Lágrimas agora rolavam pelo rosto de Rose. Qualquer lembrança de Daehan era extremamente dolorosa. E a culpa que sentia a sufocava cada vez mais, como uma mão gélida em volta de seu pescoço, apertando, não a permitindo respirar.
– Você deveria ter ido embora, Dae. – Rose sussurrou, acariciando o rosto de seu irmão. – Você não deveria ter acabado assim. Você não merecia. Deveria ter sido eu.
Deitou a cabeça em seus braços, apoiados sobre aquela mesa fria e chorou. Sua cabeça sendo bombardeada por milhares de lembranças com seu irmão. Lembranças de quando o estava ensinando a cavalgar, a atirar flechas e a duelar. De quando o colocava para dormir e de quando eles saíam para cavalgar pelas florestas, apenas para se divertir e conversar. Das festas que o Daehan sempre insistia em fazer e até mesmo das discussões, quase sempre, motivadas pelo fato de que Rose protegia demais seu irmão.
Tudo aquilo era demais. Rose estava sofrendo demais, sentindo demais.
Ela não queria sentir.Acariciou mais uma vez o rosto de seu irmão e o encarou por longos minutos. Ela queria memorizar cada traço de seu rosto para que não pudesse esquecê-lo. Aquela seria a última vez que ela o veria.
Aproximou-se, depositando um beijo na testa de Daehan. Um último.
– Eu amo você... – lágrimas continuavam a molhar o rosto de Rose. – Criança. – completou, quase como se conseguisse ouvir o protesto que ele sempre fazia quando ela o chamava daquela forma.
Retirou o colar de Daehan e o guardou, logo em seguida colocou o seu colar de rubi em volta do pescoço dele, para que ele sempre tivesse sua irmã por perto. Enxugou seus olhos e seguiu lentamente para fora do salão. Havia alguns soldados à porta, aguardando.
– Vamos acabar logo com isso. – falou, com a voz falha. – Tragam ele.
Seguiu caminhando para fora do Castelo, onde havia várias pessoas nos jardins e pátio. Todos voltaram sua atenção para Rose. Alguns a fitavam sérios, outros com um olhar triste. Rose podia sentir a piedade deles de longe e isso fez uma pequena chama de raiva acender em seu interior, ela não precisava da piedade deles. Não precisava da piedade de ninguém.
Várias pessoas morreram junto com o Daehan naquele dia, a maioria eram empregados e soldados. E todos seriam enterrados juntos. Rose quis dar à eles o mesmo tratamento do príncipe. Aquelas pessoas haviam morrido protegendo o Castelo, protegendo Rose.
Era o mínimo que ela poderia fazer.
Daehan, diferente de Rose, acreditava nos deuses e por isso ali havia um sacerdote, proferindo orações e palavras de conforto que, na verdade, não confortavam ninguém. O sacerdote estava ali para que Rose pudesse atender um pedido que Daehan havia a feito um tempo atrás. Ele dissera que, caso ele morresse primeiro, Rose deveria chamar um sacerdote para encaminhá-lo para a outra vida. Rose o repreendeu, dizendo para que ele parasse de falar tanta bobagem.
O sacerdote dera a chance para que qualquer um que quisesse prestar a última homenagem ao príncipe, se aproximasse. Algumas pessoas quiseram falar sobre o Daehan. Ele era amigo de muita gente e todas elas tinham apenas coisas boas para dizer sobre ele. Entre essas pessoas, estava Jacob. Rose ficou aliviada em saber que ele estava bem, não tinha o visto depois do ataque ao Castelo e temeu que ele tivesse sido mais um entre as vítimas.
O garoto parecia bem emocionado ao falar sobre o Daehan. Dentre as várias coisas legais que disse, ele falou que Daehan havia sido um bom amigo e mentor. Falou também em como o príncipe o havia ajudado desde o início, e agradeceu entre lágrimas.
Rose não queria falar nada, não na frente de todas àquelas pessoas. Tudo o que falaria, ela já havia dito ao Daehan inúmeras vezes. Além disso, não importava. Nada que ela dissesse importaria.
