Era uma boneca de retalhos feita com pedaços de pele. O cabelo caindo irregular pelos ombros, de um loiro sujo, quase cinza, e escuro em algumas partes que deveriam ser sangue. E, por mais que me envergonhe admitir, eu não queria chegar perto dela. Mas, o mais chocante não foi nem mesmo encontra-la vestida com as peles de seus inimigos. E sim seus olhos. Amarelos e pouco humanos, como se a parte dela que era um lobo houvesse dominado a humana. Ter os olhos sempre expressivamente humanos era uma característica da qual ela se orgulhava, mesmo quando em pele animal. E agora nem isso.
Quando sorriu, evitei dar um passo para trás. Seus dentes também estavam mais para animal do que para humano. Muito pouco do que eu conhecia como ela permanecia. O olhar maníaco, o sorriso forçado. Os cadáveres ali embaixo. Briguei contra a ânsia de vômito. Ela se balançava na corrente como se estivesse embaixo de uma árvore. Não notava o pelo e pedaços de pele por toda a extensão desse balanço improvisado.
Nikolai deu um passo em direção a ela, que parou imediatamente de balançar e rir, encarando-o com os olhos semicerrados.
-Você faz parte da matilha de Lucan. – Sua voz era tão baixa que quase não ouvíamos. Seu tom não deixava saber se era amistoso ou não. – Eu sei quem você é.
-Já fiz. – Niko escolheu a sinceridade para responder. – Mas saí quando você saiu. Estava preocupado com o que poderia ter acontecido.
-Você cheira familiar. – Ela cedeu um pouco. Parecia que estávamos conversando com uma criança. – Cheira bem.
-Bom saber, princesa. – Ele riu baixinho. – Sou seu irmão, você deve sentir nosso parentesco.
-Mas você não cheira como meu pai. – Ela torceu o nariz.
Ele deu mais um passo na direção dela, com as mãos levantadas naquele gesto universal que dizia que não faria mal a ela.
-Porque eu sou amigo, e seu pai não era.
-Ele não era mesmo. – Ela retrucou, o sorriso psicopata aparecendo mais uma vez. – Eu poderia ter dado conta dele, mas ele nunca fica sozinho. Pelo menos não por muito tempo. E talvez não mais perto de mim.
-E por que você diz isso? – Nikolai perguntou, se aproximando mais dois passos. Ela parecia muito satisfeita consigo mesma.
-Ele descobriu que não era uma boa ideia. – Ela riu. Um frio gelou minha coluna. Ficamos observando enquanto ela levantava e remexia entre os restos no chão. Até que ela jogou algo para mim. Um nariz. Humano. Suprimi um grito de surpresa. O cheiro, apesar de podre, era inconfundível. -Ele descobriu da pior maneira. Sempre gostei muito da 'tentativa e erro'.
Troquei um olhar com Nikolai, que estava tão assustado quanto eu, embora soubesse disfarçar melhor. Talvez passasse pelas nossas cabeças a mesma coisa. Como a levaríamos de volta para casa? Seria seguro para as pessoas ficarem ao redor de Sky? Eu não confiava, e éramos amigos. O que dizer de estranhos? Como ela reagiria se tocássemos nela?
Entre conversas bobas sobre o que ela gostava (matar os soldados de Lucan) ou não (ficar perto de Elliot com certeza venceu essa, mesmo ela dizendo que ele não a perturbaria mais), Nikolai e eu fomos nos aproximando. Então ela olhou para mim. Não uma olhada de relance qualquer, mas um olhar de quem realmente conhece uma alma. E então veio em minha direção. Dei um passo para trás, me preparando para me defender. Mas quando os braços dela agarraram minha cintura, relaxei. Ela estava chorando.
Não sei quanto tempo permanecemos assim, eu abraçado com ela, e Nikolai fazendo carinho em seus cabelos. Mas só nos movemos quando percebemos que ela tinha adormecido.
-Ela não está nada bem. – Resmunguei o óbvio. – Tenho medo de leva-la para o meio de outras pessoas.
-Entendo. – Ele assentiu sério. – Mas aqui não podemos deixa-la. Vamos até a cabana de Bea e de lá resolvemos com Lana, Lyna e Liam o que fazer. Precisamos ao menos mostrar para eles que ela está bem.
-Será que Cameron já voltou dos mortos?
O olhar de Nikolai para mim foi sombrio. Eu não sabia o que passava pela cabeça dele, mas imaginei que iria querer ficar o máximo de tempo possível com Sky agora que ela não estava bem. Talvez até moldá-la um pouco para que ela fosse mais amiga dele do que inicialmente. Eu não o culparia por tentar, mas não queria que Skylar se machucasse ainda mais.
-Antes de nos preocuparmos se meu irmãozinho voltou ou não, temos que trazê-la de volta. – Ele por fim respondeu, pegando-a no colo como se fosse uma criança. Ela não protestou. Nem eu.
Precisávamos aquecê-la, alimentá-la e fazê-la lembrar do que importava. Depois nos preocuparíamos com Cameron e o que mais estivesse na lista.
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Naked - Em Revisão
WerewolfQuando quem deveria te proteger é seu pior inimigo, fugir é a única opção. Sky deixou tudo para trás quando sua família fez o imperdoável. Agora, ela é perseguida pelas sombras que um dia foram amigas. Sendo a última de uma linhagem de feiticeiras...