Capítulo Dois. 🌹

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O dia que Rose estava tentando evitar havia chegado. Era o dia do enterro do Daehan.

Não fazia ideia de como conseguiria chegar ao fim desse dia. Na verdade, não sabia de mais nada. O reflexo no espelho mostrava o cansaço em seu rosto, aquela havia sido mais uma noite em que ela não conseguira dormir. A imagem de Daehan morto em seus braços aparecia sempre que fechava os olhos, a assombrando.

O Castelo estava bem movimentado, mais do que o habitual. Centenas de pessoas haviam passado nos últimos dias para se despedir do príncipe e apesar de muitas delas já terem ido embora, algumas delas ainda permaneciam.

Rose caminhava lentamente pelos corredores na direção do salão de baile, era onde o corpo de Daehan estava sendo velado. Não falou com ninguém no caminho. Empregados e nobres a reverenciavam ao passar por ela. Alguns proferiam palavras que Rose não prestara atenção, ela não estava ouvindo. Era como se o mundo estivesse em silêncio. Ela apenas conseguia ouvir o martelar forte do seu coração a cada passo que dava na direção daquelas grandes portas de madeira que estavam fechadas.

Respirou fundo algumas vezes, estava tentando reunir a coragem que ela sabia não possuir naquele momento, e permaneceu ali encarando aquelas portas por um tempo longo demais. Ela sabia que seu irmão estava morto e, mesmo desejando todos os dias para que tudo aquilo não tivesse passado de um pesadelo, ela sabia o que iria encontrar ao abrir àquelas portas. Ela havia rezado para todos os deuses que conhecia, todas as noites, para que aquilo não fosse verdade, mesmo ela não acreditando em nenhum deles. De alguma forma, ver o corpo do Daehan tornaria mais real. Seria a prova real de que nada daquilo havia sido um sonho ruim.

E ela não sabia o que faria depois disso.

Levou uma de suas mãos trêmulas à maçaneta de cobre e empurrou a grande porta. Havia apenas duas servas no salão, elas estavam dando alguns retoques na aparência do Daehan, um príncipe deveria estar impecável sempre.

Ao verem Rose ali, fizeram uma reverência e saíram em silêncio.

Rose caminhou lentamente até o centro do salão, que agora estava completamente vazio. Não havia as compridas mesas usadas para refeições, nem as outras dezenas de móveis que decoravam a grande sala de festas. Havia apenas uma grande mesa de mármore e sobre ela, estava Daehan.

As pernas de Rose tremiam tanto que ela julgava poder cair a qualquer momento. Quando conseguiu ver claramente o rosto de seu irmão, foi como se um soco tivesse a atingido bem no abdômen, tirando todo o ar de seus pulmões. Rose levou uma mão à boca, seus lábios tremiam e seus olhos ficaram marejados.

Daehan estava lindo. Vestia um de seus trajes formais de príncipe em tons de azul. Azul era a cor preferida dele. Seu cabelo escuro, e perfeitamente penteado para trás, deixava à mostra seu belo e pálido rosto. Por mais que as servas tivessem feito um bom trabalho em prepará-lo, o maquiando, não conseguiram tirar aquela cor extremamente pálida de sua pele. A cor da morte estava estampada no rosto do príncipe.

Apesar disso, ele estava lindo. Como sempre fora. Sua expressão estava serena e tranquila, como se estivesse adormecido e novamente Rose se pegou orando aos céus para que ele estivesse apenas dormindo.

Ficou ali, o observando. Assim como fizera por muito tempo, quando Daehan não conseguia dormir sozinho. Ela sempre ficava com ele em seu quarto até que ele dormisse, passava horas o observando dormir profundamente.

Levou sua trêmula mão direita para os cabelos de Daehan e acariciou, descendo por suas bochechas. Estavam frias, assim como a pedra de mármore em que ele estava deitado.
Em seu pescoço, estava um colar que Rose o havia presenteado anos atrás. E a lembrança desse dia veio instantaneamente na cabeça de Rose, mesmo ela tentando afastá-la.