Entre as centenas de pessoas presentes, Rose reconheceu Aron, alguns metros de distância. O homem por quem Daehan fora apaixonado. Ele continuava exatamente igual Rose lembrava, e vê-lo ali doeu mais do que qualquer ferimento que Rose sentira em toda sua vida. Aron era uma lembrança viva de uma vida que Daehan poderia ter tido, mas que não escolheu. Ele havia feito a escolha errada.
Aron apenas a encarou e fez uma mínima reverência. Seus olhos tristes e marejados deixavam claro que ele estava sofrendo, mas Rose notou, em um momento muito breve, um olhar um pouco mais rude e crítico. Aron a culpava por tudo aquilo, a culpava pela morte do Daehan. Ela o entendia, ela também pensava assim.
Sentiu uma pessoa parar ao seu lado e não precisou olhar para saber que era Thomas. Ele segurou sua mão e a encarou com seus tristes e gentis olhos claros.
Thomas não se importava mais em demonstrar afeto para com Rose na frente de todas aquelas pessoas. A Rose precisava dele, do conforto dele. Ela estava se segurando bem, mas ele sabia que não duraria muito tempo, ela desmoronaria a qualquer momento e ele queria estar por perto para ajudá-la quando isso acontecesse.
Quando não havia mais ninguém para falar, Thomas soltou gentilmente a mão de Rose e começou a se aproximar de onde o sacerdote e o caixão do príncipe estavam. Ele tentava afastar o nó que estava se formando em sua garganta, não queria chorar. Queria falar lindas palavras sobre o Daehan. Por ele e pela Rose.
Ficou ao lado do caixão de Daehan, virado na direção das centenas de pessoas ali, e encarou Rose, no meio de todas elas. Seu olhar encontrou o dela, que estava pesado e triste, o que fez o coração de Thomas doer.
– O Daehan foi a primeira pessoa que eu conheci quando cheguei aqui, um ano atrás. – Thomas começou, olhando fixamente para Rose, e apenas para ela. – Ele acabou se tornando meu melhor amigo... Muitos de vocês o conheciam apenas como o Príncipe, mas eu o conhecia como Dae. Um rapaz engraçado e divertido, você não conseguia não sorrir perto dele. Gentil e carinhoso com todos que o conheciam. Tinha um sorriso largo e aconchegante que fazia você sorrir também. Acho que essa palavra define bem o Daehan, aconchegante. – Thomas sorriu. Rose baixou o rosto, Thomas conseguia ver que ela estava chorando.
– O Daehan gostava de beber, muito. – Thomas continuou, dando um pequeno sorriso ao lembrar das vezes em que ficara bêbado junto com o Daehan. – E quando bebia, falava coisas absurdas, mas também sabia ser responsável. Das poucas conversas sérias que tivemos ele me falou sobre a preocupação de não ser lembrado por ninguém. – Rose ergueu o olhar para Thomas, seus olhos cheios de lágrimas pareciam surpresos ao ouvir as palavras dele. – Tinha medo de que tivesse desperdiçado seu tempo. Que tudo que havia feito não fosse o suficiente e que as pessoas não se lembrariam dele. Mas na verdade, você não esquece alguém como o Daehan. Nunca. O Daehan deixou uma marca enorme no meu coração, assim como no de todos que realmente o conheciam. É por isso que estou aqui, falando sobre ele. Daehan não era apenas um príncipe, ele era um excelente soldado, um general incrível e um amigo excepcional. – Thomas encarou o céu limpo e azul, seus olhos estavam marejados, mas ele sorria minimamente. – Não vamos esquecer você, Daehan.
Caminhou de volta para seu lugar ao lado de Rose e segurou sua mão novamente. Rose apertou a mão de Thomas um pouco, o encarou e balançou a cabeça de leve.
– Obrigada. – suspirou.
Thomas apenas acenou com a cabeça e voltou a encarar o sacerdote, que terminava de falar algumas palavras.
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A Rainha de Ennord: O Confronto dos Grandes Reis
RomanceApós o ataque ao Castelo, Rose toma uma decisão que mudará completamente a vida de todos e Thomas se vê em uma situação complicada, onde ele terá que escolher entre seguir seu coração ou a razão, indo contra a mulher que ama. [Livro dois]