93 dias. Sexta. A visita

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Depois do acidente, as pessoas do Colégio estão sendo mais legais comigo. Sentam-se ao meu lado na hora do almoço e conversam comigo durante as aulas.

- Você entendeu o que o professor quis dizer com isso, Tess?

- Quer ajuda com essa atividade de matemática, Tess?

- Tess, quer o meu pudim?

Esse é o resumo da minha semana. Chata pra caramba. Até porque eu ainda não me lembro de ninguém e as pessoas parecem não entender isso, pois insistem em me perguntar sobre acontecimentos marcantes que, para mim, não tem significado algum.

- Como foi a aula, querida? - pergunta minha mãe assim que me jogo ao seu lado no assento do carro.

- Foi normal - respondo, jogando a mochila para o banco de trás e colocando o cinto.- as mesmas pessoas que eu não conheço tentando ser minhas amigas.

- Isso parece legal. Sabe o que é legal também?

- Hum... Usar LSD num movimento hippie?

- Não. O Charlie provavelmente já está em casa a essa hora.

- Que bom pra ele - digo, sem dar muita importância.

- É, vamos visitá-lo.

- Eu quero ir pra casa - respondo, ligando o rádio.

- Sim, mas vamos visitá-lo, querida - ela liga o carro e dá marcha à ré. Uma música do Bobby Brown começa a tocar. - Eu sei que você não lembra dele, mas o Charlie vai adorar te ver.

- Isso não muda o fato de que eu não quero ir, mas parece que a minha opinião não conta aqui.

- Exatamente.

Ficamos em silêncio enquanto ela dirigi até a casa do Charlie. Minha mãe para o carro na calçada e é a primeira a sair. - Você não vem? - pergunta, como se eu tivesse alguma escolha.

Reviro os olhos e abro a porta do carro.

Subimos os degraus de madeira e minha mãe bate na porta. Uma mulher baixinha e gordinha abre a porta, há olheiras meio arroxeadas em seu rosto fofo.

- Olá, boa tarde, viemos visitar o Charlie - minha mãe estende a mão e cumprimenta a mulher.

- Ah, certo, podem entrar - ela responde sem olhar pra mim, a voz meio chorosa.

Passamos por ela e entramos na sala, onde uma mulher de cabelos muito pretos fala ao telefone e uma garota de cabelos cacheados está sentada na frente da TV.

- Ele está lá em cima - diz a mulher que deve ser a mãe dele e, pela forma como ela me ignora, eu com certeza nunca estive aqui.

- Vá, querida, depois eu subo para falar com o Charlie.

- Mas...

- Tess...

Faço um muxoxo e subo os degraus à passos pesados. Sigo pelo corredor cheio de portas e não faço ideia de onde é o quarto dele.

Ouço uma música tocar ao longe e vou atrás dela. No fim do corredor, há uma porta entreaberta e eu coloco a cabeça para dentro. Charlie está deitado na cama encarando o teto, a cabeça enfaixada, movendo os pés no ritmo da música.

Pigarreio e ele levanta a cabeça.

- Tess...

- Oi, Charlie.

- O que você está fazendo aqui?

- Hum... A minha mãe meio que me obrigou a vir te visitar.

- Ah - ele se ajeita na cama e senta. Eu entro no quarto e paro em frente à janela. - então você ainda não se lembra de mim?

- Ainda não me lembro de nada, sinto muito... - Ele fica em silêncio. Eu também não sei o que dizer. - Isso é muito estranho - digo. - Ele ri.

- É, muito estranho.

No toca fitas dele toca a mesma banda que eu havia escutado no outro dia na TV. Não sei como a conheço, mas sinto como se já tivesse escutado em algum lugar.

- The Smiths, né? - pergunto, quebrando o silêncio desconfortável. Ele me encara fixamente e sorri.

- É... Você se lembra. Você está começa a se lembrar!

- Quê? Do que você está falando?

- Tess, eu te mostrei essa banda.

Dou risada.

- Sério? - ele balança a cabeça e levanta. Reparo que é muito mais alto que eu, e seus cabelo por baixo da faixa de enrolam em centenas de cachos.

- É - Charlie aumenta o volume do toca fitas. - Eu te mostrei essa música no baile de boas vindas... que você provavelmente não lembra, mas dançamos juntos essa música.

- Oh... - digo, fazendo um esforço colossal para me lembrar de algo. Nem que seja apenas um momento do que aconteceu no baile. Nada. Nada vem à minha cabeça, mas de alguma forma sei que ele não está mentindo.

Charlie estala os dedos no ritmo gostoso da música. O cantor solta um gritinho engraçado e eu dou risada.

- Gostei desse gritinho.

- Todo mundo gosta desse gritinho, baby... - o cantor torna a gritar e Charlie o imita. - jumped-up pantry boy, who never knew his place - ele canta, forçando a voz meio aguda, ao mesmo tempo que começa a rebolar e a balançar os braços como se fosse uma cantora de cabaré. - She said: return the ring...  knows so much about these things! - "Um pobretão folgado, que nunca soube seu lugar. Ela disse 'devolva a aliança'. Ele sabe tanto sobre estas coisas"...

Permaneço parada, as mãos na cintura, observando a dança vergonhosa do Charlie.

A música acaba, ele faz uma profunda reverência e desliga o toca fitas.

Bato palmas teatralmente e ele ri e agradece como se fosse o Elvis Presley.

- Isso foi tão... - paro, procurando alguma palavra que possa descrever o que eu acabei de ver.

- Incrível? É, eu sei, eu sei - ele ri com falsa modéstia. - e aí, conseguiu se lembrar de alguma coisinha?

- Definitivamente não, mas se você continuar fazendo essas dancinhas, talvez a minha memória resolva colaborar - digo.

- Esse é um risco que estou disposto a correr - ele diz, os olhos fixos nos meus.
Olar seres humanos que vivem em Marte, gostaria de agradecer mais uma vez pelas pessoas que estão acompanhando a história, pelos comentários maraveleosos e pelos votos 💙💙💙✨ Obrigada mesmo, sério...

 

[CONCLUÍDA] A Contagem Regressiva de Charlie e TessOnde histórias criam vida. Descubra agora