Era aniversário de dezesseis anos do príncipe e, como esperado do Daehan, haveria uma grande festa. Ele estava passeando pelos jardins observando todo o andamento dos preparativos, quando Rose se aproximou, com um pequeno embrulho nas mãos.

– Esse é o meu presente? – perguntou, indicando o embrulho e Rose confirmou com um aceno. – Tão pequeno? Você é uma rainha, pensei que me daria algo bem maior.

Rose revirou os olhos, mas estava sorrindo. Ela sabia que Daehan estava brincando.

– Se você não quer, posso dá-lo ao Robert. – Rose falou, simples. – Tenho certeza que ele será mais grato do que você.

Daehan apressou-se em retirar o embrulho das mãos da irmã, como se temesse que ela realmente o daria para o Robert.

– Nem pensar, é meu. – falou sorrindo, mas a expressão sorridente deu lugar a um espanto quando ele abriu a pequena caixa embrulhada. Era um colar. Um colar de prata com uma pedra azul no centro. Era relativamente simples, mas de extrema importância. – Você não pode me dar isso. – falou baixo.

– Claro que eu posso. – Rose deu de ombros. – Eu sou a Rainha, se lembra? Eu posso fazer qualquer coisa.

– Eu estou falando sério, Rose. Você não pode me dar isso. Eu não sou um rei, você não pode me dar esse colar. – Tentou devolvê-lo, mas Rose não aceitou. – Guarde-o para quando você se casar, você pode me dar qualquer outra coisa.

– Eu não vou me casar, Dae. – Rose retrucou, revirando os olhos. – Nós sabemos disso. Além do mais, você será rei um dia. Estou apenas antecipando o presente. Mesmo você sendo mais importante do que qualquer rei.

Daehan sorriu largamente. Ele sabia o quanto àquele colar significava para Rose. Era feito de uma pedra grande, de cor azul intenso, extremamente rara de se encontrar, mesmo em Ennord. Era a pedra preciosa preferida da mãe deles. A Rainha Anna havia a encontrado quando jovem, nas terras de sua família, e a guardou, com a promessa de dá-la à seu primeiro filho, no caso, uma menina. Havia dado de presente para Rose pouco tempo antes de morrer e Rose sempre a guardou com muito carinho, como se aquela pedra fosse a coisa mais importante para ela.

Quando a Rainha Anna morreu, o Rei Lucius queimou tudo que a pertencia. Dissera que estava infectado com a doença que a levou, e por isso tudo o que ela havia tocado deveria ser queimado, talvez ele estivesse certo, ou maluco, ninguém saberia dizer. Rose não conseguiu salvar nada. A única coisa que possuía de sua mãe era a pedra e as milhares de lembranças que tentava não esquecer.

Daehan algumas vezes sentiu inveja da Rose por ter tido esses momentos com a mãe de que conseguisse lembrar e, mesmo ele nunca tendo admitido, Rose sabia que ele se sentia triste e por isso, mandou que fizessem aquele colar. Ela sabia o quanto ele queria algo para se lembrar de sua mãe.

– Mas ela deu pra você. – Daehan argumentou. Por mais que ele quisesse algo de sua mãe, ele não queria ficar com algo que Rose prezava tanto.

Rose pegou o embrulho de suas mãos, retirou o colar e se posicionou atrás de Daehan, colocando o colar em volta de seu pescoço.

– E eu estou dando a você. – falou. – Eu já tenho o meu.

Sorriu.

Daehan virou-se para encará-la. Ele também estava sorrindo.

– Obrigado. – falou. Ele falava aquela palavra com muita frequência para Rose, mas sabia que nunca conseguiria agradecê-la o suficiente por tudo o que ela fez e fazia por ele. – De verdade, muito obrigado, Rose. Esse é o melhor presente que eu poderia ganhar.

Sorriu e abraçou Rose, firme. Fazendo Rose se admirar de como ele havia se tornado um homem grande e forte, o que resultou de um comentário convencido de Daehan e, sorrindo e de mãos dadas, eles voltaram a caminhar pelos jardins.

A Rainha de Ennord: O Confronto dos Grandes ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora