- Oi mãe - digo, fechando a porta do quarto. Ela está deitada, os olhos fechados, e os dedos tamborilam em cima do peito. - vim te levar pra casa.
Ela abre os olhos e sorri.
- É verdade, querido? - balanço a cabeça positivamente e ela sorri. - Que maravilha! Que boa notícia!
- Aqui suas roupas - entrego-lhe uma sacola com as roupas limpas que peguei em casa. - vou esperar lá fora até você se trocar.
- Filho - ela chama quando eu abro a porta. - Como está a Tess?
- Bem, mãe... muito bem - respondo e saio.
[...]
Ela está sentada ao meu lado e não para de falar com a Kim. Permaneço em silêncio, me perguntando se ela realmente está bem, ou se isso não é apenas uma fase; se ela, com algum descuido, tornará a cair nessa doença.
Estaciono o carro e ela me pergunta, sem nenhuma hesitação, se meu pai está em casa.
- Não, está trabalhando - respondo, abrindo a porta e saindo.
- Ele quase não fica mais em casa - fala Kim.
- Cala a boca - mando, lançando-lhe um olhar furioso.
- Está tudo bem, querido - diz minha mãe, forçando um sorriso.
Chegamos em casa e, obviamente, meu pai não está. Minha mãe vai direto para a cozinha, onde põe uma panela no fogo e começa a cortar legumes. Como se tudo tivesse voltado ao normal. De alguma forma, isso me assusta.
Estou no meu quarto, deitado, ouvindo The Smiths. E eu penso como as coisas são engraçadas. Elas mudam tão rápido, da melhor para a pior, e da pior para a melhor. Assim sucessivamente. É insano pensar no quanto a minha vida mudou em 113 dias. É insano pensar que a vida um dia acabará e que, todas as coisas boas que já me aconteceram, deixarão de existir. Eu me sinto amaldiçoado e abençoado por saber disso. Amaldiçoado por ter consciência de que todas as coisas um dia chegarão ao fim; e abençoado por saber que tenho o poder de eterniza-las enquanto ainda possuo vida.
- Charlie! - minha mãe me grita do andar de baixo. - o almoço está pronto, querida. Kim, você também. Cadê o George? - ela pergunta como se não fosse nem um pouco estranha.
- Mãe? - entro na cozinha e a vejo mexer numa panela com molho.
- Oi, querido. A Kim já está na mesa. Vai logo, já vou levar o molho. Cadê o George, ein? - ela repete a pergunta. Tenho medo de falar a verdade, pois não sei qual será a reação dela.
Finjo que não ouvi e saio.
- Você ouviu o mesmo que eu? - pergunta a Kim, quando sento ao seu lado.
- É, eu ouvi. Infelizmente.
- O que vamos fazer se ela perguntar novamente?
Dou de ombros.
Minha mãe entra com o molho e nos serve. Durante todo almoço, ela não menciona o George.
Terminamos de comer e ela levanta, sorridente, para buscar a sobremesa.
- Eu fiz mousse de morango... O George iria adorar! Mas ninguém mandou ele ir morar em Londres, com uma esposa que mal sabe cozinhar macarrão.
- Mãe...
- Mas eu faço de novo da próxima vez que ele vier, não tem problema.
- Mãe! O George morreu! Para com isso, está assustando a Kim... E me assustando também!
O sorriso dela morre, e ela solta a colher.
- Morreu? - ela pergunta, crédula.
- É, mãe, ele morreu. Como pode não se lembrar?
Os olhos dela, cheios de lágrima, tremem de um lado para o outro, sem foco.
- Eu... eu não sei - fala baixinho.
Ao meu lado, a Kim soluça.
- Acho melhor você se deitar - digo. Levanto, dou a volta na mesa e seguro sua mão. - vem, eu te levo.
Ela levanta, mas não segura minha mão. Seus olhos brilham por causa das lágrimas acumuladas, mas ela não chora. A acompanho até que está devidamente deitada e volto para baixo, onde encontro a Kim secando o rosto.
- Oi - digo.
- Ela nunca vai ficar melhor, né?
- Claro que vai... Só precisamos de paciência.
- E o que devemos fazer? Levá-la de volta ao hospital ou colocá-la num hospício?
- Eu... sinceramente não sei - admito, colocando uma colher cheia de mousse na boca.
VOCÊ ESTÁ LENDO
[CONCLUÍDA] A Contagem Regressiva de Charlie e Tess
Teen FictionEsse é o relato de uma garota com câncer que sabe que irá morrer, e de um garoto sem muitas expectivas na vida, cuja felicidade é encontrada nos olhos coloridos de uma menina ruiva. A contagem regressiva de Tess e Charlie é uma história sobre como...