Penultimo Capitulo

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Joyce

Joyce: Eu quero entrar, eu quero ver ele! - disse chorando. - Me soltaaaaaa! - disse gritando.

Leandra: Calma, Joyce! Calma, pelo amor de Deus! Fica calma, cara. - tentou me segurar.

Joyce: Eu quero ver, eu quero ver ele... me solta, deixa eu entrar! Por favor, por favor... eu quero ver o Renato! Eu quero ver ele.

Thales: Olha pra mim, cara! - segurou meu rosto fazendo eu o encarar. - Se acalma, cara! Daqui a pouco tu dá um troço, mano. Calma! - eu balancei a cabeça em negativa. - Porra, tú tem que ser forte, coé?

Joyce: Eu não sou forte não... Eu quero ver ele, Vanessa... - disse encarando minha prima que alisava minha mão enquanto estava abraçada com o Émerson.

Sabe aquele dia frio, céu cinzento e clima pesadíssimo que esses dias trazem? Era assim que esse dia estava sendo.

Cheguei aqui na casa onde o Renato estava assim que soube do ocorrido. Sai de casa doida assim que minha tia chegou pra ficar com a Isabela.

Seis da manhã, favela cheia de policiais e repórter, maior fuzuê. Um bando de abudres, na verdade! Eles não respeitam a dor de ninguém, nem os mortos que estão estirados no chão.

Eu chorava, tentava me soltar e tentar entrar novamente na casa, mas nada adiantou, eu não consegui. Eles não deixaram!

Meu coração tava tão apertado, minha mente estava tão confusa que eu não conseguia respirar, nem muito menos raciocinar, eu não queria acreditar.

Por que isso? Por que? Já não bastava tudo que a gente passou? Não poderíamos seguir? Eu não conseguia entender o porque de tanto sofrimento e dor e também não queria acreditar.

Repórter: E aqui temos mais uma vítima do mundo do crime no Rio de Janeiro! Hoje o traficante Renato Atanásio, um dos frentes do morro do dendê na ilha do governador morreu após tentar reagir a prisão e entrar em confronto com a polícia. O traficante foi encontrado....

Quando ouvi aquilo me emputeci de imediato, me levantei mesmo sendo segurada pela minha família e comecei a gritar, falar mesmo!!

Rapidamente as câmeras se voltaram pra mim, minha família me puxava, mas eu coloquei tudo que estava entalado na minha garganta... tudo que passamos por anos. Eu tremia e chorava!

Joyce: Ele não foi mais uma vítima do tráfico, eu não perdi o Renato pro crime não, parem de reproduzir mentiras, porra! Eu não perdi o Renato para o crime, mas sim pro Estado, pro estado do Rio de Janeiro, pro sistema judiciário... eu perdi ele pro governador e pra sociedade que nos altos dos seus privilégios só julga. Ele não foi uma vítima do tráfico não, foi uma vítima do sistema, pois ele era inocente!!! É, ele era inocente quando foi preso pela primeira vez injustamente por um assassinato que não cometeu, um assassinato que foi realizado pelo próprio amigo dele que saiu impune, pois é branco e ele era preto. Sávio! Ele que assassinou uma pessoa mas não teve peito pra assumir, se protegeu atrás dos seus privilégios e deixou que o próprio amigo levasse a culpa toda. Ele foi preso a primeira vez inocentemente e também era inocente quando foi preso da segunda vez. - disse apontando. - Ele tinha sonhos, nós tínhamos planos e tudo foi perdido de uma hora pra outra, da noite pro dia... Ele perdeu toda sua juventude preso por crimes aos quais nem se quer cometeu!!! Ele tentou sair, tentou fugir, tentou não cair nessa vida mas sabe o que vocês deram????? Sabe o que vocês deram??? Mais motivos pra ele entrar! Renato foi coagido, privado e empurrado pro mundo do crime por diversas vezes e formas pela sociedade. Sociedade que só se indigna quando a injustiça, a desgraça acontece com branco, mas com preto é "normal". Ele não queria isso pra ele, mas vocês escolherem o destino dele... - disse chorando. - Eu acompanhei toda essa história de perto, por outros ângulos, mas sempre junto! - bati no peito. - Eu hoje possuo duas graduações, diretamente ou indiretamente fiz tudo que quis e ainda posso fazer, mas ele não pode mais... Pois ele morreu!!! Ele tinha todos esses sonhos também, vocês sabiam? Ele queria fazer tudo que eu fiz mas não pode, não lhe deram chances pra isso. Ele não vai poder seguir em frente, não vai poder ter outra chance, ver os filhos crescer, pois vocês não deram. O estado caçou, coagiu e tirou a vida do meu grande amor... Ele tirou a vida de um garoto de 18 anos que sempre foi um bom homem, um bom filho e um bom cidadão. Eles tiraram a vida dele há 15 anos atrás quando o prenderam injustamente por um assassinato que ele não cometeu, apenas por ser preto, pobre e favelado. E o que aconteceu hoje, o que ele se tornou hoje foi apenas as consequências do que vocês fizeram com ele. Do que o racismo faz com um pobre, preto e favelado todos os dias! Vocês não nos deixam vencer, não nos deixam sonhar e não nos deixam ser livres!!! Todo santo dia somos confundidos, mortos e discriminados... e o pior é que isso parece que não vai acabar mais, não vai acabar nunca. Todo santo dia a gente ver na mídia vocês falando que o maior índice na criminalidade são de pessoas pretos, mas vocês já foram perguntar a ela, o que as levaram pra esse mundo????? Pergunta a uma criança moradora de favela o que ela passa, o que ela aguenta desde a infância até a vida adulta que vocês vão entender quem é que tira realmente a vida de alguém aqui dentro!!!!

Thales me tirou antes que eu falasse mais e se ele deixasse eu falaria. A dor que eu estava sentindo era tão grande, tão profunda que eu só queria gritar pra que todos ouvissem, externar... Renato morreu, eles o mataram.

Eu me sentei novamente naquele batente até que eles resolveram deixar que tirassem o corpo dele da lá de dentro.

Joyce: Não... não....Renato!!! Meu Deus... minha filha... como seus filhos vão ficar sem você? - disse aos gritos.

FICHA SUJA (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora