78 dias. "Semana passada"

92 14 0
                                    

Estou deitado na cama, encarando o teto com as mãos cruzadas em cima da barriga. Pela primeira vez em muito tempo, meu toca fitas está desligado e eu não sinto nenhuma vontade de ouvir música e muito menos de fumar. Talvez você ache que eu esteja sendo dramático demais, mas é que pela primeira vez em muito, muito tempo o Mike não está aqui comigo por opção. E agora nem o George e nem o Mike estão aqui. É, triste.

Meus pensamentos navegam o mais profundo oceado do sofrimento,  quando, como se eu tivesse um daqueles projetores bem diante dos meus olhos, eu vejo a Tess usando seus óculos Ray-ban no dia do show. Ela estava tão linda que o simples vislumbre da sua imagem já é o suficiente para que eu queira vê-la. E, ao lembrar disso, eu sorrio.

Cara, ela gosta de mim. Apesar de tudo, ela realmente gosta de mim.

Estou viajando nos meus pensamentos quando ouço a minha mãe me chamar do lado de fora da garagem.

- Você pode vir aqui, por favor?

Levanto da cama sem muito ânimo e aperto o controle, a porta da garagem vai subindo lentamente.

Do lado de fora, vejo a minha mãe ao lado da Susan.

- Nos leve ao médico, por favor.

- Por que? O que houve? A Susan não está se sentindo bem? - pergunto não conseguindo esconder a preocupação.

- Não, não aconteceu nada, querido - responde Susan, forçando um sorriso. - São só uns exames que toda grávida precisa fazer. Está tudo bem.

- Ah, ótimo - abro a porta de trás do carro para elas e entro.

- Que cheiro forte é esse, ein? - pergunta minha mãe assim que começo a dirigir. Ela ainda tem o sotaque meio americano e às vezes é difícil de entende-la.

- Não faço ideia - minto e procuro distrai-la com: - querem ouvir um pouco de música.

- Não - responde minha mãe, secamente

- Eu adoraria - Susan me olha pelo retrovisor e sorri.

Ligo o toca fitas e começa a tocar Let's Hear it for The boy, da Deniece Williams.

- Eu amo esse filme. Você já assistiu, Charlie? - Susan quer saber.

Ela se refere à Footloose.

- Não - respondo. Eu nunca havia assistindo esse filme, mas conhecia cada detalhe dele porque quando o Mike assistiu, ele não parou de me encher o saco com uma dança esquisita com os pés.

- É muito legal, você devia ver.

- Já me disseram isso antes.

Passo o restante do caminho sem falar nada. Chegamos à clínica médica, eu saio do carro para abrir a porta para elas e me despeço logo em seguida.

Estou voltando para casa, os olhos fixos na Rua, quando vejo algo que me faz parar o carro imediatamente: a Tess passeando com uns cinco cachorros e confesso que ela não está se saindo muito bem na tarefa; uma das coleiras está enrolada na perna dela e um dos cachorros cheira o traseiro do outro, que cheira o traseiro do outro, que lambe a coxa da Tess, que está quase caindo no meio daquela confusão toda.

Aproximo o carro um pouco mais.

- Precisa de ajuda?

Ela desvia os olhos dos cachorros e me lança um olhar de súplica e alívio. Estaciono o carro um pouco mais à frente e volto para ajudá-la.

- Desde quando você passeia com cachorros? - pergunto, tirando três coleiras das mãos dela e deserolando uma delas da perna da Tess.

- A minha vizinha está estudando para uma prova muito importante e eu me ofereci para cuidar dos seus cachorros por um dia.

- Uau, que menina generosa. Não conhecia esse seu lado - começamos a andar e somos obrigados a parar quando dois dos cachorros decidem cheirar um hidrante.

- Eu tenho muitos lados bons, se você quer saber - ela diz, levantando exageramente as sobrancelhas. - Não é minha culpa se você é um babaca e não repara neles.

- Você não sabe o que diz, menininha dos favores. Tudo o que eu faço é procurar pelos seus melhores lados - digo. Ficamos em silêncios. Voltamos a andar e ela encara o chão, meio vermelha. - Eu adoro quando consigo te deixar sem graça, sabia?

Ela força uma risada maligna.

- Você não me deixa sem graça.

- Ah, não? Tem certeza? - ela fecha os olhos e balança a cabeça solenemente. - então o que acha de sair comigo hoje à noite.

- Quê? - ela arregala os olhos e quase cai quando um dos cachorros para abruptamente, fazendo com que ela pise na pata traseira dele, que chora esganiçadamente. - Ai, me desculpa! - ela se abaixa para fazer carinho nele. - Olha o que você me fez fazer! - diz, tornando a ficar de pé.

- Não é culpa minha se você fica sem graça toda vez que eu resolvo dar em cima de você - digo sem nenhuma vergonha.

- Haha! Primeiro que eu não fico sem graça - pelo visto, ela vai negar isso até a morte. - segundo que essas duas cantadinhas baratas não chegam aos pés do beijo que eu te dei.

- Aquela bitoquinha sem graça? - pergunto, rindo. Ela para e põe a mão na cintura. - Eu quero um beijo de verdade, tá me entendendo?

- Então por que você não pede pra Sindy? - ela diz, rindo. Logo em seguida se da conta do que disse e comprime os lábios. - desculpa - Eu sei que ela não pede desculpas pela Sindy, mas me esforço para não ficar triste com isso. - falei sem pensar.

- Tudo bem, relaxa.

- Você já superou isso? - ela pergunta.

- Ainda não, mas relaxa. Sério. Quer sair comigo mais tarde? A Kim está doida para que eu a leve num parque que chegou à cidade... Lá podemos dar um perdido nela e correr para a roda gigante dar uns amassos.

- Acho que hoje é o dia perfeito para dar uns amassou numa roda gigante...

- Sério?!

- Não, mas eu gostei da ideia do parque.

- Ah, sim, o parque. Muito bom mesmo.

- Relaxa, judeuzinho.

- Estou relaxadissímo esperando ansiosamente pelo momento em que ficaremos loucamente apaixonados um pelo outro. Você sabe me dizer quando isso vai acontecer?

Ela sorri e me olha.

- Semana passada - responde e logo desvia o olhar.

- Então quer dizer que... - mas ela da de ombros e acelera os passos com seus dois cachorros poodles.

[CONCLUÍDA] A Contagem Regressiva de Charlie e TessOnde histórias criam vida. Descubra agora