com certa relutância, Sun aceita.
As duas vão lá pra dentro, e eu permaneço em pé, sem ter ideia do que fazer.
Sento no sofá, que range, e tamborilo os pés no chão de madeira incrivelmente sujo. Olho pela janela e vejo que uma neve lenta e tediosa torna a cair lá fora.
Minutos se passam e elas não retornam.
" Que loucura..." digo para mim mesmo, ainda pensando em tudo o que está acontecendo na vida da Sun. Ela quase foi abusada e acabou matando um cara. Agora, está foragida e...
Interrompo meu pensamento ao ver algo bastante incomum de se ver.
Uma nota de libra sai por entre as frestas de madeira no chão. Olho em direção à porta do banheiro. Permanece fachada. Me aproximo da nota e me agacho para observa-la melhor.
Há uma falha no piso e eu, não conseguindo contar a curiosidade, puxo um pedaço da madeira meio solta. Para a minha total surpresa, tem um buraco no chão e, dentro dele, pasmem, centenas de notas estão amontoadas.
Eu não entendo. Fico encarando todo esse dinheiro, me perguntando como diabos a Sun o conseguiu.
- Agora sim você está digna - ouço a Tess dizer.
Bruscamente, ponho a madeira de volta ao chão e corro para o sofá. Eu nunca fui o melhor aluno em educação física e, talvez por isso, apenas isso, eu tropeço no meu próprio pé e caio de cara no chão.
Tess abre a porta na mesma hora e vejo as duas morrerem de rir ao me ver pateticamente caído.
- Estão com fome? - pergunto, tentando mudar o foco das coisas.
[...]
Estamos num restaurante próximo ao prédio onde a Sun está morando e, a cada três minutos e meio, aquele monte de dinheiro volta à minha cabeça.
- Eu vou ao banheiro - Sun informa, tirando um celular do bolso.
- Ela está escondendo alguma coisa - digo à Tess, quase sem pensar. Conto-lhe sobre todo o dinheiro que encontrei no solado do seu apartamento e, quando acabo de falar, ela balança a cabeça negativamente.
- Não é porque você é doido, que todo mundo tem que ser. Qual o problema em ter um pouco de dinheiro escondido?
- No solado de um apartamento que você mora há quatro dias? É sério que você não acha isso estranho?
- Nem um pouco?
- Você tem que certeza que não matou esse cara junto com ela?
Tess da de ombros e sorri.
Sun volta à mesa e guarda o celular no bolso.
- Por que é que você tem um monte de dinheiro escondido? - Tess pergunta abruptamente. Eu a chuto por baixo da mesa. - Ai!
Sun ri fracamente.
- Eu gostaria muito de ter algum dinheiro escondido - ela responde, tomando distraidamente um gole de água.
- Mas... - Tess começa a falar, mas eu a interrompo.
- É, eu também gostaria - digo e abro o cardápio. - o que vocês vão querer?
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[CONCLUÍDA] A Contagem Regressiva de Charlie e Tess
Novela JuvenilEsse é o relato de uma garota com câncer que sabe que irá morrer, e de um garoto sem muitas expectivas na vida, cuja felicidade é encontrada nos olhos coloridos de uma menina ruiva. A contagem regressiva de Tess e Charlie é uma história sobre como...