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André

Durante todos esses últimos anos eu temia por esse maldito dia. O dia em que eu teria que me despedir de quem mais amo pra sempre.
Por mais que eu não pudesse mais ouvir sua risada ou sentir seus lábios nos meus, eu podia contemplar todos os dias a sua beleza, tocar em seu rosto. E agora isso não será mais possível, e mais uma parte de mim irá embora. Não sei até quando eu irei aguentar.
Desejei tanto estar no lugar dela esses últimos anos, desejei que fosse eu naquele maldito acidente, odeio ter que viver dia após dia com essa culpa...
Familiares dela não quiseram estar aqui na capela, nem no enterro. Todos já se despediram e seguiram com suas vidas. Apenas eu estou aqui. Apenas eu ainda sinto o luto todos os dias dentro de mim. 
Uma senhora a qual não conheço viu que eu estava sozinho e veio fazer uma oração para que Bella encontre a luz. Logo depois vieram me informar que era a hora de fechar o caixão e foi nessa hora que uma mulher apareceu. Rayssa.
De uma forma estranha ela me conforta. Sinto isso desde a primeira vez em que ela me acalmou pelos corredores do hospital, em uma das varias crises que já tive. Acho que é a única que realmente se importa comigo durante todo esse tempo em que estive no hospital acompanhando Bella.
Ela chega com uma rosa e olha ao redor, provavelmente estranhando não ter ninguém. Acontece que ela não sabe que eu já estou acostumado a não ter ninguém. 
Rayssa: Oi André — Me abraça bem apertado — desculpa não ter vindo antes. O hospital, você sabe, chegou uma emergência e...
André: O importante é que você veio. — Interrompo-a pois não precisa explicar, só dela estar aqui e eu não ter que fazer isso sozinho me deixa imensamente grato. — Obrigado. — ela me abre um sorriso triste e caminha próximo a minha Bella.
Rayssa: É Bella, como eu queria que tudo isso fosse diferente. Queria ter conseguido te salvar. — Uma lágrima escorre de seus olhos e os meus voltam a jorrar. — Foi bom te conhecer. Acho que teríamos sido boas amigas... Descanse em paz querida. — Ela toca na testa de Bella com carinho e eu autorizo os rapazes em volta a fechar o caixão.

Viro me de costas, é impossível conseguir olhar tudo isso acontecer. 
Sinto as mãos da Rayssa em minhas costas me confortando e eu fecho bem forte meus olhos. Seguimos juntos até o cemitério, onde já havia um buraco pronto para receber minha amada.
Novamente fecho meus olhos enquanto descem seu caixão, os braços de Rayssa seguem em minha volta e uma música fúnebre é cantada por algumas pessoas do velório ao lado.

Lágrimas que parecem nunca ter fim continuam saindo dos meus olhos e Rayssa me aperta cada vez mais forte.

Rayssa: Já terminaram.— Ela me avisa quando terminam de fechar a cova. Abro meus olhos e já não vejo mais o caixão. 

Coloco minha mão em meu joelho, pois já não consigo sentir minhas pernas. Sinto que a qualquer momento eu vou cair.
André: Preciso sair daqui Rayssa. — Ela me olha preocupada. Provavelmente já conhece esse meu olhar.
Rayssa: Pra onde você quer ir?
André: O mais longe possível, por favor. Me tira daqui.
Rayssa: Ok, eu conheço um lugar. Vem comigo.— Ela estende sua mão, que pego sem questionar.
Saio dali com Rayssa apenas em carne e osso. Porque sei que minha alma, minha vida e meu coração ficaram naquele maldito caixão a sete palmos do chão.
Entro no carro que acredito ser o dela e por horas, eu acho, ela fica dirigindo. Tudo é feito com muito silêncio e eu analisando a paisagem, conseguindo voltar a talvez raciocinar.
Em um determinado momento ela para em uma lagoa.
Rayssa: Já está quase escurecendo, venha. Esse lugar é capaz de renovar nossa alma.— Não discuto. Mal sabe ela que isso pra mim é impossível. 
Saio do carro e a sigo. Sentamos na grama, de frente para uma paisagem incrível e ficamos ali observando o horizonte.
Meus momentos com Bella passam como um filme em minha cabeça. O dia que nos conhecemos, nosso primeiro beijo, nossa primeira vez, nosso casamento, nossa lua de mel, nossas conversas sobre filhos, nossa viagens pelo mundo, seus sorrisos, sua gargalhada, nossa despedida naquele maldito dia, eu a encontrando deitada numa cama pela primeira vez, e desabo. É difícil demais suportar isso.

Choro como nunca chorei em toda minha vida. Choro pelos filhos que não virão desse amor que tivemos, choro pelos momentos que não vivemos, choro por ter passado tempo demais brigando com ela, choro por ter ficado corrigindo aquelas provas ao invés de ter ido com ela, choro por estar vivo e ela morta, choro por ter que seguir agora uma vida sem ela.
Um tempo depois percebo que estou sozinho, Rayssa não está mais sentada ao meu lado.

Olho ao redor procurando por ela e vejo que está sentada no capô do seu carro ao telefone.
Ela acena pra mim, como se eu já não tivesse a achado e eu me levanto já mais recuperado.
André: Não vi você saindo de lá. Desculpa não estar sendo uma boa companhia hoje. — Digo assim que me aproximo.
Rayssa: Achei que você precisava de espaço. E eu tinha que resolver umas coisinhas do hospital. — Me lembro que ela largou tudo no hospital, pacientes graves pra estar aqui. — Não se preocupe, quem precisa de companhia aqui é você.
André: Precisa voltar pro hospital?
Rayssa: Não. Deixei toda minha agenda com outra médica. Tenho o dia todo ainda livre. Vou trabalhar no plantão da madrugada.
André: Porque fez isso?
Rayssa: Isso o que?— diz confusa.
André: Largou seu trabalho para vir aqui. Nem mesmo os pais dela foram capazes de vir, porque você veio?
Rayssa: Não sei. Eu simplesmente achei que eu tinha que estar aqui. Não estar seria errado. Gosto de vocês, André. — concordo. — E que bom que eu vim, odiaria saber que você passou por tudo isso sozinho.— Porque ela é sempre assim tão legal? 
André: Estou sempre tendo que te agradecer, confesso que estou um pouco sem palavras já.
Rayssa: Pois não precisa agradecer, é de coração. — fico a olhando, e um pensamento repentino vem em minha cabeça.
André: Eu acabei de enterrar minha mulher e estou com uma vontade absurda de... — Ela me olha em expectativa

Rayssa: De...?

André: De beijar você. Isso seria errado demais? — Vejo seu rosto corar e ela fica quase catatônica. Nem eu esperava falar isso, que dirá ela de ouvir. Percebendo que ela não sabe o que responder, eu caio na real que eu já estou delirando. — Aí meu Deus! Esquece o que eu disse ok? Podemos voltar?— Ela sai do seu desvaneio e assente parecendo ainda bastante atordoada.
Rayssa: É cla-claro. Vou te deixar em casa.— Entramos no carro e ela da partida. A viagem de volta é feita em total silêncio e eu só queria enfiar minha cabeça em um buraco e sumir. 

Eu sou um ser humano horrível.

UM ANJO EM MINHA VIDA /Completa.Onde histórias criam vida. Descubra agora