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Gisele.
29 anos atrás.

Ao olhar a ficha da minha próxima paciente já me dava calafrios. Eva, uma jovem fria, egocêntrica e que só sabia lidar com os seus sentimentos. Sofria de diversas crises de ansiedade por conta de sua faculdade de medicina.
Quando bati meus olhos nela eu senti que algo não estava certo com ela naquele dia. Ela tinha os olhos fundos, não estava toda elegante como sempre vinha as consultas e seu semblante era triste.
Gisele: Olá querida, como vai? — Ela não sorri.
Eva: Você sabe que eu odeio isso aqui, mas você é a única pessoa que eu posso contar isso e sei que não vai me julgar. Afinal eu te pago pra isso — Sim, ela é sempre essa escrota. E não ela não me paga pra ficar aguentando as grosserias dela, porém relevo, tenho pena de como foi sua criação e da maneira em que ela leva a vida.
Gisele: Pode falar. Estou ouvindo. — Ela respira fundo e desabafa.
Eva: Eu estou grávida! — Não expressei nada. Apenas fiquei aberta para receber todas as informações dela. Sou uma ouvinte. — Você sabe mais do que ninguém que eu não posso ter essa criança. Eu não sei cuidar de mim, não posso trazer ao mundo uma criança que vai sofrer, ainda mais de um pai pobre... Não posso ter um filho doutora.
Durante todos os meses da gestação trabalhei a cabeça dela e aos poucos ela foi realmente aceitando a ideia de ser mãe, mas quando a barriga já estava atrapalhando ela na sua residência e ela ia ter que afastar, foi o estopim.
As crises voltaram, ela enxergava tudo como um desastre e passou a desenvolver ódio por ela e pela criança.
Descontrolada e longe de seus pais que agora moravam em Portugal e não faziam ideia que ela estava grávida, ela fazia de tudo para dar um fim na gravidez. Deixou de ir às consultas, não me atendia e nem procurava outro tipo de ajuda, foi aí que me preocupei ao extremo com ela e deixei de ser sua psicóloga, para ser sua amiga.
E sim, consegui controla-la até conseguir dar a luz a um lindo menininho. Super lorinho e de olhos verdes o que claramente herdou do pai, porque Eva não possuía essas características.

Estive ao seu lado em todos os momentos, escolhemos o nome do nosso bebê -sim, nosso porque era isso que nós éramos, as mães do bebê- e criamos um laço gigantesco uma com a outra e aconteceu de nos envolvermos.
E eu não queria.
Nunca havia sentido algo ou me relacionado com nenhuma mulher na minha vida.
Mas com ela era diferente, eu me apaixonei por ela. Me apaixonei pela vida em que levávamos e pela família que acabamos criando. Era eu e ela contra o mundo.
Descobri que a amava na noite em que ela estava amamentando o bebê na minha cama e sorriu pra mim. Um gesto ridículo para alguns, mas foi ali a coisa mais mágica que já aconteceu na minha vida.
Os meses foram se passando e infelizmente as coisas foram mudando, mas não dá minha parte.
A cada dia as coisas iam a irritando e a entediando. Ela começava a gritar comigo, eu tentava conversar e ela achava que eu estava a examinando. Era exaustivo. Virou um relacionamento complicado e eu me via perdida. Perdidamente apaixonada por ela e perdida por cogitar ficar sem ela. Mas fiquei.
Nos seis exatos meses quando ela recebeu alta para voltar a trabalhar ela acordou decidida a ir embora, deixou uma carta ridícula e um adeus a mim e ao seu filho. Sem nem olhar para atrás. Foi aí que eu percebi que o amor da sua vida sempre vai ser a medicina e sempre vai ser.
Passou alguns meses e ela não voltou. Eu não podia mais me deixar abalar por ela, então peguei meu filho e fui embora pro interior para casa do meu melhor amigo Paulo. Ele me ajudou e durante os anos acabamos nos casando. É difícil ser uma mãe "solteira", pessoas comentam e resolvemos ficar juntos e nossa vida foi ótima.
Meu filho cresceu, viveu e hoje em dia o vejo muito pouco e quando resolvi vim vê-lo foi por motivos claros: saudades. E curiosidade.

Voltar ao ao Rio de janeiro e ver que o meu filho morava DO LADO do hospital da Eva, foi apavorante. Mas o horror que senti quando descobri que ela era mãe da namorada do André foi muito maior. E eu precisava fazer alguma coisa.

Por isso quando o André pediu minha ajuda para "atender" a doutora Eva, tudo meu estremeceu e eu tinha quase um dejavu. Parecia que eu estava voltando ao passado e revivendo tudo.
Como prometido eu fui e estou aqui na porta do hospital criando forças para entrar a única mulher que um dia eu amei na vida.
Rayssa: Oi Dona Gisele, obrigado por ter vindo.
Gisele: Não me agradeça, faria isso por qualquer pessoa.
Rayssa: Desculpa perguntar, mas de onde você e minha mãe se conhecem?
Gisele: Somos velhas amigas. — Ela assentiu.
Rayssa: Entendi.
Gisele: Posso vê-la?
Rayssa: Claro, eu não contei para ela que você viria. Sempre que toco no seu nome ela fica muito agitada, então eu não sei muito bem como ela vai reagir...
Gisele: Relaxa, eu sei lidar com esses momentos. — Rayssa andou na minha frente e eu a segui. Trêmula e sem saber como eu era capaz de andar. Até eu esquecer qualquer tipo de movimento quando a porta se abriu e eu reencontrei aquela mulher. Com rugas de expressar, um pouco mais velha, mas ainda a mesma pessoa.
Gisele: Oi Eva.

UM ANJO EM MINHA VIDA /Completa.Onde histórias criam vida. Descubra agora