Capítulo Nove - Presa (Parte 2)

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Esperei que o vento trouxesse o rastro dela até onde eu estava, imóvel. Talvez o conhecesse, embora fosse improvável, minha matilha não havia registrado nenhum novo lobo visitando nosso território.

O vento soprava ao meu favor, por isso não entendi quando ela levantou de repente rosnando para o lado em que eu me encontrava. Antes que eu pudesse tomar qualquer atitude, ela saiu correndo.

A fuga despertou o instinto em mim. Seu cheiro deixava uma trilha clara, e estávamos em uma ilha, mesmo que eu a perdesse por ser rápida e estar na vantagem. A loba não poderia ir para nenhum lugar sem que eu a encontrasse. Era um simples jogo de pega-pega.

Mas o jogo durou mais do que eu gostaria, tendo fim quase trinta minutos depois, em um penhasco que nem mesmo eu sabia que estava ali. A estranha virou para mim rosnando, e eu dei um passo para trás. Não por medo, mas por surpresa pela cor dos olhos dela. Era lilases. E nenhum lobo tem olhos lilases. Cinzas, castanhos, azuis e até algumas nuances de verde eram aceitáveis. Depois de me recuperar da surpresa, voltei a avançar para ela.

Não consegui chegar ao local antes que a estrangeira fizesse o impensável e pulasse para o mar.

Quando cheguei à beirada, não consegui ver nenhum vulto que indicasse para que lado ela seguia, por isso voltei para a sede da matilha e ordenei uma patrulha especial pelos meus homens de confiança. Ela só tinha duas opções: nadava quilômetros até o continente ou voltava para a ilha.

O grande problema era que, horas depois, não havia nem sinal dela pela ilha.

-Você tem certeza que viu essa intrusa? - Minha mãe me perguntou pela milésima vez, me vendo frustrando e andando de um lado para o outro.

-Era uma loba. Uma transmorfa. Não uma loba comum. Eu tenho certeza disso. - Retruquei. - E não imaginei meia hora de perseguição pela ilha.

-Mas ninguém mais encontrou o cheiro dela depois que você pediu a busca. Nem mesmo na trilha em que você usou.

Suspirei e preferi ficar quieto. Até por não ter uma resposta para aquilo. Quando refiz do caminho da perseguição, consegui sentir apenas o meu rastro. Isso ainda estava me deixando confuso. Eu achei a marca das patas dela. Mas não o cheiro.

-Voltando para assunto mais importantes. - Minha mãe chamou minha atenção. - Você continuou perseguindo aquele lixo humano.

-Ela é divertida. - Dei ombros.

-Você precisa casar.

-Não preciso. Você que quer que eu case.

-É para o seu bem. Eu me preocupo com você.

-Ninguém vai me desafiar, mãe. São todos leais. De que outra maneira você acha que consegui passar alguns anos estudando fora?

Pensei que ela fosse continuar a discussão, mas acabou saindo e deixando que eu descansasse. Deitei na imensa cama e soltei um suspiro aliviado. Mais um pouco e eu teria tudo do jeito que queria. Mas agora, não queria ser incomodado pelos próximos dois dias que pretendia passar dormindo.

Skylar

Ao meio dia, decidi cancelar minhas aulas da tarde. Eu não tinha concentração o bastante para sair de casa, meu segredo sendo evidente para quem olhasse. Meus malditos cabelos pareciam um arco íris trocando de cor por causa da minha apreensão.

Não sei como consegui ficar até o fim da festa com Declan sem me descontrolar. Talvez a adrenalina. Mas sair de casa enquanto minha aparência gritava 'feiticeira'.

Yeah. Você entendeu bem. Sou uma feiticeira vivendo entre metamorfos. Uma espécie que deveria estar extinta. Mas é claro que algumas de nós ainda está por ai. Não preciso acrescentar que qualquer um que descubra meu segredo me mataria sem pensar duas vezes.

Nós nunca fomos em grande número, e sempre éramos apenas mulheres. O que eu acho que foi o motivo principal de iniciarem a caça às bruxas, afinal, entre os transmorfos as sociedades são quase cem por cento patriarcais. E eles queriam nossos poderes, alguns queriam mais do que outros. E queriam especificamente alguns poderes.

Nenhuma feiticeira tem exatamente os mesmos dons das outras. Claro que todas podemos lançar feitiços, mas nem todos, e sempre temos alguma coisa que é mais forte. No meu caso, um dos mais fortes é poder mudar de aparência. O que é quase tão legal quanto ficar invisível, mas as vezes acho que perde para voar, se você me perguntar. Enfim, eu posso mudar meu exterior para qualquer aparência humana que eu imaginar. Nunca animal, apenas humana. E quando eu ficava nervosa eram meus cabelos a primeira coisa a ficar trocando até voltar a cor original dele.

E eu estava com ódio. O mais simples e puro ódio de Cameron, que por um capricho do destino resolveu que me queria. Supondo que ele conhecia o meu cheiro, mudar de aparência e fugir não seria o ideal, pois ele sacaria de cara o que eu era.

Deitei na cama deixando o caleidoscópio que era meu cabelo. Meu quarto era o único lugar do minúsculo apartamento que tinha algum toque pessoal meu. Uma colcha de retalhos, alguns pôsteres, bugigangas que coubesse na mala na hora de ir para outro lugar. Que era o que eu deveria fazer. Pegar um avião e ir para longe o bastante que desanimasse o alfa.

O grande problema é que eu gostava de morar ali. Gostava da minha amizade com Declan. E gostava de não ter vizinhos fofoqueiros que quisessem fuçar minha vida antes de chegar ali.

Então me restavam duas opções. Ceder a Cam ou arrumar outra obsessão para ele. Minha única duvida era onde arrumar uma garota parecida comigo que topasse ser o brinquedo do alfa. Porque em mim ele não encostaria.

Naked - Em RevisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